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América Latina e Mundo

O nosso encontro emocionado com o Papa Francisco

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De 7 a 8 de julho, a cidade de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, recebeu 1.500 dirigentes e militantes de 28 países para o 2º Encontro Mundial de Movimentos Populares em diálogo com o Papa. Os Jornalistas Livres estavam lá!


A verdade é que não sou católica, mas isso não tem a ver com religião. Líderes mudam o mundo, palavras mudam o mundo, discursos mudam o mundo.

Ouvir um grande líder causa alguma mudança dentro da gente. Dá força para fazermos revoluções, internas e externas.

Sua fala é calma, mas não apática, e mesmo com o meu parco (na verdade nulo) espanhol pude compreender a importância do conteúdo daquele discurso.

O Papa pediu mudança “Uma mudança real e nas estruturas” uma mudança que atinja todo o mundo. O mundo não vai bem… E foi por aí que ele começou. Por essa simples e revolucionária constatação.

E já teria valido a pena, mas ele foi além. “Me pregunto si somos capaces de reconocer que estas realidades destructoras responden a un sistema que se ha hecho global. ¿Reconocemos que este sistema ha impuesto la lógica de las ganancias a cualquier costo sin pensar en la exclusión social o la destrucción de la naturaleza?” Sim, Francisco. Somos.

E para os que não entendem, ele é bem mais claro: a ambição desenfreada regida pelo dinheiro — “Ese es el estiércol del diablo”.

Ele lembrou que Maria foi uma jovem pobre, de um povoado da periferia de um grande império, sem teto para ter seu filho.

Em um momento tão crítico à juventude do nosso país, falou do direto a infância.

Na semana em que a Grécia deu uma lição ao imperialismo ao se impor às chantagens do FMI, ele fala “Ningún poder fáctico o constituido tiene derecho a privar a los países pobres del pleno ejercicio de su soberania”.

Falou de novas formas de colonialismo, do colonialismo ideológico e –vejam só — do monopolismo exercido pela concentração monopolista dos meios de comunicação, que pretende impor padrões de consumo e a uniformidade cultural.

E, no momento em que mais me emocionei, pediu perdão pelos crimes cometidos contra os povos originários durante a chamada “Conquista da América”. Não, um pedido de perdão não limpa as muitas manchas de sangue causadas, no passado e no presente, pela igreja católica. Mas, definitivamente, nos dá perspectivas de um futuro sem elas.

No final, Francisco, como se costume, pediu que rezassem por ele. Rezarei, pois, independentemente da religião, admiro a coragem do líder, que está enfrentando os grandes, os poderosos. Que Deus o proteja daqueles que querem o seu mal, os mesmos que querem o nosso mal. Afinal, o Papa (pelo menos em várias coisas muito importantes) está do nosso lado.

Abaixo, você lerá o relato de como foi o 2º Encontro Mundial de Movimentos Populares — EMMP


Dias 7 a 8 de julho, a cidade de Santa Cruz de La Sierra, recebeu 1.500 dirigentes e militantes de 28 países para o Encontro Mundial de Movimentos Populares. Com os temas Terra, Teto e Trabalho, o encontro teve como objetivo a integração, organização e articulação dos grupos, cooperativas, coletivos e movimentos dos países participantes.

O EMMP foi dividido em painéis expositivos e grupos de trabalho — todos puderam participar da discussão. Ao final, um documento foi elaborado conjuntamente e entregue ao Papa Francisco, selando os compromissos do encontro.

A primeira edição ocorreu em outubro de 2014, a convite do Vaticano, e reuniu cerca de 100 dirigentes que representavam organizações de base dos 5 continentes. Foi de lá que saíram as diretrizes: direitos trabalhistas, moradia digna e terra fértil. Foi a primeira vez que a instituição chamou movimentos populares para dialogar. “Se aquele foi um momento histórico, esse é um segundo momento histórico”, diz Paola Estrada, secretária da ALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas), organização que tem como objetivo integrar os países da América Latina e Caribe, sendo uma alternativa à ALCA (Área de Livre Comércio das Américas).

