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Argentina

Ordem de Prisão de Correa compõe lawfare contra esquerda na AL

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Por Vinícius Segalla, Jornalistas Livres e Agência PT de Notícias

O ex-presidente do Equador Rafael Correa, que governou seu país entre os anos de 2007 e 2017, tem contra si uma ordem de prisão expedida pela Justiça de seu país no dia 3 deste mês. A ordem é internacional, já que o ex-presidente mora na Bélgica há mais de um ano.

Correa não é o primeiro ex-mandatário de esquerda da América Latina que tem ordem de prisão preventiva (sem que tenham sido considerados culpados em um processo judicial concluído na Justiça) decretada. Como se sabe, Lula está preso, sem provas e sem sentença judicial transitada em julgado, desde abril deste ano.

A ex-presidenta da Argentina, Cristina Kirchner, tem um mandado de prisão contra si desde dezembro do ano passado. Foi expedido logo depois que ela foi eleita senadora da República em seu país. Estão tentando, agora, cassar sua imunidade parlamentar, para coloca-la atrás das grades o mais depressa possível.

Ainda antes desses episódios, uma outra presidenta de esquerda do subcontinente, Dilma Rousseff, em 2016, foi derrubada de seu mandato presidencial por meio de um processo de impeachment sem crime, sem provas, sem nada. Ou com tudo, com o Supremo, com tudo.  Voltando até 2012, no Paraguai, o então presidente (de esquerda) daquele país foi deposto em um processo de impeachment que durou menos do que 24 horas. É isso mesmo, o Senado paraguaio abriu processo e encerrou no mesmo mesmo dia, colocando-o para fora da presidência acusando-o de fazer parte de um crime que culminou na morte de 17 pessoas. Até hoje ele não foi condenado por nada.

Rafael Correa é só a última vítima.

Sem prova, sem processo

O mandado contra o equatoriano é para uma prisão provisória, quer dizer, não é fruto de uma condenação consumada na Justiça do seu país. O motivo? Ele falhou na obrigação de se apresentar quinzenalmente a uma corte do Equador, ordem que lhe foi imposta há menos de um mês por uma juíza, no exato momento em que foi formalizado um indiciamento contra ele.

Ou seja: não tinham chegado a pedir a prisão de Correa enquanto ele responde a uma acusação formalizada há menos de 20 dias, mas o obrigaram a atravessar o oceano a cada 15 dias, em uma espécie de constrangimento provisório ao direito de ir e vir e viver do ex-presidente. Daí, quando ele não concretizou a tal ordem, o mandaram prender.

É preciso compreender qual acusação e qual processo é este que sofre Rafael Correa. Em quais condições, quando, como e onde ele teria cometido qual crime, que não levou à sua prisão imediata sem julgamento, mas quase. Afinal, seu indiciamento ocorreu no dia 18 do mês passado. A ordem de prisão saiu nesta semana. Haverá de ser crime grave, cujas investigações podem vir a ser prejudicadas caso Correa siga fora da cadeia, ou então corre-se o risco dele destruir as provas se preso não for, ou ainda ele deve representar uma ameaça à sociedade, pronto para incorrer no mesmo crime se não for detido. No Equador, assim como na maior parte dos países do mundo, são basicamente essas as condições para que alguém seja preso preventivamente.

Bom, crime consumado, mesmo, não teve nenhum. A acusação é sobre uma tentativa de sequestro, ocorrida em 2012, em outro país, na Colômbia, que teria sido frustrada pela polícia local.

Afastadas, pois, as hipóteses de haver qualquer coisa parecida com flagrante ou risco iminente de Correa vir a delinquir no mesmo crime, ou na tentativa do mesmo crime: o fato investigado ocorreu há seis anos, desde então Correa não é acusado de tentar sequestrar mais ninguém nem há indícios de que esteja planejando novos encarceramentos privados.

A chance de Correa estar destruindo provas ou constrangendo testemunhas, se existe, também não foi detectada por qualquer autoridade policial ou da Justiça de qualquer país, até porque a tentativa de crime teria acontecido na Colômbia, fazendo uso de bandidos de aluguel colombianos, e Correa vive na Europa. Tampouco há situação de fuga da Justiça. O ex-presidente equatoriano tem família e residência fixa e conhecida em um país europeu que permite que a Interpol cumpra ordens de prisão internacionais emitidas do Equador contra seus próprios nacionais. Correa tem representação judicial regular nos processos em que é parte na Justiça equatoriana.

