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Habitação

Morar no Refúgio

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Refugiados e Movimento de Moradia organizam Fórum para debater as dificuldades que enfrentam no país e procurar soluções conjuntas

No último sábado, 30 de maio, o Grupo de Refugiados e Imigrantes Sem-Teto de São Paulo — GRISTS e o Movimento Sem-Teto do Centro — MSTC organizaram o 1º Fórum Morar no Refúgio. O espaço de debate reuniu imigrantes, refugiados, movimento de moradia, organizações e entidades especializadas, para levantar as dificuldades que os refugiados enfrentam e procurar soluções conjuntas.

Esse foi o primeiro Fórum chamado pelos próprios refugiados. O grupo se formou em 2014, durante a gravação de um longa-metragem da cineasta Eliane Caffé, nas instalações da ocupação Hotel Cambridge: “Percebemos o grande número de refugiados na ocupação, e a proximidade entre o brasileiro de baixa renda e o refugiado, ligados principalmente pelo problema da falta de moradia”, relata Eliane. Aquele grupo continuou a se encontrar e se fortaleceu, formando um coletivo de Imigrantes e Refugiados de diversas etnias.

Desses encontros e desse coletivo, surgiu a ideia de organizar o Fórum que teve como principal pauta o problema da obtenção de documentação, que impede que o refugiado fique em situação legal no país, e acarreta em outras dificuldades como a de alugar uma moradia, trabalhar e estudar, por exemplo.

O evento durou o dia todo, pela manhã, refugiados, movimento de moradia e entidades tiveram espaço para expor e problematizar o tema proposto. Pela tarde, os participantes foram divididos em grupos de trabalho para debater e procurar as possíveis soluções.

Pitchou Luhata Luambo

Pitchou Luhata Luambo, coordenador GRISTS, iniciou as falas da mesa “não estamos aqui para apontar os culpados, mas para achar soluções juntos. As casas que acolhem os refugiados ficaram pequenas, os três meses de acolhida não são o suficiente. A demora na emissão dos documentos faz com que, passado esse período, o refugiado não consiga alugar uma casa. Ficamos dependentes do movimento de moradia. Alguns não são bons e exploram o imigrante e o refugiado. Quando procuramos as autoridades, não temos respostas.”. Pitchou é advogado, no Brasil, trabalhava como operador de empilhadeira, sua documentação foi emitida com rapidez, em 10 meses, mas, passado um ano, quando foi renová-la, a demora e a burocracia do processo fez com que ele perdesse o emprego. Isso por que ficou sem carteira de motorista, indispensável para exercer o ofício.

Leonor Solano

Faltam pessoas e informação. Os refugiados reclamam que, além da demora, eles não sabem a quem recorrer e como proceder, a informação é escassa e de difícil acesso. Também relatam que a dificuldade nos últimos tempos aumentou, devido ao número de refugiados e imigrantes que chegam ao país. Leonor Solano é professora, trabalha em uma escola privada e se considera brasileira, mas reclama que não consegue fazer uso de benefícios como pró-uni e financiamentos na Caixa Econômica Federal. Aliás, o difícil acesso às universidade, para aqueles que querem retomar os estudos, e a dificuldade para a validação do diploma daqueles que já são formados, também foram levantados pelos imigrantes e refugiados.

Carmem Silva, liderança do MSTC e da FLM — Frente de Luta por Moradia, também participou da mesa. Dispensando o microfone “minha voz ecoa forte pelos meus direitos e pelos direitos dos meus irmãos”, Carmem lembrou que ela também já foi uma estrangeira no próprio país. Ela chegou em São Paulo no início da década de 90, vinda do nordeste em busca de melhores condições de vida. A cidade não foi receptiva e ela acabou em situação de rua, até que entrou para a FLM, “lá recuperei a minha dignidade”. Carmem pontua que, embora falasse a mesma língua, as barreiras principais que enfrentou, e que os imigrantes e refugiados enfrentam, são as culturais. “O movimento de moradia acolhe a todos, sem excluir ninguém. Tentamos ressocializar o indivíduo.”.

