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Direitos Humanos

Líderes Xokleng acreditam que educador foi assassinado por matador de aluguel e recusam versão da polícia

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Ilustração da obra de Sílvio Coelho dos Santos

Do bugreiro degolador do início do século XX, ao matador de aluguel, sobreviventes Xokleng enfrentam os novos exterminadores do Sul racista. “Foi racismo, sim, e não só do assassino”, afirma o presidente da Terra Indígena Laklãnõ, Tucun Gakran, que se reúne hoje (8/1) à tarde com o procurador do Ministério Público Federal em Santa Catarina para pedir, em nome dos nove caciques das aldeias e de todo o povo Xokleng, abertura de inquérito criminal para apurar as circunstâncias do homicídio brutal do educador Marcondes Namblá. Para os caciques, houve negligência do delegado da Polícia Civil no cumprimento da prisão preventiva do criminoso; das testemunhas, que não tentaram impedir as agressões e do hospital, que negligenciou o seu atendimento porque era um indígena.

 

 

 

Professor morto a pauladas era um dos mais importantes pesquisadores e lutadores dos sobreviventes da Terra Indígena Laklãnõ

Desde que Marcondes Namblá morreu em consequência do espancamento sofrido antes dos primeiros raios de sol mancharem de vermelho-sangue o amanhecer do Ano Novo, seu pai repete um ritual dilacerante para os habitantes da Terra Indígena Laklãnõ Xokleng. Criado na reserva de José Boiteux como o único filho homem entre oito irmãs, o educador era tributário de grandes esperanças desse povo que sobreviveu ao violento extermínio no Alto Vale do Itajaí, em Santa Catarina. Todos os dias, às oito horas da noite, Ângelo Namblá, cuja idade se perdeu no não-tempo da vida indígena, canta em frente ao rio que corta a aldeia de Coqueiro, onde ele e dona Candinha criaram os nove filhos. É na correnteza do rio, e não no cemitério onde o corpo foi enterrado, que navega a alma gentil do jovem e brilhante pesquisador, que cativava o povo Xokleng com seu sorriso de poeta, músico e educador. Durante muito tempo, o velho canta bem alto na precisosa língua de seus antepassados para que toda aldeia ouça. O sentido do que ele canta e grita chorando em Laklãnõ está vedado para uma repórter não-índia. É algo terrível e sagrado sobre o qual um indígena não pode sequer falar com não-iniciados.

À frente do grupo de educadores, Marcondes Namblá, à esquerda, e Nanblá Gakram, doutor em linguística, que foi seu professor

Quem entende a raríssima língua dos sobreviventes Xokleng diz apenas: “É um canto de desespero. Só isso posso dizer”. E preciso aguardar em silêncio que Nanblá Gakran, primo do líder assassinado e maior autoridade mundial em pesquisa da língua Laklãnõ, se recomponha para voltarmos a conversar. Ele retorna alguns minutos depois, na voz ainda um tom de profunda  consternação. Explica que os indígenas compreendem a morte como uma passagem natural para outra vida; que todos os rituais fúnebres têm esse sentido, mas quando perdem um ente adorado de forma tão violenta e gratuita, a morte se traduz em horror. “É algo que nós simplesmente não compreendemos”, afirma o professor Gakran, criado junto com Marcondes na aldeia Coqueiro. Quando o horror atravessa a vida da comunidade indígena, é preciso esse clamor diário para que a alma do morto encontre paz.

No dia 2 de janeiro, logo que o povo Xokleng soube da morte cerebral de Marcondes na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Marieta Konder Bornhausen, em Itajaí, um grito coletivo ecoou pelas nove aldeias que compõem a reserva de José Boiteux. “Eu vim de Florianópolis na madrugada do dia 3 para o enterro e, na entrada da Terra Indígena, já se ouvia os choros e gritos de desespero; a comunidade em peso sofrendo à espera do corpo do nosso guerreiro chegar”, conta Isabel Prestes, 28 anos, da etinia Munduruku, nora de Nanblá Gakran e esposa de Carl Gakran, primo e amigo de infância de Marcondes. Pouco depois, o corpo chegou e a dor só piorou, ela conta. “Meu marido, as irmãs, os filhos, os parentes, amigos, todos ficaram muito abalados. E aqui, quando uma pessoa adoece, todos adoecem junto. Nós somos uma grande família de um povo sobrevivente ao massacre cometido pelo Estado”.

