Naquela terra tem cova, me assentou frase alcalina de violeiro quando eu nem sabia ainda onde hoje estaria indo. Era jovem, muito moço entre tal Saga da Amazônia persistente em sucesso de geração, água puxando rio na resistência de Elomar e Vital Farias.
A dor de mim era dor dos homens acanhados, entendo hoje, mas aprendi sem retornos que no verde, amarelo ou vermelho, que do amor, se necessário, o choro faz-se chuva alagando tudo sem medo. Dúvida ou agreste entre compatriotas.Se trago um sorriso ainda hoje em tempos de demônios, é a fé; tal índio pelado na casa próximo ao fogo, universidades nas cidades, pasta de dente e escovas para as bocas, páginas de livros ou moradia própria entre todos que querem e devem.
Tudo são vontades e olhos, coisas que povo anseia, e lei e justo.
Para meu espanto, tudo isso, tão pouco, ameaça a tantos. Pedaços que deixamos a quem não mereceu, desatinos da história. Seguir à frente é condição e solução às bocas obtusas, mentes fracas. Para tal melhor remédio não há: milho, carqueja e democracia.
Queremos sim um querer na mente sóbria e coluna ereta, deus de sertão, Darcy Ribeiro, Miltons Santos bem pretinhos inundando as cabeças. Curva de rio, macacos nos galhos, crédito com anjos sempre foi nosso rumo. Bando avante na terra, vento, mina, lugares lindos de pombas e borboletas.
Quem plana corre seus perigos.
Se há novidades nas trombetas, cuidar-se é longo novelo, amor que sem fim afirma-se em tramas, aquentando, aquecendo, afagando, dando véus ao corpo que ferido em grande laço, preserva-se.
Fica decretado, como disse o poeta Thiago de Mello, amar se aprende amando. Amor é solidão de espinho, aquilo que não tem fim. Sabor de saber que ninguém soltará da mão de ninguém e juntos almejamos um parlamentar limpo, reto, sem culpa, câmaras comuns em nossos braços, caráter pleno.
Não esmoreça e guarde, coisas lindas vejo, e duras, das sombras sim.
Crinas, cocares e ebó fazem sim sua hora. Me aterei entre os infortunados desses cachos, autores expulsos, que agora acaso almejam comando e desvios. Tão sedentos estão.
Estaremos exilados de onde havia ciência. Os doidos assumirão cargos além de toda razão. Nem direi nomes, sou virgem no pisador.
O que deu na gente? Indígena ingênua em alianças, negros insólitos, fakes além de veias ou safena, mágoa?
Junte tudo o que você puder levar me diz antiga canção que ouvi por coincidência, não tem mais nada negro amor.
Não será tempo ainda de darmos o fora, mas ficar, reinar por outros encantos, colher algo que pede e vinga. Da cor da pele, solo cinza em hora de fúria, vinga sentimento vagabundo entre mapas ou trilha, sem cansar de leitos, rumo aos mares.
Digo sei, não desanime da saga. Fruto alimente, adocica, guarde. Seria tudo mais simples se fosse sóbrio, mas ébrio breve vai.
Se acaso a gente esquecesse, ia bem, mas não, vibra, insiste, tal caatinga, sertão, sede agreste.
Após feridos e mortos, e em dia de eleição do presidente americano, estamos próximos ao final do ano de 2020. Adquiri novos livros, reviro outros antigos, sei que de tudo fica um pouco, tudo vira história.
Na pandemia encontrei desenhos belíssimos de Noemia Mourão, artista plástica e esposa de Di Cavalcanti. Mistura-se, enlaça papéis, pensamentos atuais sobre desenhos antigos.
Recorte no texto de Ailton Krenak e desenho de Noemia Mourão*
“Outro dia fiz um comentário público de que a ideia de sustentabilidade era uma vaidade pessoal, e isso irritou muitas pessoas. Disseram que eu estava fazendo uma afirmação que desorganiza uma série de iniciativas que tinham como propósito educar as pessoas sobre o gasto excessivo de tudo. Eu concordo que precisamos nos educar sobre isso, mas não é inventando o mito da sustentabilidade que nós vamos avançar. Vamos apenas enganar, mais uma vez, quando quando inventamos as religiões. Tem gente que se sente muito confortável se contorcendo no ioga, ralando no caminho de Santiago ou rolando no Himalaia, achando que com isso está se elevando. Na verdade, isso é só uma fricção com a paisagem, não tira ninguém do ponto morto.
Trata-se de uma provocação acerca do egoísmo: eu não vou me salvar sozinho de nada, estamos todos enrascados. E, quando eu percebo que sozinho não faço a diferença, me abro para outras perspectivas. É dessa afetação pelos outros que pode sair uma compreensão sobre a vida na Terra. Se você ainda vive a cultura de um povo que não perdeu a memória de fazer parte da natureza, você é herdeiro disso, não precisa resgatá-la, mas se você passou por essa experiência urbana intensa, de virar um consumidor do planeta, a dificuldade de fazer o caminho de volta deve ser muito maior. Por isso acho que seria irresponsável ficar dizendo para as pessoas que, se nós economizarmos água, ou só comermos orgânico e andarmos de bicicleta, vamos diminuir a velocidade com que estamos comendo o mundo – isso é uma mentira bem embalada.
