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Habitação

“Moradia se tornou sinônimo de mercadoria”, diz a ex-relatora da ONU Raquel Rolnik

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Em entrevista, a arquiteta fala sobre financeirização das políticas habitacionais em diversas partes do mundo

“A mudança de paradigma é que a moradia se transformou em um setor econômico, mais do que numa política social. Passa-se a enxergar o setor da produção residencial como uma das novas fronteiras de expansão do capital financeiro”, explica a arquiteta e ex-relatora da ONU para o Direito à Moradia Adequada, Raquel Rolnik.

Raquel Rolnik é professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAO-USP). Foi relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU para o Direito à Moradia Adequada, por dois mandatos (2008–2011, 2011–2014). Também atuou como diretora de Planejamento da Cidade de São Paulo, coordenadora de Urbanismo do Instituto Pólis e secretária nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades.

Em entrevista aos Jornalistas Livres e ao Brasil de Fato, durante sua participação no Circo da Democracia, Rolnik fala sobre a financeirização a partir das transformações nas políticas habitacionais em diversas partes do mundo, tema de seu novo livro “Guerra dos Lugares”, recém-lançado em Curitiba. “A mudança de paradigma é que a moradia se transformou em um setor econômico, mais do que numa política social. Passa-se a enxergar o setor da produção residencial como uma das novas fronteiras de expansão do capital financeiro”, explica a arquiteta.

No Brasil, segundo a ex-relatora da ONU, essa mudança de paradigma acontece com forte liderança e subsídio do Estado, inclusive avançando sobre os fundos públicos dos trabalhadores para o financiamento de grandes obras, como é o caso do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro, que teve maciça injeção de recursos do FGTS.

O elemento fundamental desse processo, de acordo com ela, é a oferta de acesso de compra via crédito para a casa própria aos mais pobres. “Há um paradoxo na ‘era Lula’. Ao mesmo tempo em que se ensaia talvez pela primeira vez a implantação de um Estado de bem-estar social com a expansão das políticas públicas e de uma rede de proteção social, ela se dá através de um modelo que traz consigo toda a lógica da financeirização”, lamenta Rolnik, sinalizando também as ameaças e perigos da atual conjuntura para a o direito à moradia e à cidade.

Confira a entrevista.

Jornalistas Livres/Brasil de Fato  — Seu livro mais recente, “Guerra dos Lugares” fala sobre o impacto da financeirização nas políticas públicas de vários países pelos quais você passou durante dois mandatos consecutivos como relatora especial da ONU. Em primeiro lugar, o que devemos entender por financeirização, neste contexto?

Raquel Rolnik  — Meu mandato na ONU começou em 2008 e, imediatamente, estourou a crise financeira e hipotecária nos Estados Unidos, que gerou um efeito dominó em vários países. E os primeiros relatos que chegaram até mim, com denuncias de violações de direitos, eram sobre os atingidos por esta crise. Eu precisei começar a entender o que estava se passando no mundo, para além de verificar a situação das famílias e a vulnerabilidade em que se encontravam. Precisei compreender a conexão entre o que essas famílias estavam vivendo e a crise financeira.

O que aconteceu nos EUA também aconteceu na Espanha, na Irlanda e no Casaquistão, por exemplo. Quando cheguei no Casaquistão, me deparei com uma greve de fome de pessoas sem casa, que não tinham nada. Começamos a entender que isso não aconteceu só nos Estados Unidos, mas fazia parte de um processo global. A entrada da minha pesquisa sobre a financeirização foi por aí, via o processo de transformação das políticas habitacionais no planeta, que possui diferentes versões.

A mudança de paradigma é que a moradia se transformou em um setor econômico. Passa-se a enxergar a produção residencial como uma das novas fronteiras de expansão do capital financeiro, com um papel de destaque para o crédito hipotecário. Mas eu diria que entre o crédito hipotecário dos EUA e dos países europeus e o microcrédto da favela, que é outro extremo, nos deparamos com uma enorme variação de formas e modelos.