Na Bolívia

A organização aproveitou a agenda do Papa Francisco, que visita a América do Sul passando por Equador, Bolívia e Paraguai, para realizar o Encontro. A escolha do país não foi por acaso. Evo Morales foi um dos debatedores convidados para a primeira reunião, no Vaticano. A realização do Encontro Mundial na América Latina foi mais um dos acertos do evento. O Papa sabe das coisas, e mais uma vez obrigou o mundo a colocar seus olhos, ou melhor, suas lentes, na América Latina, em um país que sofre pelos caprichos do Capital, mas que resiste.

Na abertura do EMMP, uma mística deixou claro o propósito do encontro. Nela, os trabalhadores à margem do capitalismo, sofrem na miséria, enquanto três monstros representando a Mídia, os Bancos e as Grandes Corporações passeiam entre eles, destruindo os 4 elementos da natureza. Quando esses trabalhadores, fortalecidos pela cultura, educação e agroecologia se unem, os monstros saem da cena acuados. As trabalhadoras e trabalhadores são vitoriosos. É essa unidade dos trabalhador@s do campo e da cidade que o encontro busca.

A abertura institucional contou com a presença do presidente do país, Evo Morales. Em seu discurso, ele elogiou o Papa Francisco e sua atitude de diálogo com os movimentos. Ele também pediu responsabilidade na elaboração do documento final do Encontro e com as futuras gerações. “(O documento) deve permitir liberdade a todos os povos do mundo”. Evo também lembrou das melhoras na economia do país, após a estatização do Petróleo. “Tudo isso, fruto da luta, da união e da consciência do povo boliviano.” E finalizou “A união dos povos é necessária para enfrentar o imperialismo”.


Esse é o nosso país. Essa é a nossa bandeira. É por amor a essa pátria Brasil
que a gente segue em fileira

 


Do Brasil foram cerca de 250 pessoas de mais de 90 organizações, entre movimentos populares, sindicais, religiosos, de juventude, indígenas, de economia solidária, cooperativas, fóruns e redes. Foram quatro delegações saídas de Brasília, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Também estiveram presentes representantes do Norte e Nordeste.

Jéssica Pereira Garcia faz mestrado na Universidade de Brasília (UnB). Integrante do Levante Popular da Juventude, ela viajou por dois dias, para chegar ao EMMP. Dentro do ônibus, movimentos diversificados davam uma amostra do que seria o Encontro — diversos movimentos do Campo, Urbanos, indígenas, da Juventude… 56 pessoas ao todo. Jéssica não é católica, mas acredita que a participação do Papa é estratégica para dar visibilidade às pautas sociais. O que vai levar do encontro? “A diversidade cultural. Levo a importância da força da União da América Latina. Volto mais fortalecida e motivada!”.

Mariana Melheiros, da Caritas do Paraná, comenta durante o evento “É o encontro mais importante de que participo”. A sensação é comum a todos, aquela que a gente sente por fazer parte da história.

Nenhuma Família sem teto

A moradia urbana é um dos problemas com maior impacto social em todo o mundo, e não poderia estar de fora das pautas. Eduardo Cardoso, da Central de Movimentos Populares, a CMP, participou dos dois encontros. Para ele o primeiro encontro foi importante por abrir as portas e propor uma articulação mundial organizada entre os movimentos populares. O segundo encontro para ele tem como maior mérito estreitar laços “A perspectiva é que o diálogo com os outros países ajude na organização dos movimentos, mais especificamente no nosso, que é de moradia. Para que consigamos nos articular como, por exemplo, a Via Campesina.”. Para Eduardo, é um avanço debater a questão com organizações do mundo. “Entendemos esse como um espaço fundamental para debater o problema de moradia”.

