Depois de anos de passividade, mestres lutaram contra o descaso tucano com a educação em SP
“Derrotados, professores põem fim à greve”, proclamou em manchete a “Folha de S.Paulo” no dia 13 de junho, o dia seguinte à assembleia da Apeoesp que encerrou a mais longa paralisação da categoria em toda a história.
A mesma “Folha de S.Paulo”, que praticamente ignorou a greve durante todo o seu transcurso, parece só ter percebido a importância do movimento quando do seu fim, para anunciar a derrota. Esquisito, não é?
Ou a greve era importante antes, ou seu fim não seria importante a ponto de merecer a manchete do jornal. Isso, pelo menos, é o que diz a lógica…
Mas, o fato novo não é a derrota dos professores, já derrotados no dia-a-dia do exercício profissional por uma rotina estafante, desesperada contra as péssimas condições de aula, em salas super-lotadas, sob o risco de violências de toda a sorte, recebendo baixos salários e uma coleção de aviltamentos possíveis.
Derrotados os professores iam — antes da greve — todos os dias para o trabalho.
A greve iniciada no dia 13 de março, entretanto, marcou o início de reação à bovina aceitação do matadouro diário a que era submetida a categoria profissional inteira, uma das maiores do Estado mais rico do país, com seus mais de 250 mil integrantes ou um quarto de milhão de pessoas.
Havia anos que São Paulo não escutava a voz dos professores em defesa da escola pública, gratuita e de qualidade. Deixado a seu bel prazer, cuidando do ensino, o PSDB só conseguiu entregar à população paulista os mais infames resultados.
O Idesp (Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo) divulgado no mês de março, quando a greve dos professores foi deflagrada, prova que a escola pública paulista está em escombros. Entre o 1º e 5º ano, o índice registrado foi abaixo do razoável, de 4,76 (a nota máxima é 10). É ruim? Fica muito pior. Para as classes mais avançadas, do 6º ao 9º ano, o índice é de 2,62 (em 10 possíveis, lembre-se). Já no ensino médio, o índice é de 1,93.
Em poucas palavras: é vergonhosa, perpetuadora das diferenças sociais, emburrecedora, e humilhante a educação oferecida pelo Estado de São Paulo.
E isso, é importante que se diga, não começou com a greve dos professores. Ao contrário: é fruto de décadas de descaso tucano com os destinos da educação popular –situação que a greve tentou reverter.
Como é possível pensar em uma sociedade democrática, quando a maioria das crianças e jovens (as mais pobres, mais negras, mais periféricas) é — de cara — alijada da possibilidade de acesso à educação, porque frequenta escolas que mais se parecem com cadeias cheias de grades; e em que quase nada se aprende porque tudo em volta são ruínas?
A greve dos professores encerrou-se depois de 92 dias de paralisação. São Paulo assistiu a assembleias com 60 mil pessoas, a passeatas de protesto por grandes avenidas, a um acampamento defronte a Secretaria da Educação, à ocupação da Assembléia Legislativa, a performances e intervenções de rua que demostravam a angústia existencial dos homens e mulheres encarregados da educação da parcela mais vulnerável da população.
Durante todo esse tempo de luta, o governador Geraldo Alckmin, do PSDB, manteve-se gelado como morto. Nenhum aceno fez à negociação, repetindo incansavelmente os argumentos de que:
— O pedido de aumento da categoria era infundado;
— Que o governo havia dado 42,25% à categoria em 2014, muito acima dos demais setores;
— Que, por isso, a reivindicação era absurda.
Sim, é verdade, houve reajuste. Mas, de acordo com a APEOESP, sindicato dos professores, o índice foi de apenas 29,9%: “Em junho de 2011, a remuneração do Professor de Educação Básica I era de igual a R$ 1.205,14 para uma jornada de 30 horas semanais. Em dezembro de 2014, sua remuneração atingiu R$ 1.565,21. O cálculo é simples: a diferença entre a remuneração inicial e a final é de 29,9%.”
O pior é que, além de o valor ser muito inferior ao alegado pelo governador tucano, o reajuste foi parcelado em 4 anos, sendo que neste período, a inflação acumulada, medida pelo Índice do Custo de Vida do DIEESE, foi de 27,7%.
Ou seja, o ganho real da categoria foi de apenas 2,2%.
O sindicato também denunciou que o restante do tal do ajuste anunciado pelo governo tratava-se, na verdade, da incorporação de bonificações: “O governo omite que no cômputo estão embutidas as incorporações da Gratificação Geral (GG) e da Gratificação por Atividade do Magistério (GAM), valores que os professores já recebiam”.
Os supostamente “absurdos” 75,33% reivindicados pela categoria, nada mais eram do que a concretização da meta 17 do Plano Nacional de Educação, que os Estados e Municípios devem colocar em vigor até 2020. A meta estabelece a obrigatoriedade de “valorizar os(as) profissionais do magistério das redes públicas de educação básica, de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos(as) demais profissionais com escolaridade equivalente”.
De maneira clara, o plano diz que os professores deverão receber o equivalente às demais categorias graduadas.
Isso é lei.
O fim da greve dos professores marca uma derrota, é verdade, mas do governador Geraldo Alckmin. Depois de anos, Alckmin enfrentou pela primeira vez uma corajosa greve, dentro de uma categoria que conta com o amor e o reconhecimento de parcela substancial da população paulista.
Enfrentou uma greve que chegou ao seu fim sem a conquista das reivindicações. Mas que despertou corações e consciências. Hoje, em todas as escolas de São Paulo, Alckmin e o omisso secretário de Estado da Educação, Herman Voorwald, devem estar com as orelhas quentes. Os professores estão falando para todos os pais, os alunos, os amigos, para toda a rede de ensino, sobre a política tucana criminosa de destruição da escola pública.
O fim da greve não significa a derrota dos professores, mas o começo de outra etapa da luta.
Para o governador Alckmin e para Herman Voorwald, defensores de um mundo de exclusão e pró-ensino pago, o mundo começou a ficar mais difícil.
PS: E ainda tem gente que acha que só é excluído quem quer. Enquanto os ricos e bem-situados têm acesso a escolas incríveis, campeãs do vestibular e do Enem, aos pobres entregam-se salas de aula podres, professores mal-remunerados, superlotação e desalento. Cadê os direitos das crianças e adolescentes a um ensino mínimo? Alckmin assassina e estupra os direitos da Juventude a um futuro melhor. É justo isso?
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