A percepção que pessoas, grupos, sociedades ou países têm de si mesmos podem ajudar, dificultar e mesmo impedir seu crescimento, seu desenvolvimento, seu amadurecimento. Acreditar que somos um país injusto e corrupto por herança “genética” de Portugal implica aceitarmos que esse é nosso destino e que muito pouco ou nada há a fazer. Entender o Brasil como cordial têm como consequência lutarmos com pouco empenho contra a violência, de 500 anos, contra os povos que aqui habitavam e habitam. Assim como nos leva a uma indignação insuficiente com a violência contra negros ou contra mulheres.
O Brasil é muito grande e muito diverso. É difícil conhecê-lo adequadamente. Somos atravessados por falsas teorias difundidas por uma imprensa interessada na manutenção da crença que nosso destino é esse mesmo: líderes mundiais em desigualdade. Ou como nos ensina Jessé Souza: querem que acreditemos que nossos irmãos do Norte lograram construir um país menos desigual porque sua herança cultural é virtuosa, e que abaixo do Equador só temos vício, sensualidade e emoções que nos definem como indivíduos de segunda classe.
Para mostrar os “perigos da percepção” o Ipsos, instituto de pesquisas fundado em 1975 em Paris, entrevistou quase 30 mil pessoas de 38 países com perguntas sobre como as pessoas percebem seu país e seus compatriotas. Em seguida, comparou o resultado obtido com dados “reais” disponíveis em várias fontes. O Brasil é o segundo no índice de “má percepção” de si mesmo.
A pesquisa não aborda temas políticos ou sociais de maior importância, mas revela como, mesmo em assuntos triviais, temos percepções erradas de nós mesmos. É preciso, além disso, atentar para o fato de que certos dados “reais” estão em disputa, como por exemplo as taxas oficiais de homicídios que são questionadas por inúmeros especialistas. De todo modo, a pesquisa nos incita a pensar nos motivos que nos levam a ter uma “má percepção” de nós mesmos, enquanto Suécia, Noruega e Dinamarca são os países com “boa percepção” de si. Por que será?
Listamos abaixo as respostas dos brasileiros e as médias dos países avaliados.
1 Você acha que a taxa de assassinatos no seu país é maior, menor ou igual à taxa do ano era em 2000?
No Brasil 76% responderam que é maior hoje do que no ano 2000. 12% afirmaram que é mais ou menos igual e 3% que é menor. O dado que o Ipsos tem é que o índice de homicídios no Brasil é mais ou menos igual ao registrado no ano 2000.
No mundo, o índice caiu 29%, embora apenas 7% das pessoas tenham essa percepção e 46% achem que os assassinatos subiram.
2 De cada 100 presidiários no seu país, quantos nasceram em um país estrangeiro?
Na média, os brasileiros que participaram da pesquisa acham que 18% dos presos no Brasil são estrangeiros. No entanto, o número apurado pela Ipsos é que 0,4% dos presos no Brasil são estrangeiros.
Nos Estados Unidos, a estimativa foi de que um em cada dois presos é estrangeiro. O dado “real” é, no entanto, bem menor: um em cada cinco. No conjunto dos 38 países, a percepção foi de que há 28 presos estrangeiros em cada 100, mas há, na realidade, 15.
3 Qual é a percentagem de mulheres, entre 15 e 19 anos, dão a luz no seu país a cada ano?
A resposta de brasileiros foi que 48% das mulheres, com idade entre 15 e 19 anos, dão a luz a cada ano. O dado “real” da Ipsos dá conta que 6,7% das adolescentes têm filhos a cada ano.
A resposta média nos 38 países pesquisados foi 20 %, ou seja, as pessoas acham que uma em cada cinco mulheres, nessa faixa etária, dão a luz a cada ano, enquanto que o número “real” é 2%, ou uma adolescente em cada 50.
4 Você acha que é verdadeiro ou falso que algumas vacinas causam autismo em crianças saudáveis?
No Brasil, 10% acham que essa afirmação é verdadeira, 35% disseram não saber e 54% disseram ser falsa. No mundo, duas em cada dez pessoas acreditam que algumas vacinas causam autismo e quatro em cada dez afirmam não saber se isso é verdade.
5 Quantas pessoas, entre 20 e 79 anos, você imagina que tenham diabetes no seu país?
Os brasileiros responderam que 47% das pessoas nessa faixa etária têm diabetes, no entanto o número “real” é 10%. O número “real” é quase cinco vezes menor. Nos 38 países, a média resultou que 34% têm diabetes e o dado “real” é de 8%.