Carmem Silva

A líder relata que o movimento de moradia não só não recebe auxílio para ajudar esses imigrantes e refugiados, como acaba sendo ainda mais criminalizado pelos órgãos públicos: “Alegam nas reuniões de reintegração de posse que nossas ocupações estão cheias de estrangeiros. Não levam em conta que eles abrem as portas aos refugiados, sem lhes garantir estrutura nenhuma”.

A experiência do movimento com os imigrantes e refugiados começou tímida. No início eram poucos e principalmente latino-americanos. Nos últimos 3 anos o número cresceu, e as etnias e nacionalidades também. Haitianos, congoleses, nigerianos… chegam aos milhares em busca de acolhimento e oportunidades. No Fórum, havia representantes do Senegal, Mali, Burkina Faso, Gana, Argélia, Benim, Camarões e República Democrática do Congo.

De acordo com o CONARE, Comitê Nacional para os Refugiados, o Brasil possui atualmente 7.289 refugiados reconhecidos (outubro de 2014), de 81 nacionalidades distintas (25% deles são mulheres) — incluindo refugiados reassentados.

Alaôr Caffé Alves

O Professor Alaôr Caffé Alves, presente na mesa, defendeu que a emissão da documentação vai além das questões meramente legais: “está vinculado com a identidade e a reafirmação da identidade pessoal do imigrante/refugiado”. Para ele, outro atributo importante para a reafirmação do individuo e sua ressocialização é o trabalho. O professor também defende a importância da mobilização social: “é fundamental a organização. Pedir solidariedade é pouco. Só com a força social é possível pressionar o legislativo, para que ele adeque a legislação aos refugiados, imigrantes e sem-teto”.

Andrés Ramirez, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, ACNUR, também esteve presente. Ele pontuou que a cidade de São Paulo é a que mais recebe refugiados na América Latina, para ele, é preciso trabalhar também com a formação da população local “É preciso fazer um trabalho de conscientização, pois se a opinião pública ficar contra os imigrantes e refugiados, não existirão políticas públicas que sejam suficientes”.

 
Larissa Leite, representante da Cáritas Brasileira, organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), apresentou o aumento expressivo do número de imigrantes e refugiados no país, a as dificuldades que as organizações vêm enfrentando para dar atendimento aos refugiados, como a falta de advogados. “mas tivemos algumas melhorias, como, por exemplo, a emissão imediata do Protocolo (documento provisório que os refugiados recebem ao chegar ao país)”.

Também foram convidados para o evento membros do CONARE e da Polícia Federal, mas os responsáveis não puderam comparecer.

No período da tarde, os participantes do Fórum se dividiram em três grupos que debateram: legislação, comunicação e infraestrutura. As propostas foram apresentadas ao final do encontro e um documento elaborado em conjunto. O Manifesto Morar no Refúgio propõe, entre outras coisas, a criação de um Observatório Municipal de Políticas para Solicitantes de Refúgio. Outros encaminhamentos como um festival de Música dos Refugiados e um grupo de estudos sobre legislação também foram aprovados. O documento será entregue aos órgãos competentes e uma comissão acompanhará seus desdobramentos e cobrará as instâncias responsáveis.

Leia o manifesto:

Manifesto Morar no Refúgio

O Brasil vive hoje um grande desafio para a consolidação da sua democracia e Estado de Direito: o aumento do fluxo migratório ao país escancarou as lacunas existentes na estrutura estatal e legislativa para a garantia dos direitos da população solicitante de refúgio, refugiada emigrante em condição de igualdade com os nacionais. Os processos de regularização e de acesso à documentação são essenciais para que a garantia de tais direitos sejam efetivadas, e que os direitos a solicitar refúgio e migrar estejam de fato garantidos. É necessária a redução do tempo de tramitação da regularização, exigidos no processo decisório, a fim de reduzir a discricionariedade das autoridades estatais. Quanto maior o tempo para a obtenção de documentos, maior será a necessidade de acolhimento por parte do Estado. A documentação rápida permite ao solicitante de refúgio, refugiado e migrante o exercício de sua autonomia enquanto sujeito de direito. É sobre essa base que trazemos nossas demandas ao conhecimento das autoridades competentes.