Mas, ainda assim, uma juíza do Equador, de nome Daniela Camacho, decretou sua prisão.

A velocidade com que a magistrada tomou sua decisão causa espécie. Sua ordem para que o ex-presidente se apresentasse a cada 15 dias à Justiça equatoriana é do dia 18 de junho, o mesmo do indiciamento de Correa. Assim, o ex-presidente estava obrigado a se apresentar em Quito pela primeira vez no último dia 2 de julho. A Defesa do acusado, porém, interpôs um recurso contra a decisão. Apresentou documentos que provavam sua residência fixa e conhecida na Bélgica, que provavam que sua família também mora lá, que provavam que ele tem compromissos pessoais e profissionais no país onde reside. Argumentou que a medida imposta pela juíza era por demais gravosa, uma intervenção no direito e ir e vir que se aproxima da prisão preventiva. Propôs que seu cliente pudesse se apresentar quinzenalmente à Embaixada do Equador no país onde vive. Efetivamente, assim o fez Correa, no último dia 2 de julho. Depois, colocou na sua conta no Twitter fotos e documentos comprovando que se apresentou às autoridades equatorianas estabelecidas na Bélgica.

Então, no dia 3 de julho, a juíza Camacho conduziu audiência sobre o caso com os advogados de Correa, os advogados da suposta vítima de tentativa de sequestro e o Ministério Público do Equador. Tanto os representantes da suposta vítima quanto o procurador do caso, de nome Paúl Perez, defenderam que Correa tinha descumprido a ordem judicial, que não era certo ele se apresentar na embaixada na Bélgica, e por isso pediram a imediata expedição da ordem internacional de prisão. A juíza interrompeu a sessão para um recesso de 55 minutos. Foi tempo suficiente para ela decidir e emitir a ordem de prisão contra o ex-presidente da República.

As provas, o acusador e o domínio do fato

A vítima da tentativa de sequestro em 2012 na Colômbia é um político equatoriano de nome Fernando Balda. Ele era do mesmo partido de Correa até os primeiros anos de governo do ex-presidente acusado. Em 2009, no entanto, mudou de lado, saiu do governo, saiu do partido Alianza e tornou-se ferrenho opositor da gestão Correa, militando ao lado de outro ex-presidente equatoriano, Lucio Gutiérrez (2003-2005), ex-coronel do Exército que participou de uma tentativa frustrada de golpe em seu país no ano 2000.

Passou a fazer acusações de que o então presidente Correa seria o chefe de um esquema criminoso de perseguição a políticos de oposição. O então presidente negou todas as afirmações e foi à Justiça para que Balda provasse tudo que estava dizendo. Balda não provou. Foi, então, condenado por injúria e difamação. Ao invés de cumprir a pena, mudou-se para a Colômbia, país vizinho onde mantinha boas relações com os políticos (de um partido de direita) que então ocupavam o governo federal. Passou a dizer que era um exilado político.

Então, em 2012, tanto Balda quanto as autoridades policiais colombianas passaram a afirmar que o político havia sofrido uma tentativa de sequestro, mas que os policiais tinham conseguido impedir o crime. A partir daí, Balda, e somente Balda, passou a dizer que aqueles que tentaram sequestra-lo disseram que estavam fazendo aquilo a mando de Rafael Correa, a mesma pessoa a quem ele acusara e não provara de outros crimes alguns anos antes. Passou a dizer também que o objetivo dos bandidos não era nem mesmo mantê-lo vivo, mas sim matá-lo, o que só não teria ocorrido porque a polícia desvendara tudo a tempo. Os supostos sequestradores contratados por Correa não confirmam a versão.

As autoridades colombianas abriram investigações. Há algumas semanas, anunciaram que encontraram trocas de mensagens em 2012 entre os bandidos e membros do médio escalão do órgão de inteligência do Equador que indicariam a ideia de sequestrar Fernando Balda partindo de dentro da agência equatoriana. Eram dois funcionários de médio escalão. Nenhum deles sequer menciona o nome do então presidente Rafael Correa, muito menos estabelece qualquer relação entre aquele suposto plano de operação e o mandatário do Poder Executivo do Equador.