Alex Ferreira, do Sefras — Serviço Franciscano de Solidariedade, participou do grupo sobre moradia: “Podemos ver que os problemas são muito próximos, principalmente nos países da América Latina”, ele também relata que a especulação imobiliária é um drama geral.

Nenhum Trabalhador Sem Direitos

O painel e os grupos de trabalho sobre trabalho, discutiram, principalmente, a ausência de direitos dos trabalhadores informais: trabalhadores de reciclagem, pescadores, ambulantes e artesãos. Mais uma vez ficou clara a proximidade dos problemas. Além disso, a questão de gênero também teve destaque.

Nos grupos de trabalho, as principais questões pontuadas foram a ausência de regulamentação de políticas públicas que deem contas das especificidades de cada categoria.

Nenhum Camponês sem Terra

A questão da Terra é histórica e foi muito presente no Encontro. Os movimentos camponeses possuem uma articulação internacional própria, a Chamada Via Campesina, porém a articulação com movimentos populares de pautas diversas é um desafio.

E não é o único. Nas mesas de debate e nos grupos de trabalho, foram pontuados problemas, muitos deles já conhecidos como a concentração de terra, desmatamento, mudanças climáticas, modelo do agronegócio, demarcação de terras indígenas e quilombolas e sementes transgênicas.

Para João Pedro Stédile, o agronegócio é modelo do capital para controlar o campo “As grandes áreas de monocultura, o uso desmedido de venenos, a priorização do uso de máquinas e as sementes transgênicas privatizam a vida” e defende “um projeto que garanta terra para todos, recupere a agroecologia, a diversidade de produção e a produção saudável. Mas, principalmente, uma boa vida no campo”.

Foto: Jorge Mamani/ABI/Fotos Públicas

O Papa é Pop

O último dia do encontro teve início com a sistematização final do documento. Os grupos de trabalho se separaram e sintetizaram suas propostas. O último dia do encontro, na verdade, era o mais esperado por todos.

Depois da plenária final, todos se concentraram em frente ao ginásio que abrigou aqueles dois dias de trocas e de construção colaborativa. De lá seguiram em ato até o a ExpoCruz, onde aconteceu o tão esperado encontro com Francisco.

Em fila, no mais tradicional estilo MST, os 1.500 participantes caminharam. A delegação do Brasil, por ser a maior, foi à frente. Caminhando e cantando, entoaram canções camponesas, religiosas, de denúncia, da juventude, feministas… Era lindo ver aquela unidade.

A verdade é que o país parou para receber Francisco. Era nítida a comoção nacional de um país, quase que inteiramente católico, com a vista do Papa. Foi decretado feriado em Santa Cruz e instituída a lei seca. Na TV? Papa. Nas Ruas? Papa! No avião? Papa! Até água mineral estampava o rosto de Francisco! Bandeirinhas, faixas, bandeironas, medalhinhas. A sensação da população e a preparação da cidade se assemelhava à Copa Brasileira. E ele não decepcionou nenhum de nós. (volto com adesivo, bóton e chaveirinho! Rs)

Já dentro do galpão, todos se sentaram para agenda exclusiva com o Papa. Na mesa, ao lado de Francisco, representantes dos países e dos diversos seguimentos: camponeses, trabalhadores, jovens, sindicalistas, cooperativistas. Pelo caminho que o levaria até o palco, bandeiras e reivindicações diversas.

Quando Francisco entrou, o mundo não parou. Na verdade não restaram cadeiras em seus lugares. Um em cima dos outros, a multidão se aglutinou para tentar tocá-lo, entregar-lhe algo ou, simplesmente, vê-lo mais de perto. Afinal, participar de um Movimento é estar em constante movimento.