O elemento fundamental, porém, o acesso à habitação via crédito para a casa própria — isso já acontece pelo menos desde os anos 30 nos EUA -, mas que esse mercado se expanda na direção dos mais pobres. A moradia se transforma em sinônimo de mercadoria e de ativo financeiro, deixando de ser algo historicamente definido como política social, numa perspectiva de universalização, assim com ocorre com a educação e com a saúde.

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JL/BDF — Mas então, em que essa fase do capitalismo se difere das anteriores?

RR  — Essa é a fase da hegemonia da lógica financeira na definição do destino das cidades: do que, de onde e de como será produzido, única e exclusivamente pautando-se na lógica do fluxo de rentabilidade futura. Ela é muito diferente do fordismo e da era industrial, em que as perguntas eram ‘como expandir mercado?’, ‘como produzir mais’? e ‘como vender mais?’. A pergunta fundamental agora é onde posso investir capital excedente global, que é fruto da mais valia global e que fica pairando sobre o planeta, procurando permanentemente oportunidades que permitam que ele seja remunerado através dos juros. Por isso se fala em ‘Wall of Money’.

Para dar um exemplo, o fundo de investimento da Apple — o que a Apple precisava investir para gerar juros — é maior do que a reserva do Banco Central da Alemanha. Isso acaba sendo o determinante das políticas em geral das grandes empresas. Aquilo que a Apple vai usar do seu fundo de investimento para reinvestir em tecnologia ou produção é um percentual ínfimo, e o resto fica pairando por aí como uma nuvem procurando ativos.

A questão — e aí é que está o link entre finaceirização e transformação urbanística, na qual a moradia é um elemento importante — é que o espaço urbano é um campo particularmente interessante e adequado para o circuito financeiro. Ao contrário do jogo especulativo de ações que podem virar pó do dia para a noite, o espaço construído pode perder ou ganhar valor, mas não some. Em segundo lugar, ele é tipicamente algo que pode acolher investimento de longo prazo, mesmo em um espaço mal construído. Finalmente, a terra e o espaço podem funcionar como garantia de empréstimos. Então, são ativos para alavancar mais dinheiro.

JL/BDF  — Muitos avaliam que estamos experimentando, no Brasil, um momento de neodesenvolvimentismo e não propriamente de financeirização no modelo dos Estados Unidos e de países europeus. Como você enxerga isso?

RR  — De fato é muito diferente. E de fato há uma controvérsia sobre o quanto se pode falar em financeirização da moradia no Brasil. Primeiro, porque o controle da produção de espaço pelas finanças é um processo que está em curso, mas começa no país já no final dos anos 1990. Ou seja, com um timing diferente dos Estados Unidos e dos países centrais europeus. E outra característica especifica é que hoje ele se dá, aqui, muito mais na construção do espaço comercial do que no espaço residencial. A produção residencial no Brasil é muito pouco financeirizada.

Um dos elemento fundamentais que gerou a crise financeira e hipotecária nos Estados unidos, na Espanha e em alguns outros países é a chamada securitização. Isso significa que a pessoa pega um empréstimo para comprar uma casa ou apartamento e essa casa ou apartamento ficam como garantia. O banco que gera o empréstimo não fica com essa hipoteca, mas vende a expectativa das prestações futuras que essa pessoa irá pagar para um outro investidor. E este outro investidor irá empacotar esses créditos com a expectativa futura de valorização de outras commodities — e irá vender para terceiros, de modo que a relação que se estabelecia entre a pessoa e o lugar começa a circular como um ‘paper’ em um circuito completamente abstrato. Assim, vinculou-se muito mais a relação das famílias com o seu lugar de moradia ao circuito financeiro global. No Brasil, quase não se tem esta securitização do crédito.