O procurador Paúl Perez, no entanto, viu indícios suficientes para pedir as medidas restritivas de direitos de Rafael Correa. Aplicou a teoria do domínio do fato. Se alguém do médio escalão de um órgão federal é suspeito de um crime, a maior autoridade do país pode ser responsabilizada por ele. A juíza Daniela Camacho viu indícios suficientes para atender ao pedido do Ministério Público.

Assim, Rafael Correa, presidente do Equador de 2007 a 2017, primeiro político de esquerda a governar seu país, que deixou o cargo com índices recorde de aprovação, acima dos 70%, agora é um homem com a prisão decretada. Durante seu governo, a pobreza na população diminuiu de 36,7% para 22,5%, de acordo com a Organização das Nações Unidas. O índice anual de crescimento da economia equatoriana dobrou em relação aos anos anteriores.

Outro ex-presidente da América do Sul, de nome Luiz Inácio Lula da Silva, se encontra preso em seu país, acusado por um empresário de ter recebido uma propina em forma de um apartamento triplex. A acusação livrou 15 anos de prisão da pena deste empresário, réu confesso e condenado. Lula está preso sem que seu processo tenha chegado ao fim, o que prejudica sua pré-campanha eleitoral às eleições presidenciais deste ano no Brasil. Assim ele escreveu, na última terça-feira (3), ao ex-presidente Rafael Correa:

 

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1 Comment

1 Comments

  1. Inácio da Silva

    06/07/18 at 12:06

    Rafael Correa é bandido igual aos outros citados. Mas como é dito de esquerda…é um injusticado…Lula foi condenado “com provas” com sentença revisada por colegiado…chega de lamúrias espúrias…Não vejo jornalistas reclamarem da prisão de milhares de brasileiros que sequer tiveram julgamento…nem de outros políticos que, ainda sem condenação, permanecem presos…ahh…mas esses são de direita… lamentável…

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Argentina

“Angustiante é quando o Estado te abandona”, desabafa presidente da Argentina sobre pandemia

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O presidente da Argentina Alberto Fernandez fez um desabafo durante a entrevista coletiva na qual anunciou a prorrogação do isolamento social no país até 7 de junho. Ele afirmou que vem sendo questionado por veículos e jornalistas sobre a angustia dos argentinos em permanecerem em quarentena por tanto tempo em razão das medidas de restrição social decretadas pelo governo dele.

A Argentina contabiliza 12.063 casos confirmados da Covid-19 e registra, ao todo, 453 mortes. No Brasil, o boletim divulgado neste domingo (24) pelo Ministério da Saúde aponta 363.211 casos confirmados e 22.666 óbitos.

O número de mortes por Covid-19 no Brasil é 50 vezes maior que o da Argentina.

A mensagem embutida nas palavras de Fernandez é uma aula de como o Estado é importante na condução de um país.

– É angustiante se salvar ? Angustiante é ficar doente e não se salvar. Não preservar a saúde. Angustiante é isso. Angustiante é o Estado te abandonar e te diga: “te vire como puder. Não que o Estado te diga: “fique em casa e se cuide e enquanto isso vou procurar onde está o vírus”. Angustiante é que o Estado não esteja presente. Eu falo com os epidemiologistas e, seguindo os conselhos deles, foi que pedi para que as crianças tenham um tempo para sair da casa, que tenhamos tempo para sair da casa. Estamos numa pandemia que mata gente. Da para entender ? Estamos numa pandemia de um vírus desconhecido, estamos numa pandemia de um vírus que não tem vacina, que nem remédio”, desabafou, antes de reforçar as recomendações aos argentinos e pedir para que a imprensa não semeie a angústia:

– Fique em casa, cuidem-se e tentem isso da melhor forma possível. Todos teremos a possibilidade de sair, de arejar quando precisarmos. Mas lhes peço: “Deixem de semear angustia”. Angustiante é que não cuidem de você, é quando o Estado te abandona. Angustiante é quando o Estado diz que “aqui não está acontecendo nada”. Aqui estão acontecendo coisas sérias, por isso a forma como atuamos”, afirmou.

