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Onde os fracos não têm vez

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Nove estudantes negros conseguiram, nas Cortes Federais, o direito de estudar no Ginásio Central de Little Rock, pequena cidade do Arkansas, onde as escolas eram até então segregadas racialmente. No primeiro dia de aula, além de ouvirem todos os insultos e ameaças feitas pelos estudantes e pela população branca à porta da escola, os nove alunos foram forçados a retornar a suas casas por ordem da Guarda Nacional do Estado, convocada pelo governador Orval Faubus a fim de impedir seus ingressos nas dependências escolares, em oposição à decisão da Justiça Federal.

O então presidente dos Estados Unidos, Dwight Eisenhower, dissolveu a Guarda Nacional do Arkansas e enviou tropas de para-quedistas do Exército para garantir e proteger a entrada e a permanência dos nove alunos negros no Ginásio Central de Little Rock, cumprindo assim a decisão das Cortes Federais.

O racismo no sul dos Estados Unidos estava de tal maneira arraigado que, quando o ano letivo terminou, os funcionários do sistema público do ensino de Little Rock preferiram fechar a escola — no que foram seguidos por outras escolas do Estado e do Sul do país — a permitir o cumprimento da Lei que determinava integração racial.

Uma das estudantes, Elizabeth Eckford, que tinha 15 anos à época, disse:

“Tentei ver algum rosto amigável em meio àquela gente. Fixei o olhar numa velha senhora, desviei o olhar por um instante, mas quando olhei para ela novamente, ela cuspiu em meu rosto.”

Para-quedistas do Exército garantem e protegem a entrada e a permanência dos nove alunos negros no Ginásio Central de Little Rock

Oxford, Mississipi — Estados Unidos, 20 de setembro de 1962.

No início do ano letivo o estudante James Meredith, após ter ganho a causa que pleiteou nas Cortes Federais pelo direito de ingressar na Universidade do Mississipi, o Estado mais conservador daquele país, teve sua tentativa de ingressar naquele campus impedida por duas vezes.

Sua entrada na faculdade foi obstruída pelo próprio Governador do Estado do Mississipi — Ross Barnett — que declarou: “Nenhuma escola do Mississipi será integrada enquanto eu governar esse Estado.”

Após a apelação de Meredith à Corte Federal, esta arbitrou uma multa diária de U$10 mil por dia em que ele fosse impedido de entrar na faculdade.
James conseguiu ingressar no campus escoltado por agentes federais no dia 30 de setembro do mesmo ano.

Em 1966, foi um dos líderes da “Marcha Contra o Medo”, que partiu da cidade de Memphis, no Tennessee, e rumou até Jackson, no Mississipi.
A violência da intolerância mostraria sua face mais terrível: James foi baleado por um desconhecido durante a marcha.

Mas a violência jamais poderia deter um idealista, e não o deteve: em 1997, 35 anos depois de ser agredido e humilhado, James Meredith voltou à mesma universidade, mas dessa vez para doar seus arquivos pessoais à instituição. Vitória do da humanidade, do bom senso e da bravura: foi aplaudido como herói.

James Meredith é escoltado por agentes federais que garantem seu acesso à Universidade do Mississipi

Tuscaloosa, Alabama — Estados Unidos, 11 de junho de 1963.

Vivian Malone e James Hood, dois jovens estudantes negros, preparavam-se para a batalha decisiva de suas vidas: exercer seus direitos inalienáveis de seres humanos, antes mesmo de serem cidadãos norte-americanos.

Entre Vivian, James e a entrada da universidade na qual desejavam estudar havia o governador do Estado do Alabama, George C. Wallace. Wallace havia sido eleito com uma frase que se tornou sua profissão de fé: “Segregação hoje, segregação amanhã, segregação para sempre”.

Desafiando a lei, Wallace postou-se na porta central da Universidade do Alabama onde fez mais um de seus muitos discursos demagógicos eivados de ódio. Porém, dessa feita, teve de ceder: foi obrigado por Washington a suspender o bloqueio racial e permitir a inscrição e o acesso de Vivian Malone e James Hood às dependências da universidade.

Vitória da comunidade negra?

Nem tanto assim: a postura de Wallace lhe granjeou admiradores, o que o alçou a uma condição semelhante à de um “jair bolsonaro” da época, uma espécie de porta-voz do que havia de mais intolerante, odioso e discriminatório na sociedade estadunidense.

