Mulheres do DF lançam manifesto para o Dia Internacional de Luta das Mulheres

Foto: Leonardo Milano / Jornalistas Livres

08 de março, Dia Internacional de Luta das Mulheres.

Pela vida de todas as mulheres! Contra o racismo, o machismo e o fascismo!

Em defesa da democracia

Somos um país historicamente marcado pela violência contra as mulheres e contra quem ousa se contrapor aos poderosos. Somos o 5o país do mundo com maior índice de feminicídios e o 1o em assassinato de LGBTIs. Vivenciamos estruturalmente o racismo e cotidianamente o genocídio da juventude negra. Somos o 4o país do mundo em casamentos infantis. Somos ainda a 3a nação do planeta em número de conflitos ecológicos e atividades de risco sobre os recursos naturais. Com o avanço da extrema-direita no DF e no Brasil, essa histórica realidade hostil se aprofunda e nossas vidas estão cada vez mais em risco.

O ataque à democracia, que começou com o golpe misógino contra Dilma Rousseff, alcança níveis inaceitáveis no governo Bolsonaro. Temos um presidente que apoia atos pelo fechamento do Congresso e do STF, ultrapassando todos os limites de desrespeito à Constituição e flertando abertamente com um novo golpe de Estado. Ao personificar a ascensão de forças autoritárias na política, ultraliberais na economia e retrógradas nos costumes, ao apoiar grupos conservadores, com feições neofascistas, e ao manter relações estreitas com milicianos, o governo de Bolsonaro destrói o Estado Democrático de Direito e se transforma numa ameaça real à vida das mulheres.

Por isso, neste 8 de Março, iremos às ruas mais uma vez para dizer:

Mulheres contra Bolsonaro! Ditadura nunca mais!

Pela primeira vez desde a redemocratização do país, o presidente e sua família apoiam publicamente o regime ditatorial e seus algozes, em manifestações reiteradas de apologia à tortura e ao AI-5. Neste 8 de Março, lembramos das mulheres que ousaram se levantar contra o autoritarismo e foram barbaramente torturadas e estupradas pelos militares da época, muitas vezes diante de suas crianças. Lembramos das mães que não puderam enterrar seus filhos e que morreram sem saber o destino de seus corpos. Não nos calaremos diante de um governo ditatorial e patriarcal, que se guia baseado em princípios de violência, opressão e desrespeito às liberdades

individuais e coletivas. O Estado de exceção se aprofunda, mas não podemos retroceder. Que a democracia não seja uma palavra retórica, utilizada por líderes autoritários, racistas, misóginos e lesbofóbicos!

Pelo fim da violência contra a mulher!

Vivemos em uma sociedade machista. Somos vistas como objetos de prazer e propriedade dos homens, que se sentem donos de nossos corpos e de nossas vidas; que nos violentam, nos estupram e nos matam. A cada duas horas, no Brasil, mais de mil mulheres são agredidas, uma é assassinada e onze

são estupradas. No DF, a situação não é diferente: ocupamos
a vergonhosa 5a posição no ranking de assassinatos de mulheres no Brasil. Em 2019, 34 mulheres foram vítimas de feminicídio, representando um aumento de 62% dos casos desde 2016. Em 2020, até o dia 3 de março, 6 mulheres já foram assassinadas. A morte da mulher está dentro de casa. São famílias mergulhadas em uma tragédia social, alimentada pelo pensamento de posse sobre a vida do outro.

Para barrar essa onda, precisamos de políticas concretas de enfrentamento à violência contra as mulheres. Porém, no ano passado, a maioria das vítimas ou de suas famílias no DF não chegou a procurar um equipamento público antes do feminicídio, revelando um quadro de ausência do Estado na proteção da vida das mulheres e de sucateamento dos equipamentos públicos de enfrentamento às violências. Enquanto a ministra da família corta verbas destinadas
às políticas públicas para o setor, no DF o governador Ibaneis tenta barrar o andamento da Comissão Parlamentar de Inquérito criada em novembro para investigar os feminicídios. E assim a cultura do estupro e da morte se fortalece, incentivada por iniciativas como a liberação
das armas e a ampliação da excludente de ilicitude, que autoriza a violência letal pelas polícias. No Brasil, a cada dois minutos uma mulher é vítima de armas de fogo. Lutamos pela superação da necropolítica e por uma cultura e políticas públicas de promoção da paz. Lutamos ainda pelo direito das mães de criarem suas filhas e seus filhos sem a manipulação da Lei de Alienação Parental, mais uma forma de violência contra as mulheres.