Ouça o presidente da Argentina Alberto Fernandez:

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agronegócio

Covid-19. As causas da pandemia

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Pandemia Covid-19

Entrevista de Claudia Korol a pesquisadora Silvia Ribeiro publicada no jornal argentino Pagina 12 em 03 de abril de 2020
Tradução Leila Monségur

Silvia Ribeiro, pesquisadora nascida no Uruguai que mora no México há mais de três décadas, é diretora para a América Latina do Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração (ETC), com status consultivo perante o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. A soberania alimentar e o impacto dos desenvolvimentos biotecnológicos na saúde e no meio ambiente são alguns dos tópicos sobre os quais ela investiga e que a levaram a questionar, desde o início da pandemia, a ausência, não apenas da descrição das causas mas também das propostas para modificá-las. Nesta entrevista, ela se refere a esse ponto nodal, ao sistema de produção capitalista e ao que podemos vislumbrar, a partir do isolamento obrigatório, como o futuro.

Covid-19

A pesquisadora Silvia Ribeiro. Foto: Francis Dejon

Embora estejamos falando há meses sobre este vírus, vale a pena perguntar: O que é o Covid -19?

– É uma cepa ou linhagem – a que dá origem à declaração atual de pandemia – da família dos coronavírus, que geralmente causa doenças respiratórias leves, mas que pode ser grave para uma porcentagem das pessoas afetadas, devido à sua vulnerabilidade. Faz parte de uma ampla família de vírus, que como todos, sofre mutações muito rapidamente. É o mesmo tipo de vírus que deu origem à síndrome respiratória aguda severa (SARS) na Ásia e à síndrome respiratória aguda no Oriente Médio (MERS).

De onde provém?

Embora exista um amplo consenso científico, sobre sua origem animal, e sua origem seja atribuída aos morcegos, não está claro de onde vem, porque a mutação dos vírus é muito rápida e há muitos lugares onde poderia ter sido originado. Com a intercomunicação que existe atualmente a nivel global, ele poderia ter sido levado de um local para outro muito rapidamente.

O que se sabe é que começa a ser uma infecção significativa em uma cidade da China. No entanto, essa não é a origem, mas o lugar onde ela se manifesta primeiro.

Rob Wallace, um biólogo que estuda um século de pandemias há 25 anos e que também é filo-geógrafo, e como tal tem seguido o caminho de pandemias e vírus, diz que todos os vírus infecciosos nas últimas décadas estão intimamente relacionados a criação industrial de animais. Nós – do grupo ETC e do GRAIN – já vimos com o surgimento da gripe aviária na Ásia e da gripe suína (que mais tarde eles chamaram de H1N1 para torná-lo um nome mais asséptico), também da SARS, que é relacionada à gripe aviária, que são vírus que surgem em uma situação em que existe um tipo de fábrica de replicação e mutação de vírus que é a criação industrial de animais.

É porque existem muitos animais que estão juntos, amontoados. Isto se repete tanto com frangos como com porcos, que não podem se mover e, portanto, tendem a criar muitas doenças. Existem diferentes cepas de vírus, de bactérias, que se transladam entre muitos indivíduos em um espaço reduzido. Os animais são submetidos a aplicações regulares de pesticidas, para eliminar outra série de coisas que estão dentro do próprio criadouro. Também existem venenos nos alimentos – em geral, é milho transgênico que lhes é administrado -. Tudo está intimamente relacionado ao negócio de venda de transgênicos para forragens. Dão a eles uma quantidade de antibióticos e antivirais, para prevenir doenças, o que está criando uma resistência cada vez mais forte.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) chamou as indústrias de criação de animais, especialmente frango, porcos, mas também piscícola e de perus, para parar de aplicar tantos antibióticos, porque entre 70 e 80% dos antibióticos do mundo, são usados ​​na cria industrial de animais. Por serem animais que têm um sistema imunológico deprimido, estão expostos a doenças o tempo todo e também lhes aplicam antivirais. Lhes dão antibióticos não tanto para prevenir doenças, mas para torná-los mais gordos mais rapidamente. Estes centros industriais de criação, desde o confinamento até à criação de porcos, galinhas e perus, muito apinhados, criam uma situação patológica de reprodução de vírus e bactérias resistentes. Mas também, estão em contato com seres humanos que os levam para as cidades.