Destruição das políticas sociais

A partir de 2005 e 2006, vivemos uma expansão do crédito para consumo que se transformou numa grande expansão do crédito para a moradia, através do programa ‘Minha Casa, Minha Vida’, que subsidia segmentos com menor renda. Isso significa também uma ampliação das fronteiras do capital financeirizado na direção dos mais pobres.

Embora a hipoteca fique circulando, as pessoas é que estão endividadas. Isso é uma característica do processo de financeirização, que no Brasil ainda não se completou, mas está em curso. Enquanto os imóveis estavam valorizando, como no caso dos EUA e de outros países da Europa, as pessoas até hipotecavam duplamente ou triplamente a casa para pagar a universidade do filho ou para comprar um carro.

O mercado financeiro é um jogo, tem seus riscos, ele sobe e desce. Na hora que desceu e o castelo de cartas começou a desabar, foram as pessoas endividadas que foram atingidas, porque não podiam pagar prestações, perderam sua moradia. Aquele sistema de proteção social que existia antes para atender às necessidades dos mais pobres havia sido completamente desmontado. Muitos foram para as ruas.

É muito importante entender que estamos falando da construção de uma política [de mercado], mas, sobretudo, da destruição de outras [sociais]. E estamos vivendo isso de modo muito forte no Brasil hoje. Não é só a política que foi destruída, mas todo o imaginário social vinculado à ideia desta política. Aqui no Brasil nunca houve Estado de bem-estar social, mas a gente viveu uma expectativa consagrada na Constituinte de 1988 da construção desse Estado de bem-estar social. Portanto, a destruição desse imaginário é muito radical. E isso também é desmontado em nome de uma sociedade 100% estruturada através da lógica do mercado, da rentabilidade e do investimento.

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JL/BDF  — Na atual conjuntura política, com o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, já existem medidas que aprofundam esse processo de financeirização ou que ameaçam o direito à moradia?

RR  — Primeiro, é importante dizer que houve um paradoxo durante a era Lula. Não gosto de chamar o momento que vivemos no Brasil de ‘neodesenvolvimentismo’, porque ao mesmo tempo em que se ensaia talvez pela primeira vez a implantação de um Estado de bem-estar social através do aumento de uma intervenção forte do Estado na disponibilização de políticas sociais ou de uma rede de proteção social, ele se dá através de um modelo que traz consigo toda a lógica da financeirização.

Isso não aconteceu apenas na política de moradia, mas na política de educação também. Houve uma inclusão educacional, com expansão das vagas das universidades públicas, o que foi extremamente importante. Mas o grande movimento de inclusão foi através do Prouni, que é o subsídio para a aquisição de um produto educacional fornecido não por instituições educacionais mas por um fundo de investimento global, porque o setor educacional privado é um dos mais financeirizados do Brasil. Assim como a saúde, com os hospitais.

Esse processo de transformação do paradigma das políticas públicas — ao contrário do que alegam os propagandeadores do neoliberalismo, ao defenderem um Estado fraco e a entrada irrestrita do mercado — tem a participação ativa, a liderança, a condução e o financiamento por parte do Estado. No Brasil, mais ainda do que nos Estados Unidos e na Europa. Acredito que o exemplo mais eloquente seja o do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro. É o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o FGTS, dos trabalhadores, que financiou uma operação urbana de ampliação da fronteira do complexo imobiliário-financeiro no Rio de Janeiro. Essa é a contradição. Minha leitura é que chegou uma hora em que não se precisava mais do pedaço “redistribuição”, porque o marco regulatório da financeirização já está todo armado.

Olhando na perspectiva internacional, é possível entender o caminho que o Brasil foi construindo nessa direção, embora ele, contraditoriamente, apostasse na outra. Mas isso era insustentável e uma hora iria explodir. E explodiu da pior maneira, através de um golpe de Estado. Jamais as elites brasileiras e os pontas de lança do neoliberalismo iriam ganhar as eleições. Apesar disso, não podemos deixar de apontar todos os passos que foram dados durante a era Lula na direção de abrir espaço para a penetração do capital financeiro global.