Desafios institucionais e legislativos

Problema: As competências migratórias estão dispersas em diversos atores governamentais e administrativos que não dialogam entre si. Existe um viés de segurança trazido pela centralidade da atuação da Polícia Federal nos processos de refúgio e migração, o que prejudica o olhar dos direitos. Ainda, é necessário mais iniciativas em políticas públicas específicas para solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes nos âmbitos municipais e estaduais.

Proposta: Nova institucionalidade civil para lidar com os fenômenos das migrações no país, que respeite e explore os benefícios e responsabilidades do pacto federativo e afaste a Polícia Federal enquanto autoridade migratória.

Problema: A legislação migratória brasileira, da época da ditadura militar, restringe e burocratiza as possibilidades de regularização migratória, o que traz impacto direto no mecanismo de solicitação de refugio, que hoje é a via mais acessível e atrativa de regularização. Ainda, a legislação migratória é inconstitucional, ao diferenciar o acesso a direitos de acordo com a situação migratória. O Estatuto do Estrangeiro restringe o direito de associação e a liberdade de expressão da população migrante.

Propostas:

1. Criação de uma nova legislação migratória que incorpore a regularização e o acesso à documentação como um dever do Estado para a garantia de direitos, conferindo critérios claros e transparentes e flexibilidade aos procedimentos, reconhecendo a universalidade dos direitos humanos independente da situação migratória e de regularização;

2. Com relação ao PLS 288/2013, é necessário uma audiência pública para dialogar com o legislativo.

Problema: Dependência do protocolo de solicitação de refúgio por parte do solicitante para ter acesso a serviços devido à morosidade do processo decisório, que não possui critérios claros de processamento. Destes desafios, destacam‐se: dificuldades de renovação do protocolo, ausência de acesso à reunião familiar, restrição de acesso aos serviços públicos e moradia adequada. Tais problemas estão relacionados, ainda, com o desconhecimento geral de que o protocolo possui valor jurídico.

Propostas:

1. Campanha de sensibilização, nos âmbitos federal, Estadual e municipal, dos agentes públicos, privados e empregadores, com relação aos direitos dos solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes e com relação à validade jurídica do protocolo de solicitação de refúgio;

2. Maior agilidade do procedimento de solicitação de refúgio e respeito aos prazos, a fim de sanar as limitações trazidas pela condição de solicitante entre elas a reunião familiar;

3. Atenção às necessidades dos solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes que estão a mais tempo no país.

Desafios de serviço social

Problema: O setor público não possui profissionais capacitados (principalmente no tocante à língua) nem instrumentos para atendimento, compreensão das demandas dos solicitantes de refúgio, refugiados e imigrantes ou mecanismos que promovam uma integração efetiva.

Propostas:

1. Atendimento efetivo a solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes em diversos idiomas (incluindo, mas não apenas, Inglês, Espanhol, Francês, Árabe e Suaíli);

2. Capacitação (principalmente quanto a idiomas) dos agentes responsáveis pelo atendimento à população solicitante de refúgio, refugiada e migrante;

3. Recepção dos solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes por um interlocutor do poder público com proximidade linguística e cultural;

4. Recrutamento de solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes para atuar no Posto Humanizado da Secretaria de Assistência Social de Guarulhos (localizado no aeroporto internacional de Guarulhos);

5. Utilização de meios tecnológicos para tradução simultânea;

6. Ampliação de vagas em cursos de português para solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes;

7. Facilitação da validação de diplomas para solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes. É necessário que o Ministério da Educação (MEC) disponha de uma orientação única a todas as instituições de ensino, visando melhor eficácia de procedimentos. Também é necessária uma articulação entre os conselhos federais profissionais para que haja uma normativa específica quanto a estes procedimentos;

8. Ampliação do acesso a cursos de formação profissional, com criação de vagas especiais para solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes. É necessária a criação de uma normativa clara do MEC para que o protocolo de solicitação de refúgio seja aceito nas instituições de ensino.