América Latina e Mundo

Chilenos enterram a Constituição de Pinochet e começam um inédito (e incerto) processo Constituinte

Carta Magna produzida em 1980 era a base do modelo neoliberal chileno, que destruiu a Saúde, a Educação e a Previdência públicas

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Estátua equestre do general Manuel Baquedano, que liderou expedições contra os indígenas do sul, pintada de vermelho - Bárbara Carvajal (@barvajal)

A data 25 de outubro ficará marcada para sempre na história do Chile. Em 2019, foi o dia em que mais de 1,2 milhão de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais digno. Um ano depois dessa manifestação, a maior do país, no dia 25 de outubro de 2020 os chilenos decidiram enterrar o último legado da ditadura de Augusto Pinochet: a Constituição de 1980.

Por Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

No domingo, milhões de chilenos votaram em um plebiscito sobre escrever ou não uma nova Carta Magna, uma medida que nasceu como uma saída política à crise social iniciada em 2019. O resultado foi avassalador: 78,27% da população aprovou a iniciativa, contra 21,73% que a rejeitou.

Além disso, 78,99% dos votantes disse que quer que a nova Constituição seja redigida por uma Convenção Constituinte formada por 155 membros eleitos pela sociedade; versus um 21,01% que expressou que preferia uma Convenção Mista, formada por 172 membros, a metade deles legisladores e o restante constituintes. 

A comemoração durou horas. Em Santiago, milhares de pessoas foram a pé, de carro e de bicicleta em caravana até a avenida principal da capital e à praça central (antes conhecida como Praça Itália e agora, pelas manifestações, chamada popularmente de “Praça Dignidade”). Bandeiras do Chile e cartazes com as palavras “adeus, general” (em referência ao Pinochet) eram vistos em várias ruas.

Nova Constituição: chance de o Chile renascer - @delight_lab_oficial
Nova Constituição: chance de o Chile renascer – @delight_lab_oficial

A sensação era de um êxtase coletivo. “Ainda não consigo acreditar no que está acontecendo… Mais do que isso, é impossível dimensionar tudo que conseguimos”, me disse uma manifestante. Em um dos edifícios emblemáticos de Santiago, foi possível ler uma grande projeção com a palavra “Renasce”.  

“Para mim, é o começo de uma nova era”, comentou um jovem que estava comemorando os resultados do plebiscito.

Ele tem razão. Apesar de que a Carta Magna “do Pinochet” —escrita pelo advogado constitucionalista e ideólogo da direita chilena Jaime Guzmán, sofreu alterações durante a democracia, manteve vários dos seus aspectos principais. Ela continuou sendo a base do modelo neoliberal chileno que se adentrou na saúde, educação e sistema de aposentadoria, e também impedia grandes reformas estruturais pela exigência de um quórum de dois terços ou três quintos que, na prática, sempre foi muito difícil de ser alcançado.  

O novo ciclo

A decisão de escrever uma nova Carta Magna encerra um ciclo doloroso para milhares de pessoas que foram vítimas da ditadura do Pinochet, uma das mais sangrentas na América Latina, e também para tantas outras que até agora vivem em um país desigual devido, em grande parte, às disposições da atual legislação. O ciclo que começa agora é cheio de esperanças, mas também repleto de desafios.

O presidente Sebastián Piñera, quem em nenhum momento do processo deixou claro qual era o seu voto, disse domingo de noite que o plebiscito “não é o fim, é o começo de um caminho que juntos deveremos percorrer para escrever uma nova Constituição para o Chile. Até agora, a Constituição nos dividiu. A partir de hoje todos devemos colaborar para que a nova Constituição seja o grande marco de unidade, de estabilidade e de futuro do país”.

Ainda são poucas as definições que já foram tomadas sobre como será a assembleia constituinte. Sabemos que, em abril de 2021, os chilenos voltarão às urnas para escolher os 155 cidadãos que serão parte do processo. Sabemos que ela estará formada de forma paritária por homens e mulheres (algo inédito no país). Mas ainda falta uma série de decisões, como se poderão participar do processo pessoas que não estejam associadas a partidos políticos e se o órgão terá assentos reservados para os povos originários.