A própria ideia de certificação, dos teste que são feitos com materiais que consumimos, desde a embalagem até o conteúdo, deveria ser posta em questão antes de a gente abrir a boca para dizer que existe qualquer coisa sustentável neste mundo de mercadoria e consumo. Estamos transformando oceanos em depósitos de lixo impossíveis de tratar, mas vocês, certamente, vão escutar um bioquímico ou um engenheiro espertalhão dizendo que tem uma startup que que vai jogar um negócio na água, derreter o plástico e resolver tudo. Essa pilantragem orienta, inclusive, a escolha de jovens que vão fazer especialização na Alemanha, na Inglaterra, ou em qualquer lugar,e voltam ainda mais convencidos do erro. Voltam, assim, transbordantes de competência para persuadir os outros de que comer o mundo é uma ótima ideia.
Enquanto as bases materiais da nossa vida cotidiana estão funcionando, operantes, a gente não se pergunta de onde vem as coisas que consumimos. Na maioria de tempo, as pessoas mal respiram ou têm consciência do que põem na boca para comer. Apenas quando há um desastre, os indivíduos, desplugados das fontes de suprimentos, começam a sofrer e a se questionar. Quem sobrevive a uma grande catástrofe costuma pensar em mudar de vida porque teve uma breve experiência do que é, de fato, estar vivo. Existem muitos povos vivendo situação de perdas, de catástrofe, de guerra. Ouvir sobre como essas pessoas agem para sair de um trauma profundo, olhar ao redor de si e recomeçar sua jornada nisso que chamamos “seguir vivendo”, pode ser instrutivo, mas não substitui a experiência.
Estou há dois anos vivendo na margem esquerda de um rio junto com outras famílias do meu povo que, do ponto de vista prático, tinham que ter sido removidas daqui, como o que aconteceu com o pessoal de Brumadinho, de Bento Rodrigues e outros lugares. Os Krenak não aceitaram ser retirados, quisemos ficar no local do flagelo. “Ah, mas vocês não tem água!” E daí? “Ah, mas vocês podem morrer aí!” E daí? Sabemos que esse lugar foi profundamente afetado, virou um abismo, mas estamos dentro dele e não vamo sair. É uma questão que incomoda, mas é preciso estar nessa condição para poder produzir uma resposta em plena consciência. Consciência do corpo, da mente, consciência de ser o que se é e escolher ir além da experiência da sobrevivência.”
in A vida não é útil – Companhia das Letras
* Ailton Krenak, líder indígena, pensador, ambientalista e escritor,66 anos, escolhido intelectual do ano, ganhador do prêmio Juca Pato, premiação realizada pela União Brasileira de Escritores, que reconhece autores que contribuem para o desenvolvimento da democracia brasileira.
*Noemia Mourão(1912/1992), pintora, cenógrafa e desenhista. Estudou e casou-se com Di Cavalcanti.
Cantou o poeta Gilberto Gil, certa feita, que sentir é questão de pele e amor é movimento. Sempre, aqui e agora, estanca-se amor.
coração e pele de uma gente de origem
A pele da terra é sua floresta, sua caatinga ou cerrado, mangue, restinga. Nada disso sabem no ringue, imbecis apostadores. Como tu és ou não, eu já não santo ou saberei. Sei de mim, filho da terra, Terra, como ti.
Querem fazer do boi um ser que combate o fogo. Tadinho do boi, na Índia ser tão respeitado, as vacas da maternidade, tolerância, mansidão, sustento do humano.
Aqui, profana vaca muge heresias. Novos ventos, leitos banais na ocupação de nossa equação? Estranha aritmética no fogo da razão.
Crianças Kawaiweté, em feliz pedagógica canoa e exercício de equilíbrio, prumo e rumo.
Resta-nos apenas a terceira margem do rio, penso como Guimarães Rosa, mandar fazer uma canoa. Aprendi que coisa séria em canoa é o remo, seu rumo.
Sem fim seguem absurdas afirmações da função dos animais. Atribuem qualidades ao gado de corte. De fato é o boi nosso churrasco, mas fogo não é seu apreço.
Preço da carne são outros 500. Índio pensa no desequilíbrio da água e seu brilho.
À margem do Xingu, na pesca diária da vida e educação indígena.
Fico pensando na paz, ausência de excitação, estado de calma. Não o Buda e seu prêmio de afastamento do mal e a eliminação dos demônios, mas o largar as armas, entender a palavra. É prêmio da paz a serenidade? Creio que sim, tal lavar a roupa da noite à beira de rio, tão puro, na alvorada de cada dia.
Alvorada entre os povos tradicionais e seus asseios e gratidão, ciência de quem sabe.
Quando nasci havia um pedido de paz, recordo bem nas igrejas da época. Vivi dia assim de paz apenas entre indígenas, homens fortes de luta, luto e senha. Há uma paz entre grandes guerreiros, por mais que ameacem. Descobrimos quando velhos que as armas apenas entristecem, vingam, atiçam a sanha.
Ropni, o cacique Raoni, o mestre das palavras e seus calibres no alvo de nosso peito, representa 5 séculos do brado dos povos nativos daqui, de um planeta Terra. Raoni sempre disse aos kuben, nós mesmos, os homens brancos, que os espíritos lhe dizem sobre a destruição das florestas e suas consequências.
A paz do cacique é a saúde da Terra. Sempre voltamos ao começo na esperança da paz.