9. Estabelecimento de políticas de estímulo à contratação de solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes, pelas instâncias relacionadas ao trabalho nos âmbitos federal, estadual e municipal.

Problema: O solicitante de refúgio, refugiado e migrante é muito pouco instruído quanto aos equipamentos existentes para seu acolhimento. A superlotação dos abrigos destinados à população solicitante de refúgio, refugiada e migrante e o escasso tempo de acolhimento, faz com que, muitas vezes, sejam direcionados para abrigos destinados à população em situação de rua.

Propostas:

1. Para efetivação da legislação existente, ficariam responsáveis por fazer a gestão de moradia provisória, com paridade entre brasileiros, solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes, os movimentos organizados de moradia já habilitados no Ministério das Cidades (nível federal), CDHU ‐ Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (nível estadual) e COHAB ‐ Companhia Metropolitana de Habitação (nível municipal);

2. Aumento de vagas em abrigos que atendem a população solicitante de refúgio, refugiada e migrante.

Problema: Desconhecimento de mecanismos de denúncia acerca de tratamento degradante ao solicitante de refúgio refugiado e migrante.

Proposta: Criação de um Observatório Municipal de Políticas para Solicitantes de Refúgio, Refugiados e Migrantes, com ampla composição e destaque para a participação da sociedade civil. Além de denúncia, o Observatório prestaria apoio ao agente de atendimento presencial e também daria orientações a respeito de processos e procedimentos relativos ao tema, e de trajetos e oportunidades. O Observatório integraria as instituições existentes que lidam com o tema e se vincularia ao Balcão de Atendimento da Secretaria Municipal de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo e demais ouvidorias especializadas ‐ a partir da definição de pontos focais sensibilizados para lidar com a temática.

Desafios de comunicação

Problema: Comunicação entre os representantes dos solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes para que possam difundir informações pertinentes;

Propostas:

1. Criação de meios integrados para comunicar instituições públicas e privadas (bancos, cartórios, hospitais, imobiliárias, dentre outros) sobre direitos e documentação de solicitantes de refúgio, refugiados e migrantes;

2. Criação de meios integrados para comunicar instituições que atuam com o tema, a fim de que se unam em esforço comum para resolução problemas, otimização das ações e efetivação de direitos;

3. Otimização das plataformas online existentes como canal de comunicação em rede para ações específicas relacionadas à temática, em diversos idiomas (incluindo, mas não apenas, Inglês, Espanhol, Francês, Árabe e Suaíli); Com intuito em continuar o diálogo, tendo por objetivo a implementação e efetivação das propostas apresentadas, manifestamos aqui nossas demandas.


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Campinas

Ocupação Mandela: após 10 dias de espera juiz despacha finalmente

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Depois de muita espera, dez dias após o encerramento do prazo para a saída das famílias da área que ocupam,  o juiz despacha no processo  de reintegração de posse contra da Comunidade Mandela, no interior de São Paulo.
No despacho proferido , o juiz do processo –  Cássio Modenesi Barbosa –  diz que  aguardará a manifestação do proprietário da área sobre eventual cumprimento de reintegração de posse. De acordo com o juiz, sua decisão será tomada após a manifestação do proprietário.
A Comunidade, que ocupa essa área na cidade de Campinas desde 2017,   lançou uma nota oficial na qual ressalta a profunda preocupação  em relação ao despacho  do juiz  em plena pandemia e faz apontamento importante: não houve qualquer deliberação sobre as petições do Ministério Público, da Defensoria Pública, dos Advogados das famílias e mesmo sobre o ofício da Prefeitura, em que todas solicitaram adiamento de qualquer reintegração de posse por conta da pandemia da Covid-19 e das especificidades do caso concreto.