Mas vem de morcegos ou não?

– Há quem se pergunte: “se se diz que foi encontrado em um mercado e provém de morcegos, como chega aos animais que estão sendo criados? O que acontece é que os morcegos, os civetas e outros que supostamente deram origem a vários vírus – até uma das teorias é que o vírus da Aids provém da mutação de um vírus presente nos macacos – os expandem devido à destruição dos habitats naturais dessas espécies, que se deslocam para outros lugares. Os animais selvagens podem ter um reservatório de vírus, que, dentro de sua própria espécie, estão controlados, existem mas não estão deixando os animais doentes, mas de repente se mudam para um meio onde se tornam uma máquina de produção de vírus, porque encontram-se com muitas outras cepas e vírus.

Eles alcançam esses lugares deslocados de seus habitats naturais. Isso tem a ver principalmente com o desmatamento, que paradoxalmente também se deve à expansão da fronteira agrícola. A FAO reconhece que 70% do desmatamento tem a ver com a expansão da fronteira agropecuaria. Até a FAO diz que em países como o Brasil, onde acabamos de ver tudo o que aconteceu com os incêndios, devido ao desmatamento para a pecuaria, a causa do desmatamento é a expansão da indústria agropecuaria em mais de 80%.

Existem vários fatores que se conjugam. Os animais que saem de seus habitats naturais, sejam morcegos ou outros tipos de animais, inclusive podem ser até muitos tipos de mosquitos que são criados e se tornam resistentes pelo uso de pesticidas. Todo o sistema de agricultura industrial tóxica e química também cria outros vírus que causam doenças. Existem vários vetores de doenças que atingem sistemas de superlotação nas cidades, especialmente em áreas marginais, de pessoas que foram deslocadas e não têm condições adequadas de moradia e higiene. Se cria um círculo vicioso de circulação entre os vírus.

Qual é sua opinião sobre o modo como se esta enfrentando a pandemia no mundo?

– Nada do que está acontecendo agora está prevenindo a próxima pandemia. O que está sendo discutido é como enfrentar esta pandemia em particular, até que, tomara, em algum momento, o próprio vírus encontre um teto, porque há resistência adquirida em uma quantidade significativa da população. Portanto, esse vírus em particular pode desaparecer, como o SARS e o MERS desapareceram. Não afetará mais, mas outros aparecerão, ou o mesmo Covid 19 será transformado no Covid 20 ou Covid 21, por outra mutação, porque todas as condições permanecem as mesmas. É um mecanismo perverso. O sistema agroindustrial de alimentos teria que ser discutido, desde a forma de cultivo até a forma de processamento. Todo esse círculo vicioso que não está sendo considerado faz com que outra pandemia esteja sendo preparada.

É possível identificar os responsáveis ​​por esta pandemia?

– É o mecanismo típico do sistema capitalista, que cria enormes problemas que vão das mudanças climáticas à contaminação das águas, dos mares, a enorme crise de saúde que existe nos países devido à má alimentação, mas também devido aos tóxicos aos quais estámos expostos, causando uma crise de saúde em humanos. É claro que o sistema capitalista não vai revê-lo, porque para isso teria que afetar os interesses das empresas transnacionais que são as que acumulam, as que concentram tanto na criação industrial de animais, como nas monoculturas, e inclusive nas empresas florestais e o desmatamento feito comercialmente.

Em cada um dos degraus da cadeia do sistema agroalimentar industrial, encontraremos algumas empresas. Estamos falando de três, quatro, cinco, que dominam a maior parte dessa área, como acontece com os transgênicos que são Bayer, Monsanto, Singenta, Basf e Corteva. O mesmo vale para aquelas que produzem forragem para animais. Por exemplo, Cargill, Bunge, ADM. Todas têm interesse na criação industrial de animais, porque são seu principal cliente. Muitas vezes são co-proprietárias dessas fábricas de vírus.