A assembleia contará com até 12 meses para redigir uma nova Carta Magna, cujas normas deverão ser aprovadas por dois terços dos integrantes. Esta será submetida a outro plebiscito, cuja participação será obrigatória.

Esse ponto é o que desperta mais dúvidas na sociedade. É que o plebiscito do domingo passado foi de caráter voluntário, e acudiram às urnas um total de 7,5 milhões de chilenos dos mais de 14 milhões habilitados para votar. Apesar de ter sido a participação mais alta da sociedade desde 2012, quanto o sufrágio começou a ser optativo no país, a votação do dia 25 de outubro não deixa claro qual será o resultado final se as 6,5 milhões de pessoas que não participaram no domingo votarem em 2022.

Mas, como dizem por aqui, isso é uma decisão para o Chile do futuro. O Chile do presente quer comemorar. E tem motivos de sobra para isso.

O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes - Bárbara Carvajal (@barvajal)
O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes – Bárbara Carvajal (@barvajal)

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Chile

Chilenos se preparam para um plebiscito histórico sobre manter ou dar adeus à “Constituição do Pinochet”

Chilenos estão ansiosos para o plebiscito, adiado desde abril por conta da pandemia

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Era uma demanda colocada por alguns setores da sociedade chilena há anos, mas foram os protestos de 2019 os que voltaram exigir a derrubada da Constituição de 1981, imposta pela ditadura militar de Augusto Pinochet. Agora, no domingo 25 de outubro, mais de 14 milhões de chilenos acudirão às urnas em um plebiscito histórico que decidirá se o país “aceita” (aprueba) ou “rejeita” (rechaza) uma nova Carta Magna. A votação foi pensada como um caminho político para aplacar a crise social que o Chile enfrenta.

Por: Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

Os ânimos estão à flor da pele. Nos muros, nas redes sociais, na mídia praticamente não se fala de outra coisa. Não é para menos, já que o plebiscito, inicialmente marcado para o dia 26 de abril, foi atrasado pelo governo devido à pandemia. Além disso, acontecerá somente uma semana depois do primeiro aniversário do chamado “estallido social”, iniciado em 18 de outubro de 2019, quando milhões de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais igualitário. Mas a sociedade chilena -como tantas outras na América Latina e no mundo- está profundamente polarizada e, apesar de as pesquisas dizerem que a maioria votará pelo “aceita”, nada está definido.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Por um lado, o “apruebo” reúne intenções diversas, que vão desde exigir uma mudança no modelo neoliberal chileno até entregar mais direitos às mulheres, aos índios e às diversidades sexuais.

Alejandra Saez, uma trabalhadora independente, me disse que vai aprovar porque “se necessita uma mudança imediata, apesar de que o resultado chegue com o tempo, tomar a decisão de transformar o sistema já é um grande avanço”. “Quero que as novas regras validem o bem-estar das pessoas e não os cofres dos outros. Que não nos sintamos atacados pelo sistema”, afirmou.

Já o bioquímico Francisco Pereira me explicou que votará “apruebo” porque considera que é necessária uma “mudança drástica na atual Constituição, já que apesar de que outorga direito a serviços básicos, em nenhum momento garante o acesso a esses serviços, deixando muitos recursos principalmente nas mãos do mundo privado. Além disso, foi escrita para um contexto de desenvolvimento de país determinado muito diferente do atual, e é bastante rígida, o que dificulta que ela seja adaptada às atuais necessidades do Chile”.

Nas campanhas eleitorais, também é possível ver que muitos dos que pedem uma nova Constituição querem reformar as instituições encarregadas da segurança pública, já que, em 2019, pelo menos 30 pessoas morreram, milhares ficaram feridas e o Chile foi cenário de graves violações aos direitos humanos no marco dos protestos sociais, segundo Human Rights Watch, a ONU, entre outros. De acordo com o Instituto Nacional de Direitos Humanos, 460 pessoas sofreram lesões oculares durante as manifestações devido ao uso excessivo da força policial. Delas, pelo menos duas ficaram completamente cegas.