Ainda na nota a Comunidade Mandela reforça:

“ Gostaríamos de reforçar que as famílias da Ocupação Nelson Mandela manifestaram intenção de compra da área e receberam parecer favorável do Ministério Público nos autos. Também está pendente a discussão sobre a possibilidade de regularização fundiária de interesse social na área atualmente ocupada, alternativa que se mostra menos onerosa já que a prefeitura não cumpriu o compromisso de implementar um loteamento urbanizado, conforme acordo firmado no processo. Seguimos buscando junto ao Poder público soluções que contemplem todos os moradores da Ocupação, nos colocando à disposição para que a negociação de compra da área pelas famílias seja realizada.”

Hoje também foi realizada uma atividade on-line  de Lançamento da Campanha Despejo Zero  em Campinas -SP (

https://tv.socializandosaberes.net.br/vod/?c=DespejoZeroCampinas) tendo  a Ocupação Mandela como  o centro da  discussão na cidade. A Campanha Despejo Zero  em Campinas  faz parte da mobilização nacional  em defesa da vida no campo e na cidade

Campinas  prorroga  a quarentena

Campinas acaba prorrogar a quarentena até 06 de outubro, a medida publicada na edição desta quinta-feira (10) do Diário Oficial. Prefeitura também oficializou veto para retomada de atividades em escolas da cidade.

 A  Comunidade Mandela e as ocupações

A Comunidade  Mandela luta desde 2016 por moradia e  desde então  tem buscado formas de diálogo e de inclusão em políticas  públicas habitacionais. Em 2017,  cerca de mais de 500 famílias que formavam a comunidade sofreram uma violenta reintegração de posse. Muitas famílias perderam tudo, não houve qualquer acolhimento do poder público. Famílias dormiram na rua, outras foram acolhidas por moradores e igrejas da região próxima à área que ocupavam.  Desde abril de 2017, as 108 famílias ocupam essa área na região do Jardim Ouro Verde.  O terreno não tem função social, também possui muitas irregularidades de documentação e de tributos com a municipalidade.  As famílias têm buscado acordos e soluções junto ao proprietário e a Prefeitura.
Leia mais sobre:  
https://jornalistaslivres.org/em-meio-a-pandemia-a-comunidade-mandela-amanhece-com-ameaca-de-despejo/

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Direitos Sociais

Renascer e Esperança: ocupações de moradia na linha de tiro

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Duas ocupações, uma de Trabalhadores Sem Tetos em Piracicaba e outra de Sem Terra em Araras fazem um apelo por terra e moradia, diante das ações de despejo que vem acontecendo durante a pandemia da COVID-19. As famílias da Comunidade Renascer e o Acampamento Esperança resistem, para que não haja tamanha tragédia, como houve no mês de maio deste ano, na Ocupação Taquaral no bairro Monte Líbano em Piracicaba.

No dia 7 de maio, por uma decisão judicial da juíza Fabíola Moretti, cerca de 50 famílias foram colocadas nas ruas em meio à pandemia, sem ajuda do poder público e colocando em risco, idosos, crianças e desempregados. Derrubaram as casas e bloquearam os pertences desses moradores por um mês, tudo para favorecer a especulação imobiliária patrocinada pela Prefeitura de Piracicaba e o Estado de São Paulo.

Regiana, antiga moradora da Ocupação Taquaral , ficou desempregada após o fechamento do Shopping Piracicaba no início da pandemia. 

“Derrubaram as nossas casas, nossas coisas ficaram um mês presas, levaram para um depósito particular e eu só consegui retirar com autorização do Juiz.” 

Regiana foi acolhida pela ocupação Renascer com seus 7 filhos, marido e mãe, há um mês e meio.

Regiana e três de seus sete filhos que moram na Ocupação Renascer.

                                         

A Comunidade Renascer, localizada na Zona Noroeste de Piracicaba, abriga desde janeiro de 2020, mais de 400 famílias. Essas pessoas, entre elas crianças, idosos e cadeirantes, são ameaçados, quase todos os dias logo pela manhã na ocupação, por policiais que rodeiam a ocupação e quando querem, sem aviso nenhum, invadem barracos com pontapés nas portas oprimindo moradores. É um enfrentamento diário pela vida em uma estrutura que cria a condição de pobreza e, ela própria, condena e marginaliza, sem qualquer parâmetro decente e humanista.