Além de questionar as causas, … elas teriam que ser modificadas. E mudá-las questiona os próprios fundamentos do sistema capitalista. É necessário questionar os sistemas de produção, especialmente o sistema agroalimentar, imediatamente. Mas também está relacionado a muitas coisas. Por exemplo: quem é o mais afetado pela pandemia no momento? As pessoas mais vulneráveis: quem não tem casa, quem não tem água. São os mesmos deslocados por esse sistema e que não podem acessar aos sistemas de saúde.

Como é a resposta dos sistemas de saúde?

– Nestas décadas de neoliberalismo não se atendeu a necessidade de sistemas de atenção primária à saúde, que é fundamental; mas também não há sistemas de saúde para cuidar agora de todas as pessoas que estão ficando doentes em muitos países. Os países em que houve menos mortes em relação à população são países que já tinham sistemas de saúde relativamente capazes de atender sua população. Aqueles que os desmontaram foram os que ficaram pior diante da pandemia. O sistema é injusto não apenas na produção. É injusto no consumo, porque nem todos podem consumir o mesmo. É injusto nos impactos que causa nas pessoas mais afetadas, que são as mais vulneráveis.

Em alguns casos, será devido à idade, mas em muitos outros, devido a doenças causadas pelo próprio sistema agroalimentar industrial, como diabetes, obesidade, hipertensão, doenças cardiovasculares, todos os cânceres do sistema digestivo. Tudo isso está relacionado ao mesmo sistema que produz os vírus. No meio disso, vêm os sistemas de “resgate” dos governos, e em todos os países do mundo, por mais que digam que primeiro atenderão aos pobres embora possa haver essa intenção – em outros nem sequer isso tem, como nos Estados Unidos – na realidade, o que estão tentando salvar são as empresas, porque dizem que são os motores da economia. Então se repete o mesmo esquema. Se volta a salvar as empresas que criaram o problema.

Qual é o papel das indústrias farmacêuticas diante da pandemia?

Mesmo diante da pandemia, as causas não são discutidas, mas se procuram novos negócios, como por exemplo, com a vacina. Todo o negócio das vacinas está acontecendo agora, para ver quem chega primeiro, quem a patenteia. As farmacêuticas estão procurando o negócio. Também é um negócio para todas as empresas de informática, com as comunicações virtuais. Pouco antes da pandemia, as famosas empresas GAFAM (Google, Amazon, Facebook, Apple, Microsoft) já eram as empresas mais valorizadas no nível de valor de mercado de suas ações. E são as empresas que estão obtendo lucros enormes, porque houve uma substituição da comunicação direta, ainda mais, pela comunicação virtual. Os projetos de resgate da economia apoiarão esse tipo de empresa, as farmacêuticas que vão monopolizar as vacinas, as empresas de agricultura industrial que produzem estes vírus. É como uma repetição permanente desse tipo de sistema capitalista injusto, classista, que afeta muito mais a aqueles que já estavam mal.

Também é preciso dizer que 72% das causas de morte no mundo são devidas a doenças não transmissíveis: diabetes, doenças cardiovasculares, cânceres, hipertensão. São doenças respiratórias, não por contágio infeccioso, mas por contaminação nas cidades, com o transporte. Tudo o que está sendo feito agora em relação ao coronavírus é porque ele dá a ilusão no sistema capitalista, que pode ser atacado. Que se houver uma pandemia é um problema tecnológico, e a resposta é criar situações reguladas em cada país, o que é uma resolução do tipo tecnológica.

Mas existe outra possibilidade de enfrentar esta crise a não ser com o isolamento social?

– Quero esclarecer que concordo com que sejam tomadas medidas de distanciamento físico, e não social, mas devem ser acompanhadas por medidas que possam apoiar aqueles que não conseguem fazê-lo por causa de sua vulnerabilidade. O fato de selecionar uma doença específica, como neste caso é uma doença infecciosa, para liberar toda a bateria do que seria um ataque global à situação de pandemia, por um lado, não questiona as causas, mas, por outro, instala uma série de medidas repressivas inclusive, muito autoritarias, de cima para baixo pra dizer ao povo: “Faça isso, faça o outro, porque nos sabemos o que você deve fazer e o que não”.