6 Quais são os três países com maior consumo de álcool por pessoa?
Os entrevistados acham que são Rússia, Estados Unidos e Alemanha. Mas, os três países com maior consumo de álcool são Bélgica, França e Alemanha. A Rússia está na sétima posição, os Estados Unido na décima terceira e o Brasil na vigésima terceira.
7 De cada 100 pessoas, quantas você acha que responderão que têm saúde boa ou muito boa no seu país?
A enquete no Brasil, revelou que as pessoas acham que 48 diriam que sua saúde é boa ou muito boa. A pesquisa chegou ao número de 70, ou seja, de 100 entrevistados, 70 disseram ter saúde boa ou muito boa.
A média mundial também foi de 70, embora as pessoas achassem que 53 responderiam ter saúde boa ou muito boa.
8 De cada 100 mortes de mulheres, entre 15 e 24 anos, quantas você acha que foram por suicídio em seu país?
Os brasileiros pesquisados disseram achar que 29, de cada 100 mortes de mulheres nessa faixa etária, no Brasil, foram provocadas por suicídio. O número “real” apurado pela Ipsos revelou que 4,3 mortes, em cada 100, foram por suicídio.
No mundo, os pesquisados acharam que uma morte em cada cinco foi por suicídio, ou 20 suicídios em cada 100 mortes. O dado “real” é de 17 suicídios em cada 100 mortes de mulheres entre 15 e 24 anos.
9 De cada 100 mortes de homens, entre 15 e 24 anos, quantas você acha que foram por suicídio em seu país?
Os brasileiros pesquisados disseram achar que 29, de cada 100 mortes de homens nessa faixa etária, no Brasil, foram provocadas por suicídio. O número “real” apurado pela Ipsos revelou que 3,3 mortes, em cada 100, foram por suicídio. No mundo, os pesquisados acharam que uma morte em cada cinco foi por suicídio e este também é o dado “real”.
10 De cada 100 pessoas, quantas têm smartphones no seu país?
No Brasil, os entrevistados afirmaram julgar que 85 de cada 100 brasileiros têm smartphones. Na realidade, 38 brasileiros, de cada 100, têm smartphone. A média das respostas pelo mundo foi 87. E, na realidade, estima-se que 58 de cada 100 pessoas tenham smartphones.
11 Quantas pessoas, de cada 100, têm conta no Facebook no seu país?
Os brasileiros responderam que 83 pessoas, de cada 100, têm conta no Facebook, enquanto que o número “real” é 47. No mundo, a média chegou a 75 com número “real” de 46 usuários do Facebook para cada 100 pessoas.
12 Quanto veículos registrados há, em seu país, para cada 100 pessoas?
Os brasileiros responderam que há 68 veículos para cada 100 pessoas. No entanto, os veículos são em número de 40 para cada 100 pessoas. Números semelhantes formaram a média mundial: a percepção foi de 66 veículos e a realidade é 46 veículos para cada 100 pessoas.
13 Quantas pessoas, em cada 100, responderão acreditar na existência do paraíso?
Os brasileiros responderam que 70 de cada 100 dirão acreditar no paraíso. A pesquisa revelou que 76 pessoas de cada 100 disseram acreditar em paraíso. A média mundial foi 53 e a pesquisa revelou que 1 em cada 2 pessoas respondeu acreditar no paraíso.
14 Se perguntarmos se acreditam em Deus, quantas pessoas, em cada 100, responderão que sim?
Os pesquisados no Brasil julgaram que 80, de cada 100 pessoas, responderiam que acreditam em Deus. Entretanto, a pesquisa revelou que 98 pessoas, de 100, responderam afirmativamente. Os pesquisados do 38 países julgaram que 59 pessoas, de cada 100, responderiam crer em Deus. Na realidade, foram 65 de cada 100 que responderam acreedita em Deus.
O índice de “má percepção”
Baseado nas respostas, o Ipsos construiu um índice para evidenciar se o país tem percepção mais próxima ou mais distante da realidade. O país com percepção mais distante da realidade foi a África do Sul, seguida do Brasil. Dentre aqueles que melhor se percebem estão Suécia, Noruega e Dinamarca.
Nota
1 Para ver os detalhes da pesquisa em inglês: https://www.ipsos.com/sites/default/files/ct/publication/documents/2017-12/perils_of_perception_2017-charts.pdf