Contra o racismo!

A violência se intensifica de acordo com raça e etnia, orientação sexual, identidade de gênero, classe social, idade e situação de vulnerabilidade das mulheres, atingindo brutal- mente mulheres negras, jovens, pobres, trans. Cerca de 68% das mulheres assassinadas no Brasil são negras. Num país de história e presente escravagistas, mais de 90% das empre- gadas domésticas são mulheres negras. A elas também são destinados os empregos mais precarizados e as piores condi- ções de vida. Somente as ações de resistência promovidas no âmbito do movimento de mulheres negras dão voz e vez às problemáticas que o povo negro brasileiro vive em razão da cor da sua pele.

A promoção da cidadania das mulheres negras requer a garantia da implementação de políticas públicas de qualidade no combate ao racismo estrutural, presente nas instituições públicas e privadas. No Distrito Federal, é flagrante como
as políticas de gênero universais não alcançam as mulheres negras, criando um ciclo perverso de reiterada vitimização de nossos corpos nos serviços públicos. Por isso, lutamos pelo re- conhecimento de que vivemos em uma sociedade pluriétnica e plurirracial. Lutamos contra a extinção das políticas públicas afirmativas, contra toda forma de intolerância, pelo reconhe- cimento dos territórios ancestrais do candomblé e umbanda e para que regiões administrativas majoritariamente negras possam ser reconhecidas como territórios culturais.

Pelo bem-viver! Contra o capitalismo e o desmonte dos serviços públicos

A propriedade privada dos meios de produção e o modelo de desenvolvimento econômico exploratório e predatório estão na base do sistema capitalista. Neste 8 de Março, ergue- mos nossa voz por uma sociedade que tenha como horizonte a filosofia do bem-viver e que rompa com o patriarcado e sua compreensão de que as mulheres também são propriedade dos homens. Fruto do sistema capitalista, temos uma popu- lação cada vez mais empobrecida, adoecida física e psicologi- camente. E ainda mais oprimida pelas medidas econômicas ultraliberais e excludentes do governo federal. As ações de desmonte do Estado brasileiro, que começaram no governo ilegítimo de Michel Temer com a Reforma Trabalhista, seguem com Bolsonaro, na perversa destruição da Previdência e da Seguridade, na privatização e entrega dos serviços públicos.

Vivemos um cenário de precarização laboral crescente, com regime de trabalho intermitente, de ampliação do trabalho sem vínculo formal com as empresas ede perda de direitos, consistente com um quadro de desemprego estrutural. As mulheres, sobretudo as negras, são as mais impactadas, por receberem salários mais baixos por funções iguais às dos homens e por terem seus empregos concentrados em ativida- des informais e no trabalho doméstico. O desemprego no DF

é assustador e as mulheres são as primeiras a ficarem desem- pregadas. Neste cenário de desmonte do trabalho pelo capital, as mulheres que possuem jornada dupla ou tripla são as mais penalizadas pela Reforma da Previdência, pois terão que traba- lhar ainda mais para alcançar o direito à aposentadoria.

Enquanto isso, o desmonte de serviços públicos como a saúde e a educação nos sobrecarregam ainda mais, pois so- mos culturalmente responsabilizadas com os cuidados dos/as doentes e dos/as filhos/as. Somos nós que sofremos com os ataques ao SUS, a falta de creches e de escolas, de verbas para o serviço social. E que também sofreremos com a desvaloriza- ção do serviço público e as privatizações de setores estratégi- cos, uma ação orquestrada por defensores do Estado mínimo para atender a interesses de grandes grupos econômicos nacionais e internacionais. As mulheres em situação de vulne- rabilidade seremos novamente as mais atingidas, sobretudo as negras e as indígenas.