Crianças da aldeia Barragem, onde Namblá vivia com a esposa e os cinco filhos

Há uma informação antropológica conhecida por todas as nações indígenas, mas ignorada pela absoluta maioria da sociedade branca: o povo da reserva da Barragem Norte, que só existe no Brasul, é o único sobrevivente da etnia Xokleng no Planeta!  Foram completamente exterminados nos estados do Paraná, Porto Alegre e Palmas na segunda metade do século XIX e primeira metade do XX. Os 400 indivíduos que se refugiaram no Alto Vale do Itajaí, em Santa Catarina, dando origem ao Território Indígena, resistiram ao violento extermínio patrocinado pelos governos e companhias de colonização, que contratavam bugreiros para caçá-los e degolá-los. Vivas ou mortas, as crianças eram trazidas como troféus pelos caçadores de índios e quando sobreviviam, tornavam-se mão-de-obra escrava. Com língua, cultura e território diferenciados de outros povos indígenas, como mostrou o antropólogo Sílvio Coelho dos Santos, falecido em 2008, os remanescentes da etnia deveriam só por isso ser protegidos e cercados de cuidados pelo governo de Santa Catarina como um povo raro e único no mundo. Em Os índios Xokleng, memória visual (1997), Silvio Coelho conta que a colonização pretendia “ocupar o vazio demográfico” do Vale do Itajaí, numa clara demonstração de que a sociedade branca não reconhece o índio como gente.

As vítimas dos bugreiros. Em: Os índios Xokleng, memória visual (1997), de Sílvio Coelho dos Santos

 

GRITO DE GUERRA AO RACISMO: INDÍGENAS PREPARAM HOMENAGEM E PROTESTO

As aulas do Curso de Licenciatura Indígena Intercultural da UFSC, por onde passam as principais lideranças das etnias do Sul da Mata Atlântica do país, recomeçam na quarta-feira, 10/1, pela manhã. É o curso onde Marcondes Namblá se formou, em março de 2015, como aluno de destaque da primeira turma, depois de já ter concluído licenciatura indígena pela Secretaria de Estado da Educação. Já começam a retornar das aldeias para Florianópolis os 40 educadores. Eles ingressaram no curso com a missão de tomar o conhecimento não para si, mas de multiplicá-lo nas escolas indígenas para fortalecer culturalmente o seu povo e salvá-lo do extermínio,

Na quarta-feira dia 10, contudo, os professores-estudantes estarão vestidos de guerreiros e as aulas serão transferidas para o campo de batalha: o local do crime, na avenida Eugênio Krause, no município de Penha, onde o juiz da terra indígena Laklãnõ Xokleng foi morto a pauladas na madrugada do Réveillon.  A partir das 14 horas, farão um protesto contra o assassinato brutal do educador e os outros episódios recentes de violência e agressão aos povos indígenas de Santa Catarina, reunindo uma frente de luta com as três etnias Guarani, Kaingangue e Xokleng. Os líderes espirituais farão uma cerimônia ritualística fúnebre para que o alma de Namblá retorne a sua aldeia e seu espírito siga em paz, explica o professor Gakrán. “Esse lugar agora é sagrado porque ali foi derramado sangue do povo Xokleng”, explica o professor Gakran.  Marcondes aproveitava a temporada de praia em Penha para vender picolé com uma turma de dez amigos indígenas. Aprovado em concurso público recente, ele ainda atuava como professor Admitido em Caráter Temporário da rede pública estadual, que não remunera o período de férias. Segundo a esposa Cleusa, Namblá, pretendia ganhar um extra para comemorar o aniversário do filho.

A partir de hoje, os professores pedem apoio às entidades, empresas e pessoas solidárias ao povo indígena para levar o maior número possível de habitantes da reserva ao município de Penha. Ganharam um ônibus da universidade, que é suficiente apenas para os integrantes do curso de Licenciatura, mas precisam de ajuda de transporte, principalmente, para trazer os integrantes da aldeia.

Convite para a cerimônia de homenagem fúnebre no Templo Ecumênico da UFSC. No dia 10, às 14 horas, ocorrerá o protesto em Penha

Um dia antes do protesto, na terça-feira, dia 9, às 9 horas, os professores farão uma homenagem ao pesquisador assassinado no Templo Ecumênico da UFSC, que é aberto a todas as crenças e culturas religiosas. Diz o convite: “Condoídos pela tristeza da perda de nosso ex-aluno Marcondes Nanblá e indignados pelas circunstâncias cruéis e desumanas do seu assassinato, convidamos para uma cerimônia em sua homenagem, a ser realizada na terça-feira, dia 9 de janeiro de 2018, às 9 horas, no Templo Ecumênico da UFSC. Será uma ocasião para celebrar a memória deste jovem líder Laklãnõ-Xokleng que vinha trabalhando com afinco para melhorar as condições de vida de seu povo, assim como vinha despontando como um brilhante intelectual indígena. A cerimônia fúnebre será celebrada pelo cacique presidente da Terra Indígena, Tucun Gakran e por seu sobrinho Carl Gakran, estudante do Curso de Medicina da UFSC e presidente da Associação de Estudantes Indígenas d­­a Universidade (AEIUFSC).

Com cacique da aldeia Guarani M’Biguaçu, Karaí Moreira, celebrando aliança pela espiritualidade indígena

Ironicamente, em novembro, Marcondes esteve por três dias na casa do primo em Florianópolis, tentando conscientizá-lo de que, mesmo estudando fora, não deveria abandonar o culto e a propagação das práticas espirituais do povo Xokleng entre as novas gerações. O juiz cobrou-lhe o cumprimento da aliança selada pelos dois na aldeia em novembro de 2013, quando numa cerimônia ritualística marcante para a comunidade, os dois jovens líderes se comprometeram a manter viva e presente nas aldeias a espiritualidade Xokleng. “Não imaginava que dois meses depois eu teria que celebrar o ritual da morte do meu amigo-irmão”, lamenta Carl, 28 anos.

