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O 18 BRUMÁRIO DE JAIR BOLSONARO

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Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Pelicano


Demonstro nesse livro como a luta de classes na França criou circunstâncias e condições que possibilitaram a um personagem medíocre e grotesco desempenhar um papel de herói.”

Assim, com essas palavras, Karl Marx inicia o livro “O 18 Brumário de Luís Napoleão Bonaparte”, publicado em 1852. No texto, Marx se pergunta como um sujeito medíocre e grotesco conseguiu se tornar o líder máximo da sociedade que meio século antes havia experimentado a mais importante revolução social da história moderna.

Aqui, neste ensaio, me inspiro em Marx para formular minha própria pergunta:

Por que Jair Bolsonaro, até então um deputado medíocre, inexpressivo, foi eleito presidente da quarta maior democracia do mundo?

Meu esforço aqui é o de entender o capital político que impulsionou o bolsonarismo. Esse capital político é substância composta e heterogênea. Neste texto, pretendo decompor essa substância, trazendo à luz cada um dos seus elementos.

1°) O antipetismo

Desde o final da década de 1980 que o antipetismo é fator decisivo nas eleições presidenciais brasileiras. Até aqui nenhuma novidade. Porém, dessa vez algo mudou. Ao velho macarthismo, que durante tanto tempo inviabilizou Lula, somou-se uma dupla interdição moral.

A primeira camada de moralidade refere-se ao sentimento anticorrupção. Desde 2005, existe o esforço articulado pela grande mídia e por órgãos do aparato policial e judicial do Estado (Polícia Federal e Ministério Público) de colar no Partido dos Trabalhadores a pecha de partido mais corrupto do sistema político brasileiro. Essa frente antipetista sempre teve um modus operandi muito claro: a espetacularização seletiva dos escândalos de corrupção. É impossível compreender a ascensão de Bolsonaro sem a atuação dessa frente antipetista.

A segunda camada de moralidade refere-se ao plano do comportamento.

Nos últimos 30 anos, vimos no Brasil e no mundo o fortalecimento dos direitos civis das minorias (mulheres, pretos e pretas e LGBTs). Essa discussão já estava presente na cena brasileira desde a redemocratização, nos anos 1980, tendo sido contemplada parcialmente pela Constituição de 1988. Avançamos nessa agenda tanto nos governos de Fernando Henrique Cardoso como nos governos petistas. Poderíamos ter avançado mais, é claro.

É uma obviedade dizer que o Brasil é um país conservador e que, por isso, a pauta dos direitos civis das minorias tem grande impacto ofensor na moralidade dominante. Essa moralidade dominante foi ainda mais radicalizada com a ascensão do cristianismo neopentencostal, do qual a Igreja Universal do Reino de Deus é a principal representante.

Hoje, a formação política de parcela considerável da sociedade brasileira não acontece na universidade, tampouco na escola, muito menos nos sindicatos e associação de moradores. As igrejas evangélicas neopentencostais estão formando a consciência política de milhões de brasileiros e brasileiras, de todas as classes sociais.

Sem dúvida, a aliança costurada entre a candidatura de Jair Bolsonaro e a Igreja Universal do Reino de Deus foi elemento decisivo para o desfecho da corrida eleitoral. No Brasil inteiro, as igrejas se transformaram em verdadeiros núcleos de campanha. A campanha de Bolsonaro conseguiu convencer as pessoas que os direitos civis das minorias representam um ataque à família brasileira e que o PT seria o principal promotor desse ataque.

Resumindo: O velho antipetismo foi turbinado e caiu no colo de Jair Bolsonaro.

Mas por que Bolsonaro e não outro antipetista qualquer?

2°) A sensação da insegurança pública

Nas grandes cidades brasileiras, as pessoas estão assustadas. Os índices de violência urbana são similares aos observados em países em situação de guerra.

Como bem lembrou Marcelo Freixo, as esquerdas brasileiras sempre tiveram dificuldade em discutir o tema da segurança pública, pois costumam enfrentar o assunto com ideias abstratas como “direitos humanos”, ou com projetos que ofendem a tal moralidade da qual falei há pouco, como a “descriminalização do consumo de drogas”.

Enquanto isso, Jair Bolsonaro evocou a velha máxima do “bandido bom é bandido morto”. Foi o bastante para que as pessoas, assustadas, fossem tomadas por certo sentimento hobbesiano, aceitando de boa vontade abrir mão de algumas liberdades em nome de um Estado autoritário e violento, capaz de trazer a sensação de segurança. O medo é afeto político muito poderoso.

3°) A narrativa da ineficiência da democracia

Foram muitos os desdobramentos dos eventos que aprendemos a chamar de “jornadas de junho de 2013”. Ainda não entendemos bem o que aconteceu naquele momento e o próprio significado de “2013” está sendo disputado.

Mesmo diante de tantas incertezas e caminhando em terreno ainda pouco sólido, estou muito convencido de que junho de 2013 passou uma mensagem para a sociedade brasileira: a democracia representativa criada nos anos da redemocratização seria corrupta e ineficiente na gestão dos serviços públicos e na promoção do Bem-Estar Social.

Os números mostram outra realidade. Desde a década de 1990, o Brasil vem caminhando relativamente bem no que se refere à qualidade e a eficiência dos serviços públicos.

