JULIANA BRITO,
do Mídia 4P / Carta Capital
Desde quando Talíria Petrone, 34 anos, entrou formalmente para a política, em 2017, como vereadora em Niterói pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), não tem encontrado tempo calmo. Primeiro, foi o assassinato de sua amiga, a também vereadora pelo PSOL, no Rio de Janeiro, Marielle Franco, em março de 2018, seguido de ameaças que a obrigaram a andar escoltada. Depois, em seu debut em Brasília como deputada federal, este ano, já foi alvo de fake news e enfrenta diariamente in loco um ambiente político conturbado e permeado por um discurso de ódio contra minorias do governo do atual presidente da República Jair Bolsonaro (PSL).
Os tempos estão difíceis para quem faz parte de alguma minoria, mas, apesar disso, Petrone acredita que as mulheres negras devem ocupar ainda mais o parlamento com as suas pautas e vozes. Foram essas dificuldades, aliás, que impulsionaram a própria trajetória política dessa niteroiense, professora de história pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e mestre em Serviço Social e Desenvolvimento Social.As carências e potências percebidas quando dava aulas em escolas da Maré, de São Gonçalo e de Niterói a fizeram querer transformar a sociedade. Em 2010, Talíria conheceu o PSOL e se tornou militante do partido. Em 2016, na sua primeira eleição, foi a vereadora mais votada de Niterói e a única mulher da Câmara Municipal por mais de um ano, defendendo as bandeiras da negritude, do feminismo e LGBT. Em 2018, foi a nona deputada federal mais votada do seu estado, com 107 mil votos.
Na entrevista a seguir, concedida ao Mídia 4P por e-mail, Talíria Petrone fala do atual contexto político, da participação das mulheres no parlamento e da sua experiência como deputada em Brasília.
Você veio de um mandato de vereadora em Niterói e este ano deu início ao de deputada federal, no governo Bolsonaro. Como está sendo essa experiência para você, do ponto de vista pessoal e político?
Desde as eleições municipais de 2016, nós vimos que as mulheres querem se sentir mais representadas. O crescimento de candidatas e de eleitas foi muito importante para mostrar isso para a sociedade.
Eu brinco que estar no parlamento me faz sentir, cada vez mais, saudade dos meus alunos e das salas de aulas. É um espaço que foi, historicamente, negado para nós, mulheres negras. E a certeza que eu tenho é que precisamos ocupar ainda mais. Não apenas com nossos corpos, mas com nossas pautas e vozes.
Você era amiga da Marielle, cujo assassinato ainda não foi esclarecido, e você mesma recebeu ameaças de morte e anda escoltada pela Polícia Legislativa. Isso não te amedronta? Por que continuar na política em um ambiente que tem se mostrado, além de hostil, perigoso para mulheres de partidos de esquerda?
A vida sob escolta é muito difícil, nunca desejamos ter isso em vista. Mas não foi um pedido individual. A Polícia Federal recomendou a partir de uma investigação de ameaça e o presidente da Câmara dos Deputados oficiou o governador para viabilizar minha segurança no Rio. É um assunto de Estado, acima de ideologias: o direito de uma parlamentar exercer seu mandato.
O que mais me amedronta é a situação que passa o país, que tem sido palco de uma violência política muito grande, estimulada por um discurso de ódio e de intolerância, e encabeçada pelo presidente Bolsonaro e seus apoiadores. Essa violência se dirige, principalmente, às mulheres. E é fundamental garantir que mais mulheres estejam ocupando os espaços da política, não apenas a política institucional, mas nas direções dos partidos, nos sindicatos, nos movimentos sociais.
Você acha que esse tipo de violência desestimula as mulheres a entrar no Legislativo?
Com certeza. A política contém duas esferas que foram sempre negadas às mulheres: a esfera do poder e a esfera do público. E sabemos que a violência política tem no discurso de ódio sua base, portanto atinge mais as mulheres, negras e negros, LGBTs. Por isso digo que precisamos de mais de nós nesse lugar. Se somos maioria da sociedade, precisamos que os parlamentos reflitam isso também.
Como surgiu o desejo de entrar na política?