Em 1968, tentou alçar vôos mais altos do que governar um Estado: palmilhar a corrida presidencial , mas já fora dos quadros do Partido Democrata que o abrigou até a catastrófica ação na Universidade do Alabama.

Pelo Partido Americano Independente, já no dia das eleições, conquistou a simpatia de 10 milhões de eleitores em todo o país.

O racismo covarde mostrava sua musculatura e saía do armário.

O governador George Wallace, descumprindo ordens judiciais e bloqueando a entrada da Universidade do Alabama

Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro — Brasil, 26 de setembro de 2015.

O primeiro dia da “Operação Verão”, já antecipada no Rio mesmo que ainda na Primavera, foi marcado por ônibus e praias vazias, mas com forte presença da polícia e revistas (buscas pessoais) em jovens que estavam dentro e fora de coletivos.

A senha, critério traduzido como permissão para que agentes de Segurança Pública do Estado cometam abusos de autoridade foi a procedência dos passageiros dos ônibus, a falta de dinheiro em seus bolsos para pagar a passagem, estarem descalços e/ou sem camiseta e, é claro, a cor de suas peles.

Concomitante às ações repressivas da polícia militar, grupos de moradores da Zona Sul do Rio de Janeiro compostos por “pitboys”, lutadores de artes marciais e valentões de ocasião organizaram-se pelas redes sociais para, em ações totalmente à margem da Lei, abordarem ônibus e removerem (e espancarem) os passageiros que se enquadrassem nos critérios acima descritos.

Acerca dessa prática Gilka Chaves, moradora da Zona Sul de 85 anos de idade, declarou abertamente:

“Tem que fazer mesmo (abordagem nos ônibus) para eles ficarem lá.
O que eles vêm fazer aqui? Por que não vêm curtir a praia de maneira civilizada?
Se eles querem violência a gente tem que enfrentá-los com violência.
A polícia não está dando conta. Os rapazes aqui têm que tomar providências.
Já que eles vêm agredir a gente, a gente tem de agredi-los também.”

Cerceados de um dos direitos mais básicos do cidadão, o direito de ir e vir, um dos jovens passageiro de um ônibus desabafou: “Me sinto como se estivesse devendo”, logo após ser revistado por um policial militar.

​Policiais Militares fazem buscas pessoais em jovens no Rio de Janeiro

A sociedade que lhes negou tantos direitos agora lhes nega também o sol, o céu, o mar, a areia da praia, o sorriso do menino, o olhar da menina.

Tratados como coisas e não como pessoas, não têm valor, posto que valem o quanto carregam no bolso: nada.

A histeria da classe média carioca tenta transformar as ruas da Zona Sul do Rio de Janeiro em um roteiro de filme “C”, uma espécie de “Minority Report tupiniquim” onde os “mocinhos” são trogloditas adestrados em academias de musculação, alimentados com preconceito, ódio e Whey Protein, tendo como coadjuvantes (ora protagonistas) policiais militares, que identificam pobres e pretos com vilões.

Esses são os personagens de um filme que poderia se chamar “Os Pobres Vão à Praia”, assunto que deu nome e foi pauta de uma reportagem especial feita pela extinta Rede Manchete no início dos anos 90, mas que a dinâmica de mais esse ciclo de cio da cadela do fascismo trouxe novamente à tona nos dias atuais.

No que esses quatro acontecimentos, separados cronologicamente por cinqüenta e oito anos e geograficamente por milhares de quilômetros se assemelham ?

No que se diferenciam?

Nem mesmo os 58 anos que separam o que aconteceu em Little Rock, no Arkansas, dos fatos que estão acontecendo na Zona Sul do Rio de Janeiro conseguiram diminuir as vergonhosas labaredas, chamas que seguem ardendo, e não apenas nas ruas do Rio de Janeiro.

O ódio, combustível da discriminação de outrora, ainda hoje arde em chamas em plena combustão. Incêndio de proporções sociais inimagináveis, a força de sua destruição segue aniquilando as frágeis pontes que os movimentos sociais construíram com muita dificuldade em nome da tolerância e da convivência pacífica.