Por outro lado, Natalia C. (que pediu não ser identificada) aposta pelo “rechazo” porque considera que “não há necessidade de escrever uma nova Constituição inteira para realizar as reformas que o país precisa”. Nas redes sociais, as pessoas que chamam a votar por essa alternativa também dizem temer que o Chile se transforme em um país “caótico” e/ou “esquerdista”.

Além disso, muitos sinalizam que votar “apruebo” seria dar um aval à destruição de patrimônio que ocorreu no marco das mobilizações sociais. É que o metrô de Santiago, várias igrejas, ruas e estátuas foram parcialmente destruídos e/ou incendiados desde outubro de 2019, mas não há informação detalhada disponível sobre quem foram os responsáveis de cada um desses atos.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Muitos ainda estão indecisos. O microempresário Javier Baltra comentou que achava melhor votar nulo porque “ambas as opções estão cheias de problemas. Aprovar pode ser sinônimo de um Estado maior, e eu acho isso problemático para a economia. E rejeitar é deixar tudo como está até agora e não sei se isso é uma boa ideia”.

Além de escolher entre as opções “apruebo” ou “rechazo” uma nova Constituição, os chilenos devem votar se desejam que a eventual Carta Magna seja escrita por uma Convenção Constitucional formada por 155 constituintes eleitos ou por uma Convenção Mista de 172 membros (metade legisladores e metade cidadãos eleitos).


A LEI ATUAL


Qualquer pessoa que não conheça a história do Chile provavelmente se surpreenderá ao saber que um país como este tenha ainda uma Constituição que foi escrita na época da ditadura militar. “Nossa, mas é um país tão desenvolvido”; “como assim?”; “sério?” foram alguns dos comentários que recebi de amigos brasileiros quando contei sobre o que está acontecendo agora.


A Constituição atual foi aprovada em um questionado plebiscito realizado no dia 11 de setembro de 1980, em plena ditadura do Pinochet, quando milhões de chilenos viviam sob o medo da repressão, sem registros eleitorais e com os partidos políticos dissolvidos.
O texto foi escrito pelo advogado constitucionalista Jaime Guzmán, um dos maiores ideólogos da direita chilena, e que foi assassinado por um comando de ultraesquerda em 1991.

Ele foi escolhido por uma comissão designada pela ditadura. Posteriormente, a redação contou com a revisão e o apoio do Conselho de Estado e a Junta Militar, composta pelos máximos chefes do Exército e o diretor da polícia, que exercia como “poder legislativo”. Guzmán criou uma série de regras muito difíceis de alterar para perpetuar seu modelo econômico e político.

Como ele mesmo disse quando escrevia a Constituição, sua ideia era que, se os adversários chegassem a governar, eles se veriam “obrigados a seguir uma ação não tão distinta ao que alguém como nós gostaria (…) que a margem seja suficientemente reduzida para fazer extremamente difícil o contrário”.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Para realizar reformas à Carta Magna, Guzmán detalhou que é necessário alcançar um quórum de dois terços ou três quintos, segundo o caso, algo que, na prática, tem sido praticamente impossível de conseguir, porque nem o oficialismo nem a oposição conta com essa quantidade de votos.

Essa Constituição também instaurou um modelo econômico, político e social neoliberal, que se adentrou na educação e na saúde privada e um sistema de aposentadoria conhecido como AFP baseado na poupança individual e que no ano passado entregou aposentadorias pelo valor de 110.000 pesos chilenos (uns US$ 140). Esse sistema, hoje sumamente questionado pela população chilena, foi elogiado pelo Ministro de Economia do Brasil, Paulo Guedes, em várias ocasiões.