JL/BDF  — Em seu livro, você descreve situações delicadas pelas quais passou como relatora da ONU, como quando autoridades britânicas questionaram sua atuação por ser ‘uma mulher e de um país do sul’. O que significou essa experiência na sua trajetória?

RR  — Vou fazer um depoimento muito pessoal. Eu nunca havia tido, até a relatoria, qualquer tipo de militância feminista. E aqui há uma questão de classe, porque tive que enfrentar talvez poucas barreiras na vida em relação à maior parte das mulheres.

Além disso, pela minha origem de imigrante polonesa- criada em ambiente multicultural, multilinguístico e cosmopolita-, me via como uma cidadã do mundo. Era difícil me enxergar como brasileira, antes de mais nada.

Para mim foi um enorme choque quando cheguei na Inglaterra. Em todos os países adotei esta postura: examinei, visitei os governos, conversei com comunidades, realizei audiência públicas e, no final, de forma muito independente, me manifestei sobre as situações de violação de direito à moradia que estavam ocorrendo.

Mas o Reino Unido foi o único lugar em que o governo não gostou do que falei e que a reação do partido foi de questionamento. Como era possível- e foi nesses termos- uma mulher brasileira, de um país marcado pela presença de favelas e pela falta de saneamento, ousar emitir qualquer opinião crítica sobre a política habitacional britânica? Afinal de contas, o que se pensa é que o papel dos países do sul, na sua condição de subalternidade no cenário internacional, é almejar implantar as políticas dos países europeus.

Naquele momento me caiu uma ficha sobre a própria posição de subalternidade em que nos colocamos como pensadores e militantes, como se fosse impossível sairmos dessa posição.

Foi importante para pensamos, inclusive, nos próprios modelos e nos caminhos que a gente tem que seguir. E senti o estigma de ser mulher. Evidentemente, eu sei que aquela foi a velha estratégia do “shoot de mesanger”: quando não se gosta da notícia que o mensageiro traz, você desconstitui o mensageiro. Entramos em conexão com pessoas que estavam sendo extremamente violadas e cujas vozes estavam sendo reprimidas. A presença da relatoria da ONU confirmando essas violações gerou grande repercussão na política interna.

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Fotos: Leandro Taques/Jornalistas Livres

  • Thiago Hoshino é doutorando em direito na UFPR e pesquisador do INCT Observatório das Metrópoles.

Campinas

Ocupação Mandela: após 10 dias de espera juiz despacha finalmente

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Depois de muita espera, dez dias após o encerramento do prazo para a saída das famílias da área que ocupam,  o juiz despacha no processo  de reintegração de posse contra da Comunidade Mandela, no interior de São Paulo.
No despacho proferido , o juiz do processo –  Cássio Modenesi Barbosa –  diz que  aguardará a manifestação do proprietário da área sobre eventual cumprimento de reintegração de posse. De acordo com o juiz, sua decisão será tomada após a manifestação do proprietário.
A Comunidade, que ocupa essa área na cidade de Campinas desde 2017,   lançou uma nota oficial na qual ressalta a profunda preocupação  em relação ao despacho  do juiz  em plena pandemia e faz apontamento importante: não houve qualquer deliberação sobre as petições do Ministério Público, da Defensoria Pública, dos Advogados das famílias e mesmo sobre o ofício da Prefeitura, em que todas solicitaram adiamento de qualquer reintegração de posse por conta da pandemia da Covid-19 e das especificidades do caso concreto.

Ainda na nota a Comunidade Mandela reforça:

“ Gostaríamos de reforçar que as famílias da Ocupação Nelson Mandela manifestaram intenção de compra da área e receberam parecer favorável do Ministério Público nos autos. Também está pendente a discussão sobre a possibilidade de regularização fundiária de interesse social na área atualmente ocupada, alternativa que se mostra menos onerosa já que a prefeitura não cumpriu o compromisso de implementar um loteamento urbanizado, conforme acordo firmado no processo. Seguimos buscando junto ao Poder público soluções que contemplem todos os moradores da Ocupação, nos colocando à disposição para que a negociação de compra da área pelas famílias seja realizada.”