No DF, todos os dias morrem pessoas por não conseguirem atendimento médico. As escolas públicas vivem de contribui- ção de mães e pais para fazerem reformas básicas. O alto preço da passagem de ônibus nos obriga a pagar para trabalhar.

Este é o cenário de caos em que se encontram as mulheres, maiores atingidas pela política econômica de restrição de bens e direitos. Enquanto isso, Ibaneis militariza as escolas e constrói um projeto de educação cada vez mais conservador, seguindo o caminho de Bolsonaro, que quer calar a educação crítica e emancipatória. Neste 8 de Março, lutamos porque somos todas trabalhadoras. Nenhum direito a menos!

Contra a destruição do planeta e o genocídio dos povos indígenas!

A lógica exploratória que coloca a ganância acima
da vida humana e animal e da preservação do meio ambiente também ocupa o Palácio do Planalto. As tragédias de Brumadinho e Mariana não foram acidentes. Foram crimes, com danos ambientais e humanos irreparáveis, impostos pelo grande capital em busca
de lucro. A explosão de queimadas na Amazônia e os inúmeros assassinatos de lideranças indígenas precisam ser responsabilizados com vigor. Neste 8 de Março,
nós, mulheres do campo, do cerrado, das águas e das florestas, quilombolas, indígenas e ciganas, as principais responsáveis pela agricultura e pecuária familiares e
que mais sofremos com as grandes empresas em nossos territórios e com as desigualdades produzidas pela economia capitalista, estaremos nas ruas! Exigimos o direito à terra e ao território das comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais. Lutamos por soberania popular e para não sermos expulsas de nossas terras. Pelo reconhecimento do acúmulo das vivências das nossas ancestralidades africana e indígena!

Pela vida de mulheres lésbicas, bissexuais e trans!

Nossas identidades de gênero e nossas sexualidades não são ideologias. São identidades genuínas. A luta por sua valorização não é doutrinária, mas libertária, para que ninguém sofra ou tenha direitos cerceados só por ser quem é. Nossa ideologia é o respeito às diferenças.
A famosa “ideologia de gênero” nada mais é do que
a doutrina de que “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”, negando, desde a infância, nosso direito à autonomia e à singularidade. Neste 8 de Março, lutamos pela visibilidade LesBiTrans. Por uma educação laica e inclusiva às pessoas LGBTI! Por políticas de fomento à empregabilidade para pessoas trans e travestis!

Pela legalização do aborto!

Mulheres continuam abortando, mulheres continuam morrendo. O aborto clandestino é uma das principais causas de morte de mulheres no Brasil, vitimando uma de nós a cada dois dias. Esse grave problema de saúde pública mata sobretudo quem não pode pagar por uma intervenção segura: mulheres pobres, negras e menos escolarizadas. Lutamos por direitos reprodutivos e contra a criminalização das mulheres. Pelo reconhecimento à voz da mulher, para que ela possa ser ouvida em seu clamor pela vida! Que a decisão da mulher sobre seu corpo seja respeitada!

Por mais mulheres feministas nos espaços de poder!

Em 2020, teremos eleições municipais no Brasil, exceto no DF, nas isso não impede que as mulheres daqui se engajem em candidaturas de feministas no Entorno
do DF, fortalecendo seus projetos e atuando pela eleição dessas companheiras. Segundo o IBGE, o Brasil ocupava em 2018 a vergonhosa posição de 152° colocado em um ranking de 190 países na representação das mulheres na política. Vivemos o crescimento da extrema direita e de uma onda conservadora que pode levar ao redesenho
do papel social das mulheres, retrocedendo nossas conquistas emancipatórias. Precisamos de mais de nós na política para lutar por nossas causas e defender nossos direitos. Balas não vão nos intimidar. O assassinato covarde de Marielle nos transformou a todas em sementes que clamam por justiça e igualdade. Queremos mais mulheres feministas ocupando os espaços de poder e decisão! Democracia sem a participação de mulheres não é democracia.

Por justiça para Marielle, para todas e todos!