A declaração, tão estapafúrdia quanto absurda, do governador do Rio de Janeiro — Luiz Fernando Pezão — praticamente reedita o discurso “segregação hoje, segregação amanhã, segregação para sempre” feito pelo governador do Alabama 52 anos antes:
“Se tiver um ônibus com adolescentes vindo, que não pagaram passagens, estão descalços, de bermuda e sem documento, leva para a delegacia e os pais vêm buscar. Da última vez, apreendemos 112 e cinco pais vieram buscar. Isso não é normal. Se querem que o filho vá à praia, que o acompanhe e dê condições de ele passar o dia na praia.”

Podemos tirar alguns ensinamentos da História, dessas histórias, e constatar que:

– Em três dos quatro casos usados para ilustrar esse artigo houve uma intervenção propositiva, acertada, a ação forte de um Estado legalista e garantidor.
– Em três dos quatro casos o Estado usou de sua força e da força da Lei para defender o mais fraco contra o mais forte, defendendo o oprimido da injusta agressão praticada pelo covarde e opressor.
– Em três dos quatro casos tal intervenção foi decisiva para que o conflito fosse pacificado e, se não tanto, houvesse no mínimo um arrefecimento dos ânimos.
– No último caso, infelizmente no Brasil, o Estado reprime quando deve educar, sonega direitos aos jovens quando deve lhes promover acesso, torna-se cúmplice de criminosos quando não detém a ação de “justiceiros”, “valentões” e grupos organizados como milicianos.
– A violação dos direitos dos cidadãos está sendo praticada pelo próprio Estado que deveria ser o agente garantidor e mantenedor desses direitos.

A Terceira Lei da Física, tão bem formulada por Isaac Newton, nos orienta que “para toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade”.

Creio que que para cada ação discriminatória haverá sempre uma reação igualitária de semelhante ou maior intensidade.

Esse artigo tem a intenção de fazer parte das forças que representam essa reação.

*Diógenes Júnior é ativista social, militante do PCdoB e pesquisador independente. Estudante de Ciências Sociais, paulistano de nascimento, caiçara de coração e gaúcho por opção está radicado em Porto Alegre, RS, de onde escreve sobre Política, História, Cinema, Comportamento, Movimentos Sociais, Direitos Humanos e um pouco de um tudo.​

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Moradores da Maré são bailarinos em espetáculo com temporada na Suiça

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Foto: Andi Gantenbein, de Zurique, Suíça, para os Jornalistas Livres

Denúncias sobre os atuais tempos de antidemocracia, assassinatos da população preta, pobre e periférica e o da vereadora Marielle Franco aparecem em cartazes erguidos pelos bailarinos de “Fúria”, espetáculo de Lia Rodrigues, considerada uma das maiores coreógrafas brasileiras da atualidade e uma das mais engajadas na realidade política do país.

A foto é da noite deste sábado (16), durante apresentação do grupo brasileiro no ‘Zürcher Theaterspektakel’, em Zurique, Suíça.

No Brasil, Fúria estreou em Abril, no Festival de Curitiba. A montagem evidencia, de maneira crítica, relações de poder, desigualdades, e as interligações entre racismo e capitalismo.

O espetáculo foi concebido no Centro de Artes da Maré, na Maré, RJ. O local foi inaugurado em 2009, e o projeto nasceu do encontro de Lia Rodrigues Companhia de Danças com a Redes da Maré. Os bailarinos são moradores da favela e de periferias do RJ.

Fruto dessa mesma parceria é a Escola Livre de Dança da Maré que resiste, em meio ao caos do governo violento de Witzel contra as favelas do RJ.

 

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Temer/Kassab preparam ataque ao seu direito à Internet

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O método Temer de solapar direitos dos cidadãos brasileiros tem novo alvo: a Internet. Sem qualquer discussão prévia, os golpistas querem mudar a composição do Comitê Gestor da Internet.

A consulta pública determinada pelo governo, sem diálogo prévio com os membros do Comitê e com apenas 30 dias de duração, certamente pretende aumentar o poder e servir apenas aos interesses das empresas privadas. As operadoras de telefonia têm todo o interesse do mundo em abafar as vozes de técnicos, acadêmicos e ativistas que lutam pela neutralidade da rede, por uma Internet livre, plural e aberta.

Veja, abaixo, a nota de repúdio ao atropelo antidemocrático da consulta pública determinada por Temer/Kassab. A nota é da Coalizão Direitos na Rede que exige o cancelamento imediato desta consulta.

