No início deste mês, pajés, rezadores, raizeiros e parteiras, os chamados pajemen, participaram de um encontro com agentes de saúde na aldeia Ipavu-Kamayurá, na Terra Indígena (TI) do Xingu-MT. Durante os dias 5 a 8 de abril, o evento, que contou com a participação de diversos povos indígenas e parceiros, promoveu o compartilhamento de informações entre cuidadores, acordos entre pajés e agentes de saúde indígena e o fortalecimento do papel social, político e cultural dos pajés.
Kumaré Txicão, coordenador regional do Xingu, representou a Funai durante o encontro ao lado de representantes da Coordenação Técnica Local Gaúcha do Norte I e da Coordenação de Acompanhamento de Saúde Indígena (Coasi/CGPDS). Txicão destacou a importância da troca de experiências entre pajés, parteiras e profissionais da saúde e do trabalho sintonizado e respeitoso entre as diferentes esferas. “A saúde indígena não pode prejudicar o trabalho do pajé e da parteira”, alertou o coordenador.
Cecilia Piva, coordenadora de Acompanhamento de Saúde Indígena, da Coordenação-Geral de Promoção dos Direitos Sociais (Coasi/CGPDS) da Funai, comentou com os participantes sobre o papel da Funai no acompanhamento e monitoramento da saúde dos povos indígenas. “Estamos elaborando uma instrução normativa para que possamos ter clareza do nosso papel. Estamos partindo de uma visão ampliada, com base nos Determinantes Sociais de Saúde. Dividimos nossas ações em eixos de atuação e um deles é o apoio e valorização das formas próprias de promoção e produção de saúde dos povos indígenas. Outro eixo é a garantia de direitos e a autonomia de decisão, pois sabemos que este é um campo onde os direitos ainda precisam de grande proteção. Embora a Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena tenha como diretriz maior o atendimento diferenciado, sabemos que são recorrentes os casos em que os direitos dos povos indígenas a um atendimento que respeite as diversas culturas são violados”, declara.
Diferentes e complementares
Rezadores, pajés e parteiras trabalham juntos. Cada um tem uma função diferente. Os cantos e as rezas também possuem funções e objetivos diferentes. O papel da parteira, por exemplo, é fundamental para a mulher não se machucar e não sofrer tanto. A parteira dá as orientações. Depois do parto, existem rituais e práticas a serem feitas, como a ingestão de chás específicos.
Vários relatos de parteiras e mulheres destacaram a importância da mãe não precisar ir à cidade para ganhar o bebê (antigamente 90 % dos partos eram nas aldeias. Hoje o dado se inverteu. 90% dos partos acontecem na cidade). Para que isso aconteça, no entanto, é preciso apoio da equipe de saúde indígena e conscientização dos profissionais a fim de que essa prática seja valorizada. Para a parteira Yapikaru Kamayurá “é importante que os gestores da saúde indígenas conheçam o trabalho das parteiras. Quando a moça ganha o bebê na cidade, ela não toma raiz, não fica de repouso e come qualquer alimento”.
No encontro, foram muitos os relatos dos casos de violação de direitos, como a discriminação do trabalho de pajés e parteiras por profissionais da saúde, a pressão para que tratamentos e partos sejam feitos na cidade, e maus tratos em hospitais durante os partos. Outra violação que foi relatada foi a presença de instituições religiosas dentro da Terra Indígena e a proibição que estas fazem na expressão da cultura e das práticas da medicina tradicional.
Imagens Andrea Prado/Funai ©, ilustração por helio carlos mello