Fundação da AEIUFSC, de Estudantes Indígenas em dezembro do ano passado, com Carl de branco, ao lado do reitor pró-tempore, Ubaldo Balthazar, de Cocar

 

CACIQUES PEDEM PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL NA PROCURADORIA DA REPÚBLICA

Ao modo discreto e polido que é peculiar dos indígenas, os guerreiros dão todos os sinais de que não engoliram a narrativa divulgada pelas autoridades policiais e pela grande mídia para o assassinato de seu líder e não pretendem deixar impune a barbárie que sofreram. Em silêncio, dois dias após enterrarem o educador, os caciques se reuniram com o presidente da T.I. e com o professor Gakran para firmar um documento em que requerem a abertura de um processo de investigação criminal ao Ministério Público Federal, encaminhado à Procuradoria da República em Santa Catarina. Pela gravidade das denúncias, a resposta veio no mesmo dia 5 e nesta segunda-feira, às 14 horas, o cacique presidente Tucun Grakan e o irmão Nanblá, que é uma autoridade científica do povo Xokleng já terão uma audiência com o superintendente do MPF, André Stefani Bertuol. “Nós queremos que a Polícia Federal investigue as circunstâncias do crime com profundidade porque a Polícia Civil não irá além do que já fez”, afirma o presidente.

Os caciques Xokleng exigem que o órgão investigue por que a ordem de prisão preventiva contra o acusado não foi cumprida assim que expedida, no dia 3 de janeiro, dando tempo para que o criminoso fugisse. E ainda indagam por que Gilmar César de Lima estava solto, se havia um mandado de prisão anterior por tentativa de homicídio envolvendo tráfico de drogas, além de outras denúncias de crimes de furto e espancamento de mulher contra ele não apuradas. Consideram inexplicável o fato de ele não ter sido capturado ainda, uma vez que o seu local de moradia foi facilmente localizado a duas quadras do crime por uma testemunha.  O cacique presidente considera que o delegado da Polícia Civil, Glauco Teixeira Barroco, foi racista ao declarar para os jornais locais que a polícia havia passado em ronda pelo local onde Marcondes agonizava, mas não o socorreu porque parecia um bêbado. Com isso, ele ficou jogado na calçada, sem nenhum tipo de atendimento, das 5:18 da manhã até as 8 horas. Por fim, as lideranças apontam ainda a necessidade de averiguar a ocorrência de omissão cúmplice por parte das testemunhas porque ficou evidente nos depoimentos que elas assistiram ao massacre do indígena sem fazer nada para deter o assassino, que deu de costas e voltou a espancar o professor ao perceber que ele ainda vivia. Baseados nessas circunstâncias não explicadas, consideram racismo também o fato de o delegado desautorizar, sem a devida fundamentação, que não se trata de crime racista.

Isso não é tudo: a comunidade Xokleng em peso alimenta a forte suspeita de que o jovem identificado como réu não era apenas um psicopata ou um delinquente que agiu sozinho.  “Ele é um pistoleiro que tem tudo para ser autor de um crime encomendado”, acredita o professor Gakran.  Pelo envolvimento do sujeito identificado como assassino com drogas, Tucun acredita que o crime está relacionado ao fato de que ele havia proposto um pedido de investigação do tráfico de entorpecentes nas aldeias por homens brancos que se infiltram na comunidade se valendo da inocência e hospitalidade de alguns. Segundo ele, Gilmar de Lima foi visto circulando na aldeia em maio do ano passado. “Tudo leva a crer que seja uma retaliação contra os líderes pela iniciativa de erradicar essa invasão na Terra Indígena”, afirma. Essas suspeitas comentadas com reserva nas aldeias, impactam as famílias pelo medo e pela consternação.

Quanto mais a Polícia Civil de Piçarras afirma que o crime não pode ser relacionado à questão étnica, mais as lideranças se recusam a tratar o assassinato como um crime comum, típico de páginas policiais. descontextualizado dos massacres históricos e desconectado dos outros crimes hediondos ocorridos contra indígenas em Santa Catarina no espaço de pouco mais de um ano. “Evidente que não se trata de um crime comum”, afirma Gakran, que reivindica a investigação da relação do assassinato também com conflitos de disputa territorial e ódio contra as lideranças educadoras, “entre outras questões que preferimos guardar por enquanto”.

A indígena Xokleng Ana Patté, 22 anos, estudante do Curso de licenciatura indígena da UFSC, afirma que a questão do racismo nunca pode ser descartada de antemão num caso de violência de um branco contra um índio. E a líder Guarani Kerexú Yxapyry, que sofreu incontáveis ameaças de morte e violência racista contra ela e membros de sua família, afirma que as cenas do vídeo do espancamento com requintes de crueldade flagrado pelas câmaras de vigilância eletrônica não deixam nenhuma dúvida de que o assassino é movido por ódio racista.

