Wilson Simonal eternizou de maneira célebre, na música Aqui é o País do Futebol, os versos que pautam, normalmente, as discussões políticas sobre o esporte:
“Brasil está vazio na tarde de domingo, né?
Olha o sambão, aqui é o país do futebol
No fundo desse país
Ao longo das avenidas
Nos campos de terra e grama
Brasil só é futebol
Nesses noventa minutos
De emoção e alegria
Esqueço a casa e o trabalho
A vida fica lá fora
Dinheiro fica lá fora
A cama fica lá fora
Família fica lá fora
A vida fica lá fora
E tudo fica lá fora”
Por mais que as Diretas Já tenham tido influência da Democracia Corinthiana, que o futebol tenha sido uma das principais portas da luta contra o preconceito racial com times como a Ponte Preta e o Vasco da Gama, o futebol é visto como um esporte de manutenção do status quo ou de reacionarismo. Muitas vezes nem é o esporte que faz isso, mas sim pessoas que utilizam a camisa esportiva para motivos extracampo.
Todo esse senso-comum contra o futebol no Brasil teve uma fagulha de oposição neste último domingo, dia 19 de fevereiro de 2017. As equipes do Atlético Paranaense e do Coritiba entravam na Arena da Baixada decididos a fazer história no primeiro clássico do futebol do Paraná pelo campeonato estadual de 2017.
Antes da decisão do certame, Atlético e Coritiba recusaram a proposta da RPC/Globo de venda dos direitos televisivos. Apesar de ambas equipes serem campeãs brasileiras – Atlético Paranaense em 2001 e Coritiba em 1985 –, a proposta foi muito abaixo daquela oferecida para outras equipes do Sudeste. Com a recusa, veio a ideia: a transmissão via Facebook pelas páginas oficiais dos dois clubes. Seria algo inédito no futebol nacional.
Seria, afinal não aconteceu. A Federação Paranaense de Futebol, sem motivo claro – ora foi o não-credenciamento dos profissionais de comunicação, ora foi o posicionamento errado das equipes, mas nenhuma das duas com clareza legal –, proibiu o árbitro Paulo Roberto Alves Junior de iniciar a partida. Em alguns veículos de imprensa, tal como o Zero Hora Online e o UOL, o principal motivo posto foi o contrato da Globo com a Federação Paranaense, que é assinado sem a confirmação da proposta com os clubes.
A resposta vinda dos representantes das equipes no campo foi clara. “Eu queria explicar para as duas torcidas. Atlético-PR e Coritiba não venderam seus direitos por essa esmola que a RPC e a TV Globo quiseram nos pagar. É um direito nosso. E hoje nós queremos fazer a transmissão de forma gratuita pelo Facebook e pelo Youtube. A Federação de forma absurda não quer que o jogo comece. Mas nós não vamos parar. Os dois clubes não venderam os seus direitos. A Federação de forma arbitrária quer que nós tiremos do ar a nossa transmissão, que não é ligada a nenhuma TV, é uma produtora que nós contratamos. Então não vai ter jogo. Peço desculpas às duas torcidas. Os técnicos estão de acordo. Eu já recebi o telefonema do presidente Petraglia e do presidente Bacellar que concordam com essa decisão”, declarou Mauro Holzmann, diretor de marketing do Furacão, ao jornal esportivo Lance!.
O resultado desse imbróglio reside no legado das inúmeras imagens dos dois times saudando as torcidas no meio de campo antes de abandonar o jogo e no importante debate da desmonopolização da comunicação brasileira, especialmente no âmbito esportivo. A busca pela liberdade de informação não pode ser feita pela manutenção de velhos monopólios, sejam eles estatais ou privados.
Os clubes ao decidirem explorar eles mesmos – sob uma forma de comunicação do-it-yourself – a partida de futebol mostram o potencial das redes sociais digitais para uma nova era da transmissão da informação, uma era de liberdade plena de expressão. Liberdade de expressão essa que, muitas vezes, é pregada pelos meios tradicionais de informação em determinados assuntos. Só que, no entanto, quanto tocam em casos onde o monopólio e a restrição de informação os interessa, eles se tornam contrários a essa liberdade vinda das redes sociais digitais.
O mundo do futebol acordou diante das possibilidades da liberdade de expressão. Sair dos monopólios onde uma única empresa (no caso do Brasil) ou mesmo o Estado (no caso da Argentina) tem a totalidade do controle dos direitos de transmissão do esporte se torna a tarefa primeira da comunicação esportiva nesse fim de segunda década do século XXI. Os clubes precisam expandir suas áreas de comunicação – tanto de jornalismo institucional como de marketing, sabendo bem distinguir o nicho de cada um – e dar possibilidade à pluralidade de vozes informacionais.
É chegada a hora de não mais defender uma única mídia esportiva, mas sim as inúmeras vozes que formam o caleidoscópio do futebol. É uma oportunidade única em um país onde é fácil assistir a um jogo do Barcelona, mas difícil de ver na TV aberta um jogo que não seja dos 13 clubes grandes do país. O futebol precisa deixar de ser televisionado para cair de vez na rede digital e, com isso, se tornar grande novamente e ligado com o seu povo e suas demandas. É a chance do Brasil se tornar um país do futebol que não seja alienado tal como a música do Simonal, mas que represente direitos fundamentais, tal como o da liberdade de expressão informacional.