Tudo isso está relacionado a não ver o fundo do problema, as causas e, ao mesmo tempo, dizer que os únicos que podem lidar com a situação em que vivemos hoje globalmente são os de cima, desde governos, empresas, que são os que forneceriam a solução e, portanto, devemos aceitar todas as condições que nos impõem. Diante disso, acredito que é fundamental resgatar e fortalecer respostas coletivas e desde a base.

Por exemplo?

– Por um lado, precisamos entender que existe um sistema alimentar que acessa o 70% da população mundial. Existem trabalhos muito serios de pesquisa do ETC e GRAIN, mostrando que 70% da população mundial se mantém pela produção em pequena escala de camponeses, pequenos agricultores, também hortas urbanas e outras formas de troca e coleta de alimentos que são pequenas, descentralizadas, locais. É isto que alimenta a maior parte da humanidade. E não é apenas uma comida mais saudável, como também a que chega a maioria das pessoas.

Estas alternativas deveriam ser apoiadas e fortalecidas. É como um paradigma para pensar soluções desde a base, descentralizadas, coletivas, de solidariedade, para ver como cuidar de nós mesmos, diante de uma ameaça que pode nos infectar, mas também cuidar um do outro, e continuar trabalhando na criação de culturas completamente questionadoras e contrárias ao sistema capitalista, porque é o que está deixando doente toda a humanidade, a natureza, aos ecossistemas e ao planeta.

Link do texto original em espanhol

https://www.pagina12.com.ar/256569-no-le-echen-la-culpa-al-murcielago

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Argentina

Bloco de carnaval em Buenos Aires faz homenagem a Marielle Franco

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Foto: Ramón Moser

Do caminhão coberto de tiras de tecido flúor e prateado, vem a voz sem vestígio de sotaque argentino de Gabriela Mercado, cantando “Ai, como eu queria que fosse Mangueira, que existisse outro Zé do Caroço…”. Os surdos marcam o compasso como um coração à espera do estouro da bateria. Ao lado do estandarte, surge a placa da rua Marielle Franco. “Está nascendo um novo líder…”. Um público de mais de mil pessoas, entre argentines, brasileires e outres migrantes, segue o Bloco Cordão de Prata, o primeiro e único da cidade de Buenos Aires, que leva esse nome em homenagem ao rio que une a região.

Quem conduz o quarto desfile anual do bloco é Julia Cavalcante, instrumentista paulista com dez anos de experiência tocando em blocos tradicionais do Rio de Janeiro. Julia foi também uma das organizadoras do ato realizado em Buenos Aires no dia 14 de março de 2018 em homenagem a Marielle Franco. Naquela noite, pelo menos duzentas pessoas se reuniram espontaneamente no Obelisco da cidade estrangeira, ainda desorientadas pela notícia que vinha do Brasil. Com velas, abraços e canto, os migrantes brasileires mostravam concretamente aos militantes argentines do que se tratava a política com afeto defendida por Marielle.

Migrante, afrodescendente e feminista, naquele momento Julia acabara de montar sozinha um projeto cultural em paralelo à sua militância política, o Centro de Estudos da Música Brasileira (CEMBRA) e seu bloco de carnaval. Aos poucos, o projeto tomou todo o seu tempo e se tornou ele mesmo uma militância.

Foto: Ramón Moser

“Quando eu cheguei a Buenos Aires em 2015, percebi que os argentinos adoravam a música brasileira, mas não a conheciam em sua diversidade. Sabiam alguns ritmos do sudeste e da Bahia, mas não muito mais do que isso”, diz. “O carnaval brasileiro que chegava aqui era aquele moldado pelo capital turístico, financiado por marcas de cerveja e padronizado, sem a autenticidade e a diversidade estética que caracterizam o carnaval popular”.

Com o CEMBRA e o bloco, Julia, que agora conta com uma equipe composta por seus principais afetos na cidade, busca apresentar ao público argentino o verdadeiro carnaval comunitário de resistência, feito por e para o povo, e, com ele, os ritmos tocados em todo o país. Além de Zé do Caroço, o repertório de 2020 teve marchinhas dos anos 70, ijexá, maracatu, forró, funk carioca e duas cumbias, para também agradecer a cultura que há quatro anos recebe o carnaval brasileiro em suas ruas.

 

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