NEGLIGÊNCIA HOSPITALAR TERIA SIDO FATAL PARA O INDÍGENA, DENUNCIA FAMÍLIA

Às questões de contexto social e histórico somam-se outros acontecimentos indicando que o porrete nas mãos do assassino foi segurado por outras mãos invisíveis igualmente encorajadas pelo racismo. O professor Nanblá e a nora Isabel denunciam circunstâncias gravíssimas em que o hospital Marieta Konder Bornhausen teria se negado a fazer a internação do indígena. Isso porque seus documentos havia ficado no Hospital de Penha, para onde foi levado primeiramente pelo Corpo de Bombeiros e transferido. Enquanto os documentos não chegaram, o hospital Marieta Konder Bornhausen, para o qual foi transferido após confirmado Traumatismo Craniano Encefálico e várias fraturas cranianas, teria tratado o pesquisador como um indigente, recebendo-o na UTI, mas sem tomar os procedimentos urgentes, apesar dos apelos da família.

Isabel avisou os familiares na Terra Indígena que, acompanhados pelo cacique regional de Palmeirinhas, a irmã mais velha, Nésia Namblá, e o marido Zeca Ndilli, saíram de casa as 8h30min do dia primeiro, percorreram 220 quilômetros da Terra Indígena, entrando em Penha para pegar os papeis até chegar ao hospital em Itajaí por volta de duas horas, para que só então ele finalmente fosse operado. Segundo depoimento do professor Nanblá e de Isabel, a espera pela cirurgia por muitas  horas desde que Marcondes foi recolhido pelo Corpo de Bombeiros, às 5h30min do dia 1°, teriam sido fatais para o jovem professor, que faleceu no dia seguinte. “Ele deveria ter sido operado de imediato, assim que entrou no hospital, mas houve descaso e falta de ética do hospital que o atendeu mas não fez a cirurgia que ele precisava”, afirma Nanblá, que vai relatar o caso hoje ao Ministério Público Federal. “Além da brutalidade que passou sendo espancado brutalmente como todo o país viu, ele ainda teve que passar por essa negligência da saúde”, desabafa Isabel.

Conforme contam, assim que foram avisados pelo cacique da aldeia Palmeirinhas que Marcondes havia sido diagnosticado com traumatismo craniano, o professor Nanblá pediu a Isabel, estudante de Fonoaudiologia na UFSC e com conhecimento na área de saúde, para ligar de Florianópolis aos dois hospitais de Penha e Itajaí se informando da situação, pois a família estava sem sinal de celular. Às 8 horas, ela  falou por telefone com a enfermeira que atendeu Marcondes no Hospital de Penha e o transferiu para o hospital de Itajaí por falta de estrutura da unidade para atender à gravidade do caso. A enfermeira alertou para o fato de que na transferência do paciente, os documentos e pertences haviam ficado em Penha. Em seguida, ela se comunicou com a recepção do Hospital de Itajaí avisando que havia dado entrada um paciente indígena, resguardado por normas específicas de atendimento da Secretaria Especial de Saúde Indígena, que tem convênio com o SUS. “Sabendo da gravidade do estado dele, solicitei que a internação e os procedimentos cirúrgicos necessários fossem realizados de imediato e garanti que os documentos já estavam sendo levados pela família, mas a administração informou que nada seria feito sem eles”, denuncia. “A própria enfermeira do Pronto Atendimento do Hospital de Penha já havia alertado que nada seria feito com o paciente no Hospital de Itajaí sem os documentos”, afirma ainda Isabel, que publicou um relato a respeito na sua página do Facebook. O cacique geral, Tucum Gakran, reforça a denúncia: “O hospital se negou a atender porque já sabia que se tratava de um indígena e impôs essa condição absurda e desumana”.

Grande defensor da cultura Xokleng, o guerreiro-sorriso era adorado pelo seu povo

A acusação de negligência não é confirmada pela irmã Nésia Namblá, que é técnica de enfermagem, nem pelo marido José Ndilli.  Os dois contam que ao chegar ao hospital em Itajaí,  encontraram Marcondes já entubado, medicado e internado na prática, embora não oficialmente. Conforme ela, o médico chamado Luciano repassou todos os procedimentos realizados aos familiares e informou que, embora não houvesse vaga na UTI pelo SUS, o paciente ficou numa vaga particular de internação. “Nós até agradecemos pelo atendimento”, dizem eles. “Só não tinha sido internado no papel ainda, mas já estava com acesso venal, pronto para a operação, apenas aguardando a nossa presença para que pudéssemos acompanhar”, confia Nésia.

Com esse depoimento, José e Nésia confirmam, contudo, que o paciente só foi encaminhado para a cirurgia no abdômen e de retirada do baço depois das 14 horas, com a chegada da família ao Marieta Bornhausen. De fato, a cirurgia, de acordo com o prontuário, só ocorreu às 16 horas. “Não houve negligência: o problema é que ele estava muito machucado”, acredita José, segundo quem o cunhado apresentava marcas de pauladas no abdômen, costas, cabeça, nuca e um grande corte nas têmporas, próximo à orelha, mas não viram marcas de pneu indicando que ele teria sido atropelado, como chegou a ser especulado nos jornais e redes sociais. Nós tentamos conversar com a direção do hospital durante todo o final de semana e hoje pela manhã cedo, mas a recepção informou que era preciso aguardar a chegada de um dos diretores.