Hoje também foi realizada uma atividade on-line  de Lançamento da Campanha Despejo Zero  em Campinas -SP (

https://tv.socializandosaberes.net.br/vod/?c=DespejoZeroCampinas) tendo  a Ocupação Mandela como  o centro da  discussão na cidade. A Campanha Despejo Zero  em Campinas  faz parte da mobilização nacional  em defesa da vida no campo e na cidade

Campinas  prorroga  a quarentena

Campinas acaba prorrogar a quarentena até 06 de outubro, a medida publicada na edição desta quinta-feira (10) do Diário Oficial. Prefeitura também oficializou veto para retomada de atividades em escolas da cidade.

 A  Comunidade Mandela e as ocupações

A Comunidade  Mandela luta desde 2016 por moradia e  desde então  tem buscado formas de diálogo e de inclusão em políticas  públicas habitacionais. Em 2017,  cerca de mais de 500 famílias que formavam a comunidade sofreram uma violenta reintegração de posse. Muitas famílias perderam tudo, não houve qualquer acolhimento do poder público. Famílias dormiram na rua, outras foram acolhidas por moradores e igrejas da região próxima à área que ocupavam.  Desde abril de 2017, as 108 famílias ocupam essa área na região do Jardim Ouro Verde.  O terreno não tem função social, também possui muitas irregularidades de documentação e de tributos com a municipalidade.  As famílias têm buscado acordos e soluções junto ao proprietário e a Prefeitura.
Leia mais sobre:  
https://jornalistaslivres.org/em-meio-a-pandemia-a-comunidade-mandela-amanhece-com-ameaca-de-despejo/

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Direitos Sociais

Renascer e Esperança: ocupações de moradia na linha de tiro

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Duas ocupações, uma de Trabalhadores Sem Tetos em Piracicaba e outra de Sem Terra em Araras fazem um apelo por terra e moradia, diante das ações de despejo que vem acontecendo durante a pandemia da COVID-19. As famílias da Comunidade Renascer e o Acampamento Esperança resistem, para que não haja tamanha tragédia, como houve no mês de maio deste ano, na Ocupação Taquaral no bairro Monte Líbano em Piracicaba.

No dia 7 de maio, por uma decisão judicial da juíza Fabíola Moretti, cerca de 50 famílias foram colocadas nas ruas em meio à pandemia, sem ajuda do poder público e colocando em risco, idosos, crianças e desempregados. Derrubaram as casas e bloquearam os pertences desses moradores por um mês, tudo para favorecer a especulação imobiliária patrocinada pela Prefeitura de Piracicaba e o Estado de São Paulo.

Regiana, antiga moradora da Ocupação Taquaral , ficou desempregada após o fechamento do Shopping Piracicaba no início da pandemia. 

“Derrubaram as nossas casas, nossas coisas ficaram um mês presas, levaram para um depósito particular e eu só consegui retirar com autorização do Juiz.” 

Regiana foi acolhida pela ocupação Renascer com seus 7 filhos, marido e mãe, há um mês e meio.

Regiana e três de seus sete filhos que moram na Ocupação Renascer.

                                         

A Comunidade Renascer, localizada na Zona Noroeste de Piracicaba, abriga desde janeiro de 2020, mais de 400 famílias. Essas pessoas, entre elas crianças, idosos e cadeirantes, são ameaçados, quase todos os dias logo pela manhã na ocupação, por policiais que rodeiam a ocupação e quando querem, sem aviso nenhum, invadem barracos com pontapés nas portas oprimindo moradores. É um enfrentamento diário pela vida em uma estrutura que cria a condição de pobreza e, ela própria, condena e marginaliza, sem qualquer parâmetro decente e humanista.