Nota de repúdio

Contra os ataques do governo Temer ao Comitê Gestor da Internet no Brasil

A Coalizão Direitos na Rede vem a público repudiar e denunciar a mais recente medida da gestão Temer contra os direitos dos internautas no Brasil. De forma unilateral, o Governo Federal publicou nesta terça-feira, 8 de agosto, no Diário Oficial da União (D.O.U.), uma consulta pública visando alterações na composição, no processo de eleição e nas atribuições do Comitê Gestor da Internet (CGI.br).

Composto por representantes do governo, do setor privado, da sociedade civil e por especialistas técnicos e acadêmicos, o CGI.br é, desde sua criação, em 1995, responsável por estabelecer as normas e procedimentos para o uso e desenvolvimento da rede no Brasil.

Referência internacional de governança multissetorial da Internet,

o Comitê teve seu papel fortalecido após a

promulgação do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014)

e de seu decreto regulamentador, que estabelece que cabe ao órgão definir as diretrizes para todos os temas relacionados ao setor. A partir de então, o CGI.br passou a ser alvo de disputa e grande interesse do setor privado.

Ao publicar uma consulta para alterar significativamente o modelo do Comitê Gestor de forma unilateral e sem qualquer diálogo prévio no interior do próprio CGI.br, o Governo passa por cima da lei e quebra com a multissetorialidade que marca os debates sobre a Internet e sua governança no Brasil.

A consulta não foi pauta da última reunião do CGI.br, realizada em maio, e nesta segunda-feira, véspera da publicação no D.O.U., o coordenador do Comitê, Maximiliano Martinhão, apenas enviou um e-mail à lista dos conselheiros relatando que o Governo Federal pretendia debater a questão – sem, no entanto, informar que tudo já estava pronto, em vias de publicação oficial. Vale registrar que, no próximo dia 18 de agosto, ocorre a primeira reunião da nova gestão do CGI.br, e o governo poderia ter aguardado para pautar o tema de forma democrática com os conselheiros/as.

Porém, preferiu agir de forma autocrática.

Desde sua posse à frente do CGI.br, no ano passado, Martinhão – que também é Secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – tem feito declarações públicas defendendo alterações no Comitê Gestor da Internet. Já em junho de 2016, na primeira reunião que presidiu no CGI.br, após a troca no comando do Governo Federal, ele declarou que estava “recebendo demandas de pequenos provedores, de provedores de conteúdos e de investidores” para alterar a composição do órgão.

A pressão para rever a força da sociedade civil no Comitê cresceu,

principalmente por parte das operadoras de telecomunicações,

apoiadoras do governo.

Em dezembro, durante o Fórum de Governança da Internet no México, organizado pelas Nações Unidas, um conjunto de entidades da sociedade civil de mais de 20 países manifestou preocupação e denunciou as tentativas de enfraquecimento do CGI.br por parte da gestão Temer. No primeiro semestre de 2017, o Governo manobrou para impor uma paralisação de atividades em nome de uma questionável “economia de recursos”.

Martinhão e outros integrantes da gestão Kassab/Temer também têm defendido publicamente que sejam revistas conquistas obtidas no Marco Civil da Internet, propondo a flexibilização da neutralidade de rede e criticando a necessidade de consentimento dos usuários para o tratamento de seus dados pessoais. Neste contexto, a composição multissetorial do CGI.br tem sido fundamental para a defesa dos postulados do MCI e de princípios basilares para a garantia de uma internet livre, aberta e plural.

Por isso, esta Coalizão – articulação que reúne pesquisadores, acadêmicos, desenvolvedores, ativistas e entidades de defesa do consumidor e da liberdade de expressão – lançou, durante o último processo eleitoral do CGI, uma plataforma pública que clamava pelo “fortalecimento do Comitê Gestor da Internet no Brasil, preservando suas atribuições e seu caráter multissetorial, como garantia da governança multiparticipativa e democrática da Internet” no país. Afinal, mudar o CGI é estratégico para os setores que querem alterar os rumos das políticas de internet até então em curso no país.

Nesse sentido, considerando o que estabelece o Marco Civil da Internet, o caráter multissetorial do CGI e também o momento político que o país atravessa – de um governo interino, de legitimidade questionável para empreender tais mudanças –

a Coalizão Direitos na Rede exige o cancelamento imediato desta consulta.