Apesar da controvérsia, a família está considerando entrar com processo contra o hospital por negligenciar o atendimento à pessoa indígena, que segue recomendações e normais específicas do Ministério da Saúde regidas pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

Por todas essas circunstâncias que contradizem a narrativa da Delegacia de Polícia, é possível que a Polícia Civil do Balneário de Piçarras prenda o assassino em poucas horas, como está prometendo há três dias o delegado Douglas Teixeira Barroco. É possível e até provável que isso aconteça. (A Rádio Cidade, de Itajaí, inclusive já anunciou essa prisão de modo antecipado, informando no dia 4/1, até a hora em que Gilmar teria sido detido, às 22 horas do dia anterior). Com o pescoço, o peito e o braço coberto por tatuagens exuberantes, o homem do porrete de madeira que esmigalhou o crânio de um dos mais brilhantes cérebros da nação indígena Laklãnõ Xokleng foi facilmente identificado por testemunhas do crime e por filmagens de câmaras de monitoramento desde o dia 2 de janeiro e imediatamente após o falecimento de sua vítima.

Com dois mandados de prisão em aberto, uma tentativa de homicídio e um assassinato, fotografado pela polícia de todos os ângulos, o criminoso só escapou até agora por algum “milagre” do recesso do Ano Novo. Com o assassino do homem que era o registro vivo da cultura e da língua Laklãnõ metido atrás das grades, a justiça seria restabelecida e as três etnias indígenas de Santa Catarina se apaziguariam, assim como sossegaria a indignação das entidades de apoio aos povos originários de todo o Brasil com essa nova barbárie contra os indígenas de Santa Catarina. Mas os movimentos tribais mostram que muito pouco ou nada vai mudar com a prisão do empacotador nascido em Blumenau, como consta em sua ficha criminal. Para as lideranças indígenas são muitas as outras mãos que seguraram o porrete assassino erguido contra o povo Xokleng por mais um dos jovens desajustados e violentos, desses “jeruás” malvados que a degeneração da sociedade branca produziu desde os tempos dos bugreiros.

Entre os homens brancos, a prisão do criminoso é a catarse que o coliseu precisa para aplacar sua sede de justiça imediata. Mas no pensamento indígena não se passa desse modo. “Este rapaz deve ser preso, nem sei por que ainda continua foragido, mas isso não vai mudar nada”, afirma Nanblá Gakran, primo-irmão de Marcondes Namblá, de quem era parceiro num projeto messiânico e grandioso de salvar a língua Laklãnõ Xokleng do desaparecimento. “Vão prendê-lo e outros crimes bárbaros continuarão acontecendo contra os indígenas”. Com muita gravidade na voz e na expressão, professor Gakran assume o que grande parte da comunidade indígena acredita, mas nem todos têm a coragem de manifestar além das redes sociais: a ideia de que Gilmar César de Lima é um pau mandado. “Um pistoleiro, com homicídios anteriores, que foi provavelmente pago para fazer o que fez. Nós queremos é chegar ao que está por trás desses crimes”, afirma veemente.

A comunidade indígena recusa com firmeza a hipótese sustentada pelo delegado de que se trata de um crime comum, cometido por “motivo fútil”, sem “relação com racismo ou etnia”, como ele afirmou aos jornais. Esse ponto de vista é compartilhado pela ex-cacique Guarani da T.I. Morro dos Cavalos, Kerexú Yxapiry, por Laura Parintintins, que estuda antropologia na UFSC e Pietra Dolamita, da etnia Kauwá Apurinã, que vive no Rio Grande do Sul. Nas redes sociais, parentes ironizam, com a tradicional elegância, o motivo que Gilmar teria alegado a uma testemunha para espancar o pesquisador, de que Marcondes teria mexido com o seu cachorro Rottweiler. Mostram que a justificativa na qual o delegado Douglas Teixeira Barroco norteia seu trabalho, segundo ele mesmo, é desmentida pelas próprias imagens das câmaras de vigilância, nas quais Namblá não esboça qualquer reação contra o agressor ou qualquer movimento direcionado ao cachorro.

O assassinato do Xokleng Marcondes Namblá foi o terceiro de caráter hediondo ocorrido no berço da colonização europeia no prazo de um ano e contra indivíduos das três etnias: além dele, o bebê Vitor Kaingangue foi degolado em dezembro de 2016 por outro psicopata, movido por ódio contra indígenas enquanto era amamentado pela mãe na rodoviária de Imbituba, depois de fazer um carinho na cabeça da criança. E no Dia dos Finados, em novembro passado, Ivete Souza, mãe da líder Guarani Kerexú, teve a mão decepada a golpes de facão na aldeia Itaty do Morro dos Cavalos. Como dia Dolamita, “Nós acreditamos que quando ocorre o assassinato de um negro, uma mulher, um homossexual, um indígena, nunca é apenas um indivíduo que suja suas mãos de sangue. São sempre muitas mãos da sociedade racista que puxam o gatilho ou baixam o porrete”

Vídeo publicado em homenagem a por amigos de infância na aldeia

Feminismo

“Estupro culposo”, culpa da vítima?