Não, leitor e leitora, não estou louco!

Todos os dados apontam para a evolução no acesso à educação e à saúde, no combate à mortalidade infantil, no aumento da rede de atendimento na saúde básica.

Mas como o que importa é a tal da “percepção”, os dados estatísticos são pouco relevantes. As “jornadas de 2013”, tão bem exploradas e cooptadas pela mídia hegemônica, pintaram para a sociedade brasileira um quadro de total colapso e ineficiência na gestão dos serviços públicos. Se o quadro não é totalmente falso, está longe de ser completamente verdadeiro.

A mensagem foi transmitida com sucesso e continuou a alimentar a revolta social em 2015 e 2016. O saldo desse ativismo da sociedade civil pode ser resumido por um sentimento de “fora todos”, de “tudo está errado”, “tem que mudar tudo isso aí”. Temos aqui terreno fértil para o surgimento de lideranças que se apresentam como antissistemas, como “outsiders”. Jair Bolsonaro era um dos poucos políticos que conseguiam caminhar com tranquilidade entre a multidão, justamente porque foi capaz de se apresentar como um crítico ao sistema vigente (a democracia) e um defensor da ordem política superada (a ditatura), que passou a ser objeto de toda tipo de saudosismo.

A percepção geral da ineficiência da democracia alimentou a utopia autoritária representada por Jair Bolsonaro.

4°) A falta de compromisso do capitalismo com a civilização

Uma das principais motivações para o golpe parlamentar que destituiu Dilma Rousseff em agosto de 2016 foi sua recusa em adotar a agenda de desmonte do Estado que na época foi chamada de “Ponte para o Futuro”.

Não há nenhum voo interpretativo aqui. O próprio Michel Temer disse, em palavras cristalinas: “Dilma caiu porque não quis adotar a Ponte para o Futuro”. Essa é uma novidade do golpe brasileiro: os golpistas assumem que foi golpe, sem nenhum constrangimento.

É antigo o projeto de desmonte do Estado brasileiro. Podemos encontrar sua origem lá na década de 1950, com o udenismo. Porém, esse projeto sempre teve dificuldades para se transformar em realidade. Nem mesmo a Ditadura militar o fez. Na década de 1990, os tucanos avançaram, mas nem tanto.

Os governos petistas interromperam a marcha, que foi acelerada com Temer. Em dois anos, Michel Temer conseguiu o que três gerações de políticos e economistas liberais não foram capazes de fazer: tirar do controle do Estado o planejamento do desenvolvimento nacional, entregando-o ao mercado. A famosa “PEC dos Gastos” é o grande símbolo desse sucesso.

As forças do mercado sabiam muito bem que as eleições de 2018 representavam um risco para continuidade desse projeto. O primeiro movimento foi garantir que Lula ficasse de fora da corrida presidencial. Depois, foi colocada em movimento uma campanha negativa, visando a destruição do Partido dos Trabalhadores. O objetivo era fortalecer o outro polo do sistema político, aquele que até então era o dono do antipetistmo: o PSDB.

Jair Bolsonaro atravessou o processo e as forças do capital não hesitaram em abandonar o antigo aliado e firmar matrimônio com um novo amor. A popularidade de Bolsonaro se tornou a garantia da legitimação eleitoral da agenda econômica do golpe parlamentar. Não houve debate econômico, projetos de desenvolvimento nacional não foram discutidos. Jair Bolsonaro foi eleito, exclusivamente, na base do antipetismo repaginado e do sentimento hobbesiano alimentado por uma população assustada. Paulo Guedes foi silenciado durante toda a campanha.

As forças do mercado comemoraram a eleição de Bolsonaro. O ideal mesmo seria Alckmin, mas Bolsonaro, com a chancela de Paulo Guedes, serve também. Machista, autoritário, violento, homofóbico? Sim, não importa. O capitalismo não tem o menor compromisso com a civilização.

A eleição de Bolsonaro inquieta e assusta o mundo inteiro. Dentro e fora do país, aqueles que têm um mínimo compromisso com os valores que fundam a civilização se perguntam: como isso aconteceu? Como foi possível?

Ainda vamos nos debater muito com essas perguntas. Historiadores, sociólogos e cientistas políticos vão propor inúmeras hipótese explicativas.

Fato mesmo é que Bolsonaro não surgiu ontem. Ele está aí há muito tempo, no submundo da política brasileira. Ignoramos, não prestamos atenção, subestimamos, debochamos. Acreditamos que o Brasil não se rebaixaria tanto assim. No fundo, bem no fundo, nos iludimos, achando que o Brasil tinha melhorado. Melhorou não. É isso aí mesmo. Sempre foi.

 

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1 Comment

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  1. Jose Armando Esper

    31/10/18 at 17:15

    gosto do seu comentário e percepções a respeito de Bolsonaro – no meu ponto de vista a história começa bem antes já na época do Geisel e das suas contradições e que durante o mandato de Figueiredo ficaram cada vez mais claras – a lei da anistia para mim foi o ponto de inflexão para a costura daquilo que foi chamada depois de Nova República – daí em diante chegamos a Bolsonaro – uma lógica perversa e de caminho inverso – a ditadura não foi superada e a democracia, mesmo burguesa como sempre, nunca teve o tempo de se realizar.

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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