Esse desejo foi muito coletivo. Apesar de ser militante do PSOL há anos, estando, inclusive, na direção do partido, nunca pensei em ser candidata. Mas desde as grandes manifestações de mulheres, como a Primavera Feminista com o Fora Cunha, as mulheres mostraram que as pautas feministas precisavam estar vocalizadas nos parlamentos.
Assim, um grupo de mulheres de Niterói começou a se reunir para lutar por uma candidatura do partido que expressasse isso, que levasse o debate feminista para a cidade. Nosso slogan de campanha era “Por uma Niterói negra, popular e feminista” e conseguimos ser a candidatura mais bem votada da cidade. Marielle fez uma votação expressiva no Rio, e outras mulheres do partido pelo Brasil também. Isso mostrou que não dá mais para fazer política sem nós.
O que fazer para aumentar a participação feminina no Legislativo?
De imediato, precisamos garantir a permanência da cota feminina nas eleições, que hoje está ameaçada na Câmara dos Deputados. Essa tem sido uma ferramenta fundamental para forçar os partidos a indicarem mulheres que possam concorrer de fato às eleições.
Mas precisamos aprofundar isso. Precisamos que o dinheiro destinado às candidaturas seja melhor distribuído para as mulheres candidatas. Os partidos precisam também estimular essa participação dentro das suas estruturas. Precisamos construir espaços na política institucional mais igualitários entre homens e mulheres.
As mulheres querem participar da política, mas precisamos que sintam que aquele lugar precisa ser ocupado por elas, para que possam levar as pautas que são fundamentais para as mulheres. Quando aprofundamos nossa democracia, garantimos mais a participação dos setores historicamente excluídos da política, e vice-versa.
Temos visto muitos casos de intolerância religiosa no Rio de Janeiro, com ataques a terreiros de candomblé, perpetrados até por traficantes que se auto intitulam evangélicos. O que tem motivado, na sua opinião, o crescimento desses ataques?
Sem dúvida, o fundamentalismo religioso – que é diferente de religião – tem estimulado esses ataques. Os discursos do presidente reforçam também que determinados corpos, determinadas religiões, determinados territórios, determinadas ideologias devem ser exterminadas. Um discurso autoritário de quem não consegue viver com o diferente, com o plural e o diverso. Não consegue conviver com a democracia em si.
Como foi sua infância e adolescência no Rio de Janeiro? Você se lembra de algum caso de racismo de que foi vítima?
Tive uma infância humilde, criada por uma mãe professora e um pai artista.
Demorei para me compreender enquanto mulher negra. Sempre fui a “moreninha” e hoje entendo o quanto isso foi o racismo institucional falando.
Você tem sido alvo de fakes news. Qual o impacto disto na sua trajetória profissional e o que pode ser feito para tentar combater isto?
As fake news são um dos pilares da comunicação da extrema direita hoje, não apenas no Brasil. Se mostram como uma arma para deslegitimar os ideais e as figuras da esquerda. É desgastante ter que, muitas vezes, falar o óbvio, como a de que o nazismo foi um regime de extrema direita. Por isso também há uma deslegitimação da ciência, da pesquisa e da educação.
Acredito que o trabalho de base é muito mais potente. Conversar e, principalmente, ouvir as pessoas que vivem nos territórios são pontos fundamentais no que considero ser a verdadeira nova política.
O senador Paulo Paim disse, em Plenário, que “nós estamos levando este país para um estado de miséria absoluta”. Você concorda com esta afirmação? Qual o seu prognóstico para o futuro do país diante do que estamos vivendo?
Estamos vivendo um longo inverno. Infelizmente, o estrago que já foi feito até aqui vai demorar para ser refeito. Mas tenho certeza também que a primavera vai chegar. Nesse momento, precisamos nos unir, nos cuidar e olhar para o futuro com a cabeça erguida. Somente juntas e juntos vamos conseguir passar por essa tempestade.
Uma resposta
Parem com narrativas construídas com distorções, q estão abalando a paz dos brasileiros. Quem tem discurso de ódio e de divisionismo são vcs, da esquerda. Não aceitam o resultado das eleições, q elegeram Jair Bolsonaro. Sejam oposição construtiva q ajude o Brasil e não uma oposição de ódio visceral q em nada contribue para o desenvolvimento do país.