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Por Sonia Coelho*

O caso de André de Camargo Aranha veio à tona nas redes sociais por conta de sua absolvição pela denúncia de estupro de vulnerável. Segundo o The Intercept Brasil, durante o processo o promotor Thiago Carriço de Oliveira apresentou a tese de que não se pode comprovar, na conduta do acusado, a intenção de estuprar, a capacidade de perceber que Mariana não poderia consentir.

A audiência foi gravada e mostra como as vítimas de violência são revitimizadas pela Justiça que deveria acolhê-las. O tratamento à denúncia de estupro feita por Mariana Ferrer escancarou o que nós do movimento feminista temos denunciado sistematicamente: o quanto o Judiciário brasileiro é machista, misógino, patriarcal.

O advogado de defesa de André Aranha, Cláudio da Rosa Filho, armou um show contra Mariana, chegando a falar de sua roupa e de sua conduta para “justificar” o estupro. Expondo e julgando fotos que nada tinham a ver com o caso, e usando uma série de questões morais, tentou justificar que Mariana tivesse consentido com o estupro. É inaceitável que juiz e promotor presenciem a humilhação e o assédio moral proferidos pelo advogado de defesa em relação à vítima e não façam nada, não se pronunciem nem interrompam o advogado.

Não existe estupro “sem querer”

A interpretação do caso pela promotoria afirmou, segundo citação da Folha de São Paulo, que “não restou provada a consciência do acusado acerca de tal incapacidade, tendo-se, juridicamente, por não comprovado o dolo do acusado”– o que o portal The Intercept Brasil resumiu como “estupro culposo” em sua reportagem. O caso revela a dificuldade que as vítimas de crimes de estupro enfrentam para ver os agressores punidos, especialmente quando eles são brancos e ricos. O que Mariana relata é que o estupro aconteceu numa situação em que estava absolutamente vulnerável, sem condições de tomar qualquer decisão. Estupro não é acidente e a palavra da vítima deve prevalecer.

Embora a sentença não tenha citado a classificação do “estupro sem intenção” ou “estupro culposo”, a discussão do tema é essencial para evitar que mais uma tese seja emplacada no Judicário para absolver estupradores no Brasil. Teses machistas estão sendo retomadas no Judiciário, como as de “defesa da honra” e “violenta emoção”. São muitas as teses que o Judiciário brasileiro tem aceitado para manter a impunidade dos agressores no Brasil. Isso só fortalece a cultura do estupro.

O estupro não é um exercício da sexualidade. O estupro é o exercício do poder dos homens sobre as mulheres. Serve para colocar as mulheres no lugar de subordinação, e foi isso que essa audiência tentou: colocar Mariana Ferrer num lugar de subordinação.

O recente caso do jogador de futebol Robinho apresenta uma situação semelhante: ele mesmo dizia que a mulher sequer tinha condição de ficar em pé ou se expressar, mas continuou dizendo que ela quis, e que aquilo não era problemático porque “nem era sexo”. Essa é a tese machista de que os homens não têm essa capacidade de discernir, e é muito perigosa porque aceita como consentimento situações em que o consentimento é impossível. Na nossa sociedade, há um acobertamento dessas situações de violência, propondo uma aceitação como se fosse “algo da vida”. Isso é a banalização do estupro.

Os dados recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública são alarmantes: em 2015, acontecia um estupro a cada 11 minutos, um dado já muito preocupante; em 2019, a situação piorou muito, passando a um estupro a cada oito minutos. Além disso, nesse período de pandemia que nos exigiu aumentar o isolamento social, vimos diversos estudos apontando um aumento ainda maior dos números de estupro e violência contra a mulher no Brasil. O que o Estado tem feito para se responsabilizar por essa calamidade?

Denunciar não pode acarretar em mais violências

A situação de Mariana Ferrer escancara uma realidade gravíssima. Oestupro já é um crime subnotificado, pela dificuldade de denunciar e ser ouvida. Muitas meninas e mulheres sentem vergonha de denunciar e expor sua intimidade, sua vida pessoal, seus traumas. A dificuldade aumenta quando não há confiança com a Justiça. O que aconteceu com a Mariana é uma prova dessa dificuldade: a vítima torna-se ré, torna-se culpada e é exposta, enquanto o violador sai impune e preservado, porque a palavra dele detém mais poder e confiança.

São várias mulheres e meninas que passam a vida convivendo com o fantasma do estupro que viveram sem conseguir denunciar, exatamente por medo e por vergonha. É por isso que muitas mulheres só conseguem falar sobre o que viveram depois de muitos anos. A desresponsabilização do Estado gera ciclos profundos de violência, anos de silêncio e dor, e afeta até mesmo a saúde mental das mulheres.