Se bem que o texto legal não estabeleça especificamente que a saúde, a educação ou o sistema de aposentadoria devam ser privados, na prática, sim, impõe princípios que limitam a ação do Estado e promove a atividade privada nesses setores. Por exemplo: não existe no Chile nenhuma universidade que seja gratuita.

Segundo analistas, a Constituição atual também é hierárquica e desconecta a cidadania do poder político, porque não inclui muitos mecanismos de participação.

Ao longo da sua história, sofreu duas modificações: a primeira, em 1989, ano do fim da ditadura, quando foi derrogado um artigo que declarava “ilícitos” a grupos que realizassem “violência ou uma concepção da sociedade do Estado ou da ordem jurídica de caráter totalitário ou fundada na luta de classes”. Outra, em 2005, quando depois de um grande acordo político o presidente socialista Ricardo Lagos conseguiu alterar outros aspectos, como que os comandantes em chefe das Forças Armadas passassem a estar subordinados ao poder civil, e a eliminação de senadores designados e vitalícios. Isto permitiu que em 2006 (há 14 anos!) o Senado fosse totalmente conformado por membros de eleição popular.

Agora, se a opção “apruebo” ganhar o plebiscito, o texto não só será modificado: a sociedade poderá dar adeus à chamada “Constituição do Pinochet”. Sem dúvidas, uma decisão histórica.

Veja também: Chileno preso no RIR: desembargador reconhece ilegalidade da prisão

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Bolívia

Veja a tradução da declaração de Evo Morales

Declaração de Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, dada em 18 de outubro, dia da eleição presidencial após o golpe.

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DECLARAÇÃO DE IMPRENSA DO EX-PRESIDENTE EVO MORALES
Buenos Aires, 18 de outubro de 2020

  1. Desde a cidade de Buenos Aires, neste dia histórico, domingo, acompanho nosso povo em seu compromisso com a pátria, com nossa democracia e com o futuro de nossa amada Bolívia, de exercer seu direito ao voto em meio aos acontecimentos em nosso País.
  2. Saúdo o espírito democrático e pacífico com que se desenvolve a votação.
  3. Diante de tantos rumores sobre o que vou fazer, venho declarar que a prioridade é exclusivamente a recuperação da democracia.
  4. Quero pedir a vocês que não caiam em nenhum tipo de provocação. A grande lição que nunca devemos esquecer é que violência só gera violência e que com ela todos perdemos.
  5. Por este motivo, conclamo as Forças Armadas e a Polícia a cumprirem fielmente o seu importante papel constitucional.
  6. Diante da decisão do Tribunal Supremo Eleitoral de suspender o sistema DIREPRE (Divulgação de Resultados Preliminares) para ir diretamente para a apuração oficial, informo que, felizmente, o MAS possui seu próprio sistema de controle eleitoral e que nossos delegados em cada mesa irão monitorar e registrar cada ato eleitoral.
  7. O povo também nos acompanhará nesta tarefa de compromisso com a democracia, como o fez tantas vezes, situação pela qual somos gratos.
  8. É muito importante que todas e todos os bolivianos e partidos políticos esperemos com calma para que cada um dos votos, tanto das cidades como das zonas rurais, seja levado em conta e que o resultado das eleições seja respeitado por todos.
  9. Neste domingo, no campo, nas cidades, no altiplano, nos vales, nas planícies, na Amazônia e no Chaco; em cada canto de nossa amada Bolívia e de diversos países estrangeiros, cada família e cada pessoa participará com alegria e tranquilidade na recuperação da democracia.
  10. É no futuro que todos os bolivianos, inclusive eu, nos dedicaremos à tarefa principal de consolidar a democracia, a paz e a reconstrução econômica na Bolívia.
    Viva a Bolívia!
    Evo Morales

Tradução: Ricardo Gozzi /Jornalistas Livres

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