A ação de reintegração de posse contra a Comunidade Renascer foi pedida por 8 pessoas em março deste ano e o juiz Eduardo Velho Neto determinou o despejo contrariando o primeiro artigo 554 do código Processo Civil, deixando de intimar o Ministério Público e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, esse procedimento é obrigatório por ser uma ação contra coletivo de pessoas “hipossuficientes economicamente”.

Ocupação Renascer.

 

A cada minuto que passa, os moradores passam a se relacionar mais profundamente com seus vizinhos, sua casa e com a terra. Estão em amadurecimento, mais de cinco hortas de cuidado comunitário. 

Leonardo ao lado de uma das hortas que ele e sua família cuidam na Ocupação Renascer.

 

Vanessa e seu marido Leonardo, mais seus três filhos, Vítor, Richard e Lawane Eloá, fizeram a maior horta da comunidade. É a relação com a terra gerando valorização, autonomia e maior qualidade de vida para os moradores, intrinsecamente. O artista Pajé também morador da Renascer, pinta as frentes das casas, representando, individualmente, cada lar ali construído.

Leonardo e Vanessa, moradores da Ocupação Renascer.

 

Daisy Isidoro, uma das lideranças da Ocupação Renascer. É Técnica de Enfermagem e estudante de Direito.

 

Moradoras da Ocupação Renascer ao lado de uma das pinturas do artista Pajé, também morador.

 

 

A outra ordem de despejo que acontece simultaneamente é no Acampamento Esperança, localizado na zona rural de Araras. São pequenos sítios que foram ocupados há 10 anos em cima de uma linha de trem desativada. São pequenos agricultores, cerca de 30 famílias que estão há 8 meses sem água, por decisão do prefeito. Coincidentemente, na mesma época, o transporte escolar da área, também parou de circular.

Milton, morador do Acampamento Renascer e sua família que moram em cima da antiga estação de trem.

 

O mandado de reintegração de posse expedido pelo juiz Antônio César Hildebrand e Silva, ignora uma parte importantíssima do processo. Qualquer decisão sobre áreas ocupadas a mais de um ano, deve contar com uma audiência com todos os moradores. A advogada Marcela Bragaia (Renap – Rede Nacional dos Advogados e Advogadas Populares) que cuida, tanto do caso do Esperança, quanto da Renascer juntamente com a rede, explicou em uma assembléia com os moradores, como essa ordem de despejo viola os direitos.

“Todo processo de despejo de uma ocupação que tem mais de um ano, tem que ter uma audiência, as famílias têm que sentar junto com os juízes, Ministério Público, com a Defensoria e fazer uma conversa pra ver como é que vão ser as coisas. O juiz Antonio Cesar Hildebrand e Silva daqui de Araras tá passando por cima da lei”.

 

Qualquer pessoa que visite o local, percebe que os acampados moram la há anos. No entanto, o juiz Antônio César alega que a posse é nova. Deram 30 dias para desocupação voluntária e caso os moradores não saiam passivamente, a reintegração se dará com violência policial.

 

Esse mesmo juiz já decidiu pela reintegração de posse de uma parte da cerca particular da Usina São João (U.S.J Açúcar e Álcool) que faz divisa com a  área federal da Antiga Estação Ferroviária. As áreas são contíguas e a parte particular foi reintegrada. Hoje as famílias estão somente dentro da área federal.

O absurdo é que o mesmo juiz Antonio Cesar Hildebrand e Silva foi quem expediu o mandato de reintegração de posse para a Usina São João no processo nº 1003266-34.2018.8.26.0038 em 2018, deu também a decisão de reintegração atual no processo de reintegração nº 1002159-81.2020.8.26.0038. Portanto, ele sabe que as famílias estão há mais de um ano na área e mesmo assim ele decidiu contra a audiência de mediação.