No Judiciário, a injustiça tem gênero, classe e raça. É bastante perceptível que a Justiça hoje criminaliza e ataca aqueles que oferecem algum risco ao sistema, ao mesmo tempo que permite a violência contra esses setores. O sistema que protege André de Camargo Aranha (um empresário branco que pode pagar por um dos advogados mais caros de Santa Catarina) é o mesmo que permite que a Polícia Militar assassine e encarcere a população negra, violando de forma brutal os direitos humanos.

Os homens poderosos acusados de estupro têm uma segurança de que as mulheres não vão ter coragem de denunciar e que, mesmo que denunciem, seu dinheiro e posição social são argumentos suficientes para jogar a culpa nas mulheres, dizendo que elas que “não se comportaram como deveriam”. Esse tipo de postura conivente do Judiciário dá a certeza para esses homens de que eles podem continuar estuprando e violentando as mulheres. E esse é um problema da Justiça brasileira e de toda a sociedade.

Isso significa que a Justiça só irá se mexer se nos mobilizarmos. Até 2005, por exemplo, o casamento do estuprador com sua vítima anulava o crime no Brasil. Não fosse o avanço do movimento feminista sobre esse tema, talvez isso ainda vigorasse até hoje. São diversos os casos de violência contra a mulher em que a manifestação do movimento feminista foi crucial para que a Justiça avançasse e a violência recuasse.

Só o feminismo pode mudar a nossa realidade

Graças à luta do movimento feminista, temos avanços importantes para que haja justiça diante de casos de violência e estupro.

Já tivemos muitos avanços, como a aprovação da Lei Maria da Penha em 2003, que possibilitou toda uma gama de políticas públicas de enfrentamento à violência. Ainda assim, precisamos de uma série de políticas que consigam concretizar o que está escrito nas leis, e isso só é possível com o movimento feminista organizado e com a responsabilização do Estado. No período dos governos do PT na Presidência da República, tivemos uma Secretaria de Política para as Mulheres responsável por políticas e programas muito importantes contra a violência e por ampliação da autonomia das mulheres. Infelizmente, muitas delas foram desmontadas pelo governo golpista de Temer ou pelo Ministério da Família de Damares e Bolsonaro.

Todas essas experiências nos mostram que, além de um sistema de justiça efetivo, é preciso uma série de políticas públicas para combater a violência. Essas políticas precisam ser permanentes, e se concretizar na vida das pessoas: serem acessíveis em todos os cantos das cidades, terem orientação feminista, combaterem a violência de forma integral. Para isso, não basta a política nacional. Políticas no âmbito estadual e municipal são cruciais, tanto para garantir a efetivação das políticas e dos serviços públicos, quanto para relacioná-las com a realidade de cada território, enfrentando os desafios próprios e se articulando com as organizações de mulheres e comunitárias em cada lugar.

O caso de Mariana Ferrer é mais um que mostra a necessidade da luta feminista e a necessidade de pensarmos em políticas para o combate à violência contra a mulher, incluindo aí um amplo debate sobre como esses casos são tratados pela Justiça brasileira. Precisamos nos manifestar e exigir que esses casos sejam tratados com a seriedade que lhes é devida. Temos que lutar para denunciar esse caso, fazê-lo retornar para um novo julgamento, onde haja respeito e o combate à violência seja levado a sério. Não iremos aceitar teses machistas, criadas para manter a impunidade do estupro no Brasil.

(*) Sonia Coelho é militante da Marcha Mundial das Mulheres, assistente social e candidata a vereadora em São Paulo.

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Amazônia

Morte de líder Kumaruara revela a falta de assistência a indígenas no baixo Tapajós (PA)

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Picado por cobra, Alberto Castro Bispo só foi socorrido 6 horas após o comunicado à Secretaria Especial de Assistência Indígena de Santarém-PA

Reportagem originalmente publicada por Amazônia Real

Por: Tainá Aragão

Fotos: Leonardo Milano

Corpo de Alberto é recebido por parentes – Foto: Leonardo Milano / Amazônia Real

Santarém (PA) – “Perdemos mais um Kumaruara por negligência do desgoverno”. A frase em tom de desabafo faz parte da carta-manifesto publicada em 4 de outubro, dia em que morreu o líder Alberto Castro Bispo, 47 anos. O indígena foi picado por uma serpente surucucu e foi a óbito durante a travessia fluvial pelo rio Tapajós por falta do soro antiofídico e assistência médica. A morte causou revolta ao povo Kumaruara, que há anos reivindica acesso à saúde na região da Reserva Extrativista Tapajós- Arapiuns, no Pará, inclusive na pandemia do novo coronavírus.

Por estar no meio da floresta e pelo alto grau de envenenamento, Alberto só conseguiu chegar na aldeia Mapirizinho, na Resex Tapajós-Arapiuns, às 11 horas do mesmo dia, sendo duas horas após ter sido picado. Naquele momento, a comunidade se mobilizou para tentar a sua remoção por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e o Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu), ambas com sede em Santarém. Mas a lancha da Sesai levou cerca de 6 horas para chegar e Alberto não resistiu ao translado, vindo a óbito nos braços de sua companheira. Eles estavam a caminho de Alter do Chão, no Baixo Tapajós, onde uma ambulância terrestre ainda o levaria para Santarém.

