Depois de passar quatro meses sendo acusado injustamente de roubo, Lucas Bispo da Silva, de 19 anos, foi julgado inocente por falta de provas. Ele passou mais de um mês, na virada do ano, no Centro de Detenção Provisória 2 (CDPII) de Guarulhos. Silva conseguiu liberdade provisória em janeiro, mas ainda respondia pelo crime.
No último dia 5 de março, o juiz Rodrigo César Müller Valente, da 2ª Vara Criminal de São Paulo, decidiu arquivar o processo em decisão na qual julgou “improcedente a ação penal”. Para ele, que acompanhou a recomendação do Ministério Público, faltaram provas para considerar Silva culpado. Na decisão afirma: “conclui-se que os policiais não confirmaram a narrativa inicial do flagrante, pelo contrário, ensejaram fundadas dúvidas sobre as circunstâncias da apreensão da motocicleta roubada e posterior abordagem do réu em seu local de trabalho”.
Silva não entende o motivo do erro. “Até hoje fico me perguntando: por quê comigo? Eu sempre acordei cedo e trabalho desde os 13 anos. Talvez eu seja parecido com o autor do roubo… Não sei… Mas sei que isso me prejudicou demais. Passei natal e ano novo longe da minha família e fique sem poder trabalhar na melhor época do ano, quando faço mais dinheiro. Só que agora vou atrás dos meus direitos!”
Na decisão, o juiz ainda aponta que o reconhecimento da vítima teve problemas. “Tem-se tão-somente o reconhecimento pessoal procedido na lavratura do flagrante, não confirmado sob o contraditório. A vítima inquirida por carta precatória não confirmou o reconhecimento do suspeito”.
Relembre o caso
Na manhã do dia 13 de dezembro de 2019 Silva foi para o salão onde trabalhava, como era sua rotina. Mais tarde naquele dia os policiais Marcos Fernando e Adriano de Oliveira Silva foram até o salão e pediram para que o jovem os acompanhasse até a 95º Delegacia de Polícia (D.P.) em Heliópolis. Silva, informado que só esclareceria alguma questão relativa a um roubo na região, concordou em ir.
Um colega de Silva, que presenciou a abordagem dos PMs no salão, contou em uma carta como se deu a cena
“Conforme nossa rotina, estávamos exercendo nossa função como barbeiros em nosso local de trabalho. Dois policiais passaram em frente à barbearia, dentro de uma viatura, quando o policial desceu armado nos intimidando. Logo após, o mesmo policial intimou o Lucas. Depois me chamaram pedindo meu RG, e o mesmo que intimou pediu fotos nossas. Eles nos interrogaram sobre uma moto roubada, principalmente o Lucas, como se ele fosse o culpado sendo que ele não sabe pilotar nenhum tipo de moto. Depois disso o Lucas retornou para dentro da barbearia para terminar o corte de seu cliente e, assim que acabou, foi para fora com os policiais. Eles chamaram o Lucas para acompanhar até a delegacia. Lucas entrou na barbearia, pegou sua camiseta e perguntamos: ‘vai para onde?’ Ele respondeu: ‘vou ali na delegacia provar que sou inocente e já volto’”.
A versão dos PMS, no Boletim de Ocorrência (B.O.), é que após saberem de um roubo de moto que, segundo o testemunho da vítima, ocorreu por volta das 07:20h daquela manhã, na da Av. Comandante Taylor, passaram a patrulhar a região e encontraram “com o indiciado de prenome Lucas, aquele que estava na garupa, de bermuda e moletom”. E disso se seguiu a prisão de Lucas.
A vítima apresentou outra versão. “Quando estava retornando para sua casa, foi informado que sua moto fora recuperada. Os policiais foram buscá-lo onde se encontrava, e, de viatura, foi levado ao local onde estava sua moto. A seguir, no percurso para esta delegacia, em local próximo aonde estava sua motocicleta, viu o autor do roubo, que tinha um sinal no rosto e que conduziu sua moto, encostado em uma parede. Informou os policiais sobre isso e o indivíduo foi trazido a esta delegacia. Aqui chegando, em sala preparada, reconheceu o indivíduo”.
Já na época a família apresentou a versão de Silva, apoiada pelos testemunhos do colega e provas matérias do que ocorreu naquele dia. Na versão da família, Silva estava em casa enquanto acontecia o roubo. De casa foi para o trabalho e de lá foi levado pelos dois policiais.
As provas juntadas para confirmar a versão de Silva, além do depoimento do colega que viu a abordagem, foi o depoimento do porteiro do prédio onde mora, no qual afirma que o jovem só teria saído de casa por volta das 10:00h. Imagens das câmeras do circuito interno do prédio, que comprovam a versão do porteiro, foram apresentadas. Conseguiram também o testemunho da dona do salão onde Silva trabalha, que também confirma a versão. “Eu estava voltando da escola onde meu filho estuda, passando em frente ao salão, onde também resido, e avistei dois policiais abordando Lucas e G.. Ouvi Lucas perguntar se poderia terminar de cortar o cabelo, então entrei em casa para fazer serviços domésticos… Assim que minha mãe chegou em casa, ela me informou que Lucas teria sido encaminhado para a 95° DP”.
Outro Lado
Questionada a Secretaria de Segurança Pública do Estado respondeu:
“O autor foi preso em flagrante e o caso registrado pelo 95º DP. Na época dos fatos, a vítima reconheceu o suspeito sem sombras de dúvidas. Ele teve todas as garantias constitucionais concedidas. O inquérito policial foi concluído e relatado à Justiça”