É repudiável que um processo diretamente relacionado à governança da Internet seja travestido de consulta pública sem que as linhas orientadoras para sua revisão tenham sido debatidas antes, internamente, pelo próprio CGI.br. É mais um exemplo do modus operandi da gestão que ocupa o Palácio do Planalto e que tem pouco apreço por processos democráticos.

Seguiremos denunciando tais ataques e buscando apoio de diferentes setores,

dentro e fora do Brasil,

contra o desmonte do Comitê Gestor da Internet.

 

8 de agosto de 2017, Coalizão Direitos na Rede

 

Notas

1 A Coalizão Direitos na Rede é uma rede independente de organizações da sociedade civil, ativistas e acadêmicos em defesa da Internet livre e aberta no Brasil. Formada em julho de 2016, busca contribuir para a conscientização sobre o direito ao acesso à Internet, a privacidade e a liberdade de expressão de maneira ampla. O coletivo atua em diferentes frentes por meio de suas organizações, de modo horizontal e colaborativo. A nota está em https://direitosnarede.org.br/c/governo-temer-ataca-CGI/ .

2 Para ouvir a entrevista, à Rádio Brasil Atual, de Flávia Lefévre, conselheira da Proteste e representante do terceiro setor no Comitê Gestor da Internet, que afirma que as mudanças visam a atender interesses do setor privado e ferem caráter multiparticipativo do Comitê: https://soundcloud.com/redebrasilatual/1008-enrevista-flavia-lefevre

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FRAGMENTO E SÍNTESE

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Ligar a tv logo cedo num pequeno quarto de hotel no interior do país é desentender-se dos fatos nos telejornais matutinos. Abre-se a janela e uma menina vai à escola à beira do rio, um menino faz gol de bicicleta entre guris e o homem ergue a parede de sua casa.  Tudo tão distinto das ruas em alvoroço de protestos urbanos ou políticos insanos.  No rincão o que se busca é continuar vivo entre chuvas e trovões, sem não ou talvez. Tudo é certo. Sem modernidades calam ou arremedam nossa urbanidade, gente que se defende com pimentas e ervas, oração e vizinhança. Voz sem boca, boca sem voz, essa gente não é parte nas notícias selvagens dos jornais distantes.  Se resolvem entre cozidos, arte, bola e santos. No país de tantos cantos, muitos voam fora da asa e sem golpes entre si vão tocando suas mazelas e graça.

Mas vivemos tempos obscuros, a noite persiste em nossos avançados quinhentos e tantos anos e muitos santos. Dizem que burro velho é difícil se corrigir nos hábitos. Em manhã chuvosa na grande São Paulo, ligo a tv e o notbook, as janelas se abrem antes que a cortina deixe entrar o novo dia. Surpreendente ver na tv o deputado Jair Bolsonaro afirmando em um clube israelita na cidade do Rio, que se presidente for, não teremos mais terras indígenas no país. Ao mesmo tempo o computador expõe na rede social a opinião de meu amigo Ianuculá Kaiabi Suiá, jovem liderança do Parque Indígena do Xingu, onde leio ao som do deputado que ladra:

Jair Bolsonaro, obrigado por você existir. Graças a você, hoje, temos noção de quanto a população brasileira carece de conhecimento, decência, consciência, juízo, amor e que carrega um imenso sentimento de ódio sem saber o porque. Sim, sim, não sabem. Um exemplo? Veja a bandeira de quem te aplaude, é de um povo que, assim como nós, sofreu as piores atrocidades cometidas pelas pessoas que pensavam como você. Enfim, eu não sei se essa parcela do povo brasileiro pode ser curada, mas vou pedir para um pajé fumar um charuto sagrado e revelar se o espírito maligno que se apossou da tua alma pode ser desfeita com uma grande pajelança.

Ianuculá sabe o que diz, sabe de todo martírio vivido pelos povos originários, e mesmo assim se propõe a consultar o mundo dos espíritos.

 

É deus e diabo na terra do sol, a mesma terra que ofende também abriga e anuncia uma mostra de cinema indígena nos próximos dias. Terra de etnias e corpos na terra, a cidade maravilhosa do Rio não se calará diante do fascismo desses tempos sombrios, acompanhe.

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