O massacre de Manaus era bola cantada

Familiares aguardam notícias em frente ao IML de Manus - foto Christian Braga

Há um ano, janeiro de 2016, veio a público um relatório sobre as prisões de Manaus. Uma das primeiras recomendações, e talvez a que mais chocava o leitor, era que a administração dos presídios deveria ser feita por agentes penitenciários e não pelos presos.

O Relatório de Visitas a Unidades Prisionais de Manaus cobriu quatro presídios de Manaus, entre eles o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), palco da tragédia no aniversário de um ano do relatório.

O Compaj tem capacidade 450 presos, mas na data da visita das peritas abrigava 1.147, conforme aponta o relatório. No dia do massacre, segundo informação do site da empresa Umanizzare, gestora privada do presídio, a população estava em 1072, ou seja, mais do que o dobro da capacidade.

A superpopulação era associada à subdimensionamento do número de agentes: “É importante destacar que foram obtidos relatos que apontam para um descumprimento contratual: apenas 153 funcionários estavam trabalhando, enquanto 250 estão previstos no contrato firmado para a gestão do Compaj”, revela o relatório.

A entrada de uma empresa privada, na gestão das prisões de Manaus, foi vendida à população como garantia de melhor qualidade na administração. No entanto, o relatório mostrou que havia menos funcionários do que o necessário, que eles recebiam menos treinamento do que o necessário e que a rotatividade dos agentes era bastante alta.

Havia no Compaj áreas chamadas de “seguro”, onde eram mantidos acusados por crimes sexuais e membros do Primeiro Comando da Capital (PCC). A justificativa para a separação de integrantes do PCC era a rivalidade com a facção predominante no presídio, denominada Família do Norte (FDN).

Já nas visitas para elaboração do relatório se verificava a tensão existente: “… várias pessoas isoladas relataram que os presos dos pavilhões possuem ferramentas capazes de quebrar as paredes das unidades que são, aparentemente, frágeis. Então, mesmo “isoladas”, sentem muito receio de estarem em locais de fácil acesso e, assim, serem torturadas e morrer nas mãos da massa carcerária. Esse temor se exacerba em situações de motins ou rebeliões”.

O controle do presídio havia sido deixado a cargo dos líderes da facção Família do Norte: “Segundo os funcionários e os presos, a ação dos agentes penitenciários dentro dos pavilhões das unidades prisionais em boa parte se resume a abrir as celas no início da manhã e fechá-las ao final da tarde… Assim, pode-se afirmar que os presos das penitenciárias masculinas visitadas pelo MNPCT [Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura] basicamente se autogovernam, criando regras extralegais ou ilegais que afetam drasticamente a segurança jurídica e a vida das pessoas privadas de liberdade. ”

Como não tinha controle, a administração do presídio recorria a forças externas para ações de revistas e “apaziguamento” de conflitos, como o Batalhão de Choque da Polícia Militar. “Todavia, esse tipo de ação está imbricado a uma série de violações de direitos, ocasionando práticas de tortura e maus tratos contra os presos. Foram obtidos diversos relatos de privados de liberdade com sérias sequelas físicas causadas pela ação truculenta destas forças especiais.”

“Em suma, o direito à vida nos cárceres do Amazonas pareceu fortemente fragilizado”, concluiu o relatório.

Funcionário do IML de Manaus informa procedimentos às famílias dos assassinados – foto Christian Braga

Nota

A íntegra do Relatório de Visitas a Unidades Prisionais de Manaus foi elaborado por peritas do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, vinculado à Secretaria Especial de Direito Humanos e está disponível em: http://www.sdh.gov.br/sobre/participacao-social/sistema-nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura-snpct/mecanismo/Unidades_Prisionais_de_Manaus___AM.pdf

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