A ação de reintegração de posse contra a Comunidade Renascer foi pedida por 8 pessoas em março deste ano e o juiz Eduardo Velho Neto determinou o despejo contrariando o primeiro artigo 554 do código Processo Civil, deixando de intimar o Ministério Público e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, esse procedimento é obrigatório por ser uma ação contra coletivo de pessoas “hipossuficientes economicamente”.

Ocupação Renascer.

 

A cada minuto que passa, os moradores passam a se relacionar mais profundamente com seus vizinhos, sua casa e com a terra. Estão em amadurecimento, mais de cinco hortas de cuidado comunitário. 

Leonardo ao lado de uma das hortas que ele e sua família cuidam na Ocupação Renascer.

 

Vanessa e seu marido Leonardo, mais seus três filhos, Vítor, Richard e Lawane Eloá, fizeram a maior horta da comunidade. É a relação com a terra gerando valorização, autonomia e maior qualidade de vida para os moradores, intrinsecamente. O artista Pajé também morador da Renascer, pinta as frentes das casas, representando, individualmente, cada lar ali construído.

Leonardo e Vanessa, moradores da Ocupação Renascer.

 

Daisy Isidoro, uma das lideranças da Ocupação Renascer. É Técnica de Enfermagem e estudante de Direito.

 

Moradoras da Ocupação Renascer ao lado de uma das pinturas do artista Pajé, também morador.

 

 

A outra ordem de despejo que acontece simultaneamente é no Acampamento Esperança, localizado na zona rural de Araras. São pequenos sítios que foram ocupados há 10 anos em cima de uma linha de trem desativada. São pequenos agricultores, cerca de 30 famílias que estão há 8 meses sem água, por decisão do prefeito. Coincidentemente, na mesma época, o transporte escolar da área, também parou de circular.

Milton, morador do Acampamento Renascer e sua família que moram em cima da antiga estação de trem.

 

O mandado de reintegração de posse expedido pelo juiz Antônio César Hildebrand e Silva, ignora uma parte importantíssima do processo. Qualquer decisão sobre áreas ocupadas a mais de um ano, deve contar com uma audiência com todos os moradores. A advogada Marcela Bragaia (Renap – Rede Nacional dos Advogados e Advogadas Populares) que cuida, tanto do caso do Esperança, quanto da Renascer juntamente com a rede, explicou em uma assembléia com os moradores, como essa ordem de despejo viola os direitos.

“Todo processo de despejo de uma ocupação que tem mais de um ano, tem que ter uma audiência, as famílias têm que sentar junto com os juízes, Ministério Público, com a Defensoria e fazer uma conversa pra ver como é que vão ser as coisas. O juiz Antonio Cesar Hildebrand e Silva daqui de Araras tá passando por cima da lei”.

 

Qualquer pessoa que visite o local, percebe que os acampados moram la há anos. No entanto, o juiz Antônio César alega que a posse é nova. Deram 30 dias para desocupação voluntária e caso os moradores não saiam passivamente, a reintegração se dará com violência policial.

 

Esse mesmo juiz já decidiu pela reintegração de posse de uma parte da cerca particular da Usina São João (U.S.J Açúcar e Álcool) que faz divisa com a  área federal da Antiga Estação Ferroviária. As áreas são contíguas e a parte particular foi reintegrada. Hoje as famílias estão somente dentro da área federal.

O absurdo é que o mesmo juiz Antonio Cesar Hildebrand e Silva foi quem expediu o mandato de reintegração de posse para a Usina São João no processo nº 1003266-34.2018.8.26.0038 em 2018, deu também a decisão de reintegração atual no processo de reintegração nº 1002159-81.2020.8.26.0038. Portanto, ele sabe que as famílias estão há mais de um ano na área e mesmo assim ele decidiu contra a audiência de mediação.

Com todo esse descaso, as famílias ainda resistem ao perigo que é morar cercados por canaviais. Há dois anos atrás, uma queimada atingiu 105 alqueires e chegou a matar algumas de suas criações, prejudicando parte do sustento dessas famílias que vivem da agricultura de subsistência e dos seus animais.