Em 2020, completam-se 2 anos da execução política da vereadora Marielle Franco (PSOL), uma mulher, negra, bissexual, da favela da Maré, brutalmente assassinada junto com seu motorista Anderson Gomes. As investigações têm mostrado que o mandante

e envolvidos neste bárbaro crime são vizinhos de condomínio do presidente Bolsonaro. A execução de Marielle é um crime político grave e sua resolução é de extrema importância para nossa democracia.Exigimos saber quem mandou matar Marielle e por quê! Também lutamos pelo fim da desigualdade na atuação do Poder Judiciário, que criminaliza os socialmente marginalizados. O Brasil é hoje o 3o país em número de encarcerados, o 4o em mulheres presase tem uma taxade aprisionamento superior à maioria dos países, de 335 pessoas presas a cada 100 mil. Pelo fim do encarceramento das lactantes e pela ressocialização das/os detentas/os.

Por liberdade de expressão e por outra comunicação no Brasil!

Somos um dos países com maior concentração
nos meios e com menor representação de nossas diversidades na mídia. Uma mídia que, quando não silencia nossas lutas, nos criminaliza; que não respeita a laicidade do Estado e que, nos programas policialescos (fundamentais para o crescimento do fascismo no Brasil), legitima uma cultura de violência contra mulheres, pobres e jovens negros. Uma mídia que respalda a ambição da elite econômica e desconsidera os impactos dessa política na vida da população. No 8 de Março, levantamos nossa voz por outra comunicação!

Por uma cultura viva!

A cultura representa geração e circulação de renda, bem estar social e formação de identidade cidadã e individual. É um espaço de diversidade e equidade,
de liberdade de expressão. É uma indústria potente,
que fala globalmente e que se fortaleceu através das políticas públicas. Mas, desde o início, o governo atual tem desmontado as políticas de desenvolvimento, fomento e promoção à cultura, prejudicando o sustento de milhares de famílias e atacando a sociedade em sua dimensão simbólica. Um país sem cultura é um país sem identidade e soberania. Queremos a volta das políticas públicas para a cultura e mais mulheres nestes espaços! Pelo direito à memória!

Nossa solidariedade internacional!

Aos povos que sofrem e que resistem aos golpes de estado e às políticas neoliberais, aos nossos irmãos e irmãs chilenas, equatorianas, haitianas, panamenhas, colombianas, hondure- nhas, bolivianas,externamosnossasolidariedadeeveemente repúdio aos governos opressores. Repudiamos as sanções eco- nômicas dos EUA impostas aos povos de Cuba e da Venezuela. A autodeterminação dos povos é fundamental. Não à invasão da Venezuela; não em nosso nome! Repudiamos também o acordo proposto por EUA e Israel. A Palestina não está à venda! E defendemos a libertação de Julian Assange, que revelou in- formações sobre a intervenção dos EUA na soberania de vários países, entre eles o Brasil.

Não podemos continuar pagando o preço de um pensamento fundamentalista e viver neste cenário de retrocessos e de terror que se instalou no Distrito Federal e no Brasil. É em cima do corpo das mulheres que o autoritarismo de Ibaneis e Bolsonaro se manifestam. Lutamos por uma sociedade com justiça social. Em, honra daquelas
que tombaram por sua liberdade e a das futuras gerações, seguiremos na defesa da democracia! Enquanto uma de nós estiver de pé, marcharemos contra essa ofensiva conservadora e a política econômica ultraneoliberal.

No dia 8 de Março, vamos ocupar as ruas de todo o país. Pela vida de todas as mulheres, contra o racismo, o machismo e
o fascismo. Vamos juntas!!! Mulheres contra Bolsonaro!

Nossa agenda de lutas em março

Nossa luta não termina no dia 8 de Março. Diante da grave conjuntura em que, se aprofundam os ata- ques à democracia, à soberania e aos nossos direitos, também estaremos nas ruas nos dias:

  • 14 de março, quando completam dois anos do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes
  • 18 de março, quando as centrais sindicais e entidades da classe trabalhadora realiza- rão um Dia Nacional de Luta em Defesa dos Serviços Públicos, da Educação e Contra as Privatizações

 

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