Com todo esse descaso, as famílias ainda resistem ao perigo que é morar cercados por canaviais. Há dois anos atrás, uma queimada atingiu 105 alqueires e chegou a matar algumas de suas criações, prejudicando parte do sustento dessas famílias que vivem da agricultura de subsistência e dos seus animais.

O agrotóxico também é prejudicial, como nos contou o morador José Pereira, relatando que quando passam com a máquina de veneno, as plantas morrem.

 

José Pereira, morador do Acampamento Esperança.

José dos gatos, morador do Acampamento Esperança.

Um outro morador, Valdemir, nos relatou o altíssimo índice de dengue na região: 

“A gente percebe que pela cidade, pelos canaviais, são repletos de lixo. A gente tá com um índice de mais de 1.200 casos de dengue, fora os óbitos que teve por dengue hemorrágica ultimamente.” 

A Usina São João, que é dona daquelas terras e tem interesse direto na reintegração de posse, parece não se importar com os dejetos deixados nos arredores do Acampamento, sem qualquer iniciativa de prevenção sanitária.

Milton, morador do Esperança, é artista, ex-trabalhador da Usina e mora com a sua família na parte de cima da antiga estação. Parte dos acabamentos dela ainda estão no chão e nas paredes, assim como os resquícios dos trilhos no seu quintal. Ele escreveu uma carta, que levanta questionamentos diante dessa perseguição e relata sua revolta com o formato dessa estrutura, que os ameaça diariamente.

“Estão deixando pessoas idosas com depressão, pessoas que ajudaram na construção do nosso acampamento”.

Milton, morador do Acampamento Esperança.

 

A reintegração na Comunidade Taquaral foi violenta e o que está segurando a ação de despejos nessas duas ocupações, é a articulação e união dos moradores. Nessa segunda semana de julho, o co-deputado da Bancada Ativista Fernando Ferrari, passou por essas duas ocupações se solidarizando à luta dessas famílias por moradia. Essas duas ocupações se encontram vulneráveis e movimentos de moradia são bem-vindos para fortalecer e mobilizar. 

Piracicaba, município do Estado de São Paulo, segundo o SUP (mídia livre), está entre as 20 cidades mais ricas do interior paulista. Essa mesma cidade teve um aumento significativo de 10% da favelização nas últimas duas décadas.

 Enquanto não existirem políticas públicas e empreendimentos habitacionais populares que contemplem essas famílias, ocupações continuarão acontecendo na cidade como resposta à necessidade básica humana que é a moradia.

Na Comunidade Renascer, a Assistência Social prometeu um primeiro passo positivo, que pretende cadastrar todos os moradores na EMDHAP (Empresa Municipal de Desenvolvimento Habitacional de Piracicaba), utilizando o endereço da Comunidade, possibilitando o acesso a possíveis benefícios e auxílios do Governo Federal e Municipal.

                        

“Todos nós devemos nos preparar para combater

É o momento para trabalhar pela base

Mais embaixo pela base

Chamemos os nossos amigos mais dispostos

Tenhamos decisão

Mesmo que seja enfrentando a morte

Por que para viver com dignidade

Para conquistar o poder para o povo

Para viver em liberdade

Construir o socialismo, o progresso

Vale mais a disposição

Cada um deve aprender a lutar em sua defesa pessoal

Aumentar a sua resistência física

Subir ou descer

Numa escada de barrancos

A medida que se for organizando a luta revolucionária

A luta armada, a luta de guerrilha

Que já venha com a sua arma”

Carlos Marighella.

 

Link da matéria do SUP (Mídia Livre): https://medium.com/@serviodeutilidadepblica/comunidade-renascer-a-f%C3%AAnix-dos-despejos-e-especula%C3%A7%C3%A3o-imobili%C3%A1ria-em-piracicaba-sp-c1e038b60612

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Cidadania

Quilombola é Alcântara! Alcântara é quilombola!