O agrotóxico também é prejudicial, como nos contou o morador José Pereira, relatando que quando passam com a máquina de veneno, as plantas morrem.

 

José Pereira, morador do Acampamento Esperança.

José dos gatos, morador do Acampamento Esperança.

Um outro morador, Valdemir, nos relatou o altíssimo índice de dengue na região: 

“A gente percebe que pela cidade, pelos canaviais, são repletos de lixo. A gente tá com um índice de mais de 1.200 casos de dengue, fora os óbitos que teve por dengue hemorrágica ultimamente.” 

A Usina São João, que é dona daquelas terras e tem interesse direto na reintegração de posse, parece não se importar com os dejetos deixados nos arredores do Acampamento, sem qualquer iniciativa de prevenção sanitária.

Milton, morador do Esperança, é artista, ex-trabalhador da Usina e mora com a sua família na parte de cima da antiga estação. Parte dos acabamentos dela ainda estão no chão e nas paredes, assim como os resquícios dos trilhos no seu quintal. Ele escreveu uma carta, que levanta questionamentos diante dessa perseguição e relata sua revolta com o formato dessa estrutura, que os ameaça diariamente.

“Estão deixando pessoas idosas com depressão, pessoas que ajudaram na construção do nosso acampamento”.

Milton, morador do Acampamento Esperança.

 

A reintegração na Comunidade Taquaral foi violenta e o que está segurando a ação de despejos nessas duas ocupações, é a articulação e união dos moradores. Nessa segunda semana de julho, o co-deputado da Bancada Ativista Fernando Ferrari, passou por essas duas ocupações se solidarizando à luta dessas famílias por moradia. Essas duas ocupações se encontram vulneráveis e movimentos de moradia são bem-vindos para fortalecer e mobilizar. 

Piracicaba, município do Estado de São Paulo, segundo o SUP (mídia livre), está entre as 20 cidades mais ricas do interior paulista. Essa mesma cidade teve um aumento significativo de 10% da favelização nas últimas duas décadas.

 Enquanto não existirem políticas públicas e empreendimentos habitacionais populares que contemplem essas famílias, ocupações continuarão acontecendo na cidade como resposta à necessidade básica humana que é a moradia.

Na Comunidade Renascer, a Assistência Social prometeu um primeiro passo positivo, que pretende cadastrar todos os moradores na EMDHAP (Empresa Municipal de Desenvolvimento Habitacional de Piracicaba), utilizando o endereço da Comunidade, possibilitando o acesso a possíveis benefícios e auxílios do Governo Federal e Municipal.

                        

“Todos nós devemos nos preparar para combater

É o momento para trabalhar pela base

Mais embaixo pela base

Chamemos os nossos amigos mais dispostos

Tenhamos decisão

Mesmo que seja enfrentando a morte

Por que para viver com dignidade

Para conquistar o poder para o povo

Para viver em liberdade

Construir o socialismo, o progresso

Vale mais a disposição

Cada um deve aprender a lutar em sua defesa pessoal

Aumentar a sua resistência física

Subir ou descer

Numa escada de barrancos

A medida que se for organizando a luta revolucionária

A luta armada, a luta de guerrilha

Que já venha com a sua arma”

Carlos Marighella.

 

Link da matéria do SUP (Mídia Livre): https://medium.com/@serviodeutilidadepblica/comunidade-renascer-a-f%C3%AAnix-dos-despejos-e-especula%C3%A7%C3%A3o-imobili%C3%A1ria-em-piracicaba-sp-c1e038b60612

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Cidadania

Quilombola é Alcântara! Alcântara é quilombola!