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Quilombolas Alcantara

NOTA: ENTIDADES REPRESENTATIVAS E MEMBROS (AS) DE RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA E AFRO-BRASILEIRAS CONTRA RESOLUÇÃO N. 11 DE 26 DE MARÇO DE 2020

As entidades representativas e membros(as) de religiões de matriz africana e afro-brasileiras signatárias desta nota vem a público manifestar repúdio à Resolução nº 11/20 (GSI-PR), que institui a remoção forçada de 800 famílias e 30 comunidades quilombolas da cidade de Alcântara-MA, no conjunto de medidas tomadas no âmbito do Acordo de Salvaguarda Tecnológica firmada entre o Brasil e os Estados Unidos em 2019.

Na matriz de responsabilidades dos órgãos envolvidos no Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro, o documento informa que mais de 12 mil hectares serão utilizados pelo Centro de Lançamento, além da área atual da base, afetando ainda mais as comunidades que ocupam aquele território desde o século XVII.

Além desses pontos que em si representam uma grande tragédia humana e violação da dignidade coletiva dos quilombolas de Alcântara, o documento, em seu art. 6º, VIII, “a” e “b”, prevê “a implantação de espaços religiosos e a recomposição de áreas e instalações compatíveis com as existentes nos espaços hoje habitados pelos quilombolas, para a prática de atos religiosos”, e a implementação de “projeto de um museu dedicado aos aspectos históricos e culturais das comunidades quilombolas”.

Entendemos que os territórios quilombolas representam acima de tudo espaços civilizatórios de ancestralidade africana, de reterritorialização e de resistência secular às opressões sem medida perpetradas pela sociedade e pelo Estado em solo brasileiro. Sendo assim,reiteramos que os processos de deslocamentos e alterações de nossos espaços sagrados, no que tange as práticas religiosas de matriz africana, são efetuados mediante consultas aos nossos oráculos, sistemas adivinhatorios próprios e o consentimento de nossos ancestrais regentes de nossas casas de axé. Portanto, remeter essa tarefa ao aparato de Estado expõe nossa religiosidade ao risco de violação do nosso sagrado, ao mesmo tempo que nos aponta a possibilidade de termos a atenção voltada às outras denominações religiosas, tais como igrejas evangélicas e católicas e a negação das nossas religiões de Matriz Africana, como forma de dizimar nossa ancestralidade.

As religiões de matriz africana e afrobrasileiras concebem o zelo e a proteção dos lugares sagrados para além dos espaços físicos das casas de axé. O acesso ao mar, aos lagedos, as pedreiras, aos mangues, aos rios e as florestas, são vitais para sua sobrevivência. Tudo isso está ameaçado e não há como transportar caso haja remoção. Deste modo, não há que se falar em museu, implantação de espaços religiosos ou recomposição de áreas e instalações como suposta forma de reparação pelos danos materiais e imateriais causados à memória ancestral e coletiva daquelas comunidades, agravados com este novo processo de desterritorialização representado pela Resolução nº 11/20.

Em verdade, a resolução fere frontalmente a Convenção nº 169 da OIT, ao inviabilizar qualquer processo de consulta livre, prévia e informada às comunidades envolvidas; a Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216, que estabelecem o pleno respeito aos modos de criar, fazer e viver de comunidades tradicionais e grupos formadores da sociedade brasileira; e ao artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que assegura direitos às comunidades quilombolas ao reconhecimento da propriedade definitiva dos seus territórios.

Ressaltamos que o documento é sorrateiramente imposto em um momento de grave crise global provocada pela pandemia do COVID-19. A medida do governo federal agrava mais ainda a situação de vulnerabilidade e insegurança a que estão sujeitos os quilombolas de Alcântara após a assinatura do Acordo de Salvaguarda. Assim, mobilizamos toda a solidariedade em favor das comunidades quilombolas atingidas pela medida para manifestar nossa profunda discordância com o teor do documento e exigir sua imediata revogação.

Assinem e divulguem!

 

https://secure.avaaz.org/po/community_petitions/gabinete_de_seguranca_institucional_da_presidencia_nao_a_remocao_das_comunidades_quilombolas_de_alcantara_e_seus_espacos_sagrados/?ltlqOob

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