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Quilombolas Alcantara

NOTA: ENTIDADES REPRESENTATIVAS E MEMBROS (AS) DE RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA E AFRO-BRASILEIRAS CONTRA RESOLUÇÃO N. 11 DE 26 DE MARÇO DE 2020

As entidades representativas e membros(as) de religiões de matriz africana e afro-brasileiras signatárias desta nota vem a público manifestar repúdio à Resolução nº 11/20 (GSI-PR), que institui a remoção forçada de 800 famílias e 30 comunidades quilombolas da cidade de Alcântara-MA, no conjunto de medidas tomadas no âmbito do Acordo de Salvaguarda Tecnológica firmada entre o Brasil e os Estados Unidos em 2019.

Na matriz de responsabilidades dos órgãos envolvidos no Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro, o documento informa que mais de 12 mil hectares serão utilizados pelo Centro de Lançamento, além da área atual da base, afetando ainda mais as comunidades que ocupam aquele território desde o século XVII.

Além desses pontos que em si representam uma grande tragédia humana e violação da dignidade coletiva dos quilombolas de Alcântara, o documento, em seu art. 6º, VIII, “a” e “b”, prevê “a implantação de espaços religiosos e a recomposição de áreas e instalações compatíveis com as existentes nos espaços hoje habitados pelos quilombolas, para a prática de atos religiosos”, e a implementação de “projeto de um museu dedicado aos aspectos históricos e culturais das comunidades quilombolas”.

Entendemos que os territórios quilombolas representam acima de tudo espaços civilizatórios de ancestralidade africana, de reterritorialização e de resistência secular às opressões sem medida perpetradas pela sociedade e pelo Estado em solo brasileiro. Sendo assim,reiteramos que os processos de deslocamentos e alterações de nossos espaços sagrados, no que tange as práticas religiosas de matriz africana, são efetuados mediante consultas aos nossos oráculos, sistemas adivinhatorios próprios e o consentimento de nossos ancestrais regentes de nossas casas de axé. Portanto, remeter essa tarefa ao aparato de Estado expõe nossa religiosidade ao risco de violação do nosso sagrado, ao mesmo tempo que nos aponta a possibilidade de termos a atenção voltada às outras denominações religiosas, tais como igrejas evangélicas e católicas e a negação das nossas religiões de Matriz Africana, como forma de dizimar nossa ancestralidade.

As religiões de matriz africana e afrobrasileiras concebem o zelo e a proteção dos lugares sagrados para além dos espaços físicos das casas de axé. O acesso ao mar, aos lagedos, as pedreiras, aos mangues, aos rios e as florestas, são vitais para sua sobrevivência. Tudo isso está ameaçado e não há como transportar caso haja remoção. Deste modo, não há que se falar em museu, implantação de espaços religiosos ou recomposição de áreas e instalações como suposta forma de reparação pelos danos materiais e imateriais causados à memória ancestral e coletiva daquelas comunidades, agravados com este novo processo de desterritorialização representado pela Resolução nº 11/20.

Em verdade, a resolução fere frontalmente a Convenção nº 169 da OIT, ao inviabilizar qualquer processo de consulta livre, prévia e informada às comunidades envolvidas; a Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216, que estabelecem o pleno respeito aos modos de criar, fazer e viver de comunidades tradicionais e grupos formadores da sociedade brasileira; e ao artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que assegura direitos às comunidades quilombolas ao reconhecimento da propriedade definitiva dos seus territórios.

Ressaltamos que o documento é sorrateiramente imposto em um momento de grave crise global provocada pela pandemia do COVID-19. A medida do governo federal agrava mais ainda a situação de vulnerabilidade e insegurança a que estão sujeitos os quilombolas de Alcântara após a assinatura do Acordo de Salvaguarda. Assim, mobilizamos toda a solidariedade em favor das comunidades quilombolas atingidas pela medida para manifestar nossa profunda discordância com o teor do documento e exigir sua imediata revogação.

Assinem e divulguem!

 

https://secure.avaaz.org/po/community_petitions/gabinete_de_seguranca_institucional_da_presidencia_nao_a_remocao_das_comunidades_quilombolas_de_alcantara_e_seus_espacos_sagrados/?ltlqOob

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