“Ele me olhava e dizia: ‘Minha velha, eu não vou resistir, não’. Se fossem buscar, eu tenho certeza que ele ia escapar. A ambulancha chegou e quando deu umas 18h15 ele deu o ataque no meio do caminho. Aí botei a mão no nariz dele e estava seco, eu estava ali do lado dele, sozinha, e falei para o motorista: ‘Ele já se foi’”, lembra Renita Melo, viúva de Alberto e mãe de seus seis filhos. “Tenha fé em Deus”, ouviu em resposta. Ela chegou a pedir soro aos socorristas, mas só ouviu: “Não temos. [Então] viemos na ‘tora’”, referindo-se a uma expressão local que quer dizer “sem resitar”.

Após o falecimento, parentes e parte da comunidade, em luto, fizeram uma manifestação no dia 5 em frente a Casa de Saúde Indígena (Casai) do município de Santarém. A líder indígena Luana Kumaruara explica que se houvesse mais infraestrutura, mortes poderiam ter sido evitadas. “Estamos em um período de pandemia, além de sofrermos com os impactos dos grileiros, ‘sojeiros’ e madeireiros, também temos que lidar com esse descaso com a saúde, porque dentro da Amazônia não termos esse soro pra picada de cobra. É absurdo, e isso tem que ser prioridade. Já perdemos dois Kumaruara no último mês [setembro] e não dá pra fazer vistas grossas por tudo que estamos passamos”, enfatiza.   

As mortes que Luana se refere são a dois idosos. Eles morreram em consequências de problemas cardíacos. Segundo ela, a comunidade Kumaruara também enfrentou problemas na liberação e remoção dos corpos.

pandemia de Covid-19, que também não dá tréguas, já registrou 1.414 casos confirmados entre os indígenas e 17 mortes de Covid-19 na Resex Tapajós-Arapiuns. Os dados são do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Guamá Tocantins, ligado a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde. Não há registro de mortes pelo vírus entre os Kumaruara.

Na Resex Tapajós-Arapiuns, além dos Kumuruara, vivem também as etnias Tupinambá, Munduruku, Apiaká,  Borari, Maytapu, Cara Preta, Arapium, Jaraqui, Tapajó, Tupaiu e Arara Vermelha e comunidades ribeirinhas tradicionais. A Resex fica na região conhecida como Baixo Tapajós, no ponto de encontro entre os rios Tapajós, Arapiuns e Amazonas. Os Tupinambá são os mais atingidos pela pandemia da Covid-19.

Uma lancha para atender a todos

Velório do líder indígena Alberto Kumaruara 
(Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real)

O corpo de Alberto Castro Bispo foi levado à comunidade para o enterro ainda no dia 5, após 12 horas. Houve uma burocracia para liberação do corpo por parte do Instituto Médico Legal (IML), pois Alberto faleceu em trânsito e não havia um médico na ambulancha para atestar o óbito. Um médico de Santarém teve que fazer a perícia. O velório aconteceu na comunidade Mapirizinho, por volta das 15h, e o enterro entre 17h e 18h.

A Sesai justificou à comunidade que não teria disponibilidade de horário de voo para fazer remoção de helicóptero e tampouco contava com o serviço de um marinheiro para conduzir a ambulancha. O transporte fluvial foi adquirido em julho pela Sesai, mas está parado. “Estamos há meses esperando que a Sesai faça a contratação dos barqueiros. O Samu respondia que a ambulancha da Secretaria Municipal de Saúde estava fazendo outro serviço de remoção na região do Lago Grande, e que só iriam ser possível buscá-lo às 17 horas. Ou seja, apenas uma ambulancha disponível para fazer socorro em uma extensa região de rios”, diz a carta-manifesto dos Kumaruara. 

Em nota à Amazônia Real, a Sesai, órgão subordinado ao Ministério da Saúde, por meio do Dsei Guamá Tocantins, diz “lamentar” o falecimento do indígena e se justifica: “Há seis Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (Emsi) na região, atuando de forma volante, levando atendimento de saúde para as aldeias”. Mas admite que faltam profissionais contratados. “O Dsei adquiriu oito novas embarcações fluviais para atendimento da região e os barcos já estão operando no transporte de urgência e emergência de pacientes e equipes de saúde. Os processos de contratação de barqueiros e horas-vôo encontram-se em tramitação, em data anterior ao acidente”, diz a nota.

Segundo Jean Cunha, coordenador do Samu em Santarém, há duas ambulanchas do município, que atuam na região ribeirinha da bacia de três grandes rios: Amazonas, Tapajós e Arapiuns. Apesar da equipe reduzida e da falta de infraestrutura adequada, o Samu alega que se tenta dar suporte às comunidades indígenas. “A Sesai está há um tempo muito grande esperando pra fazer contratação da equipe e isso sobrecarrega o Samu, pois a gente dá suporte para todas as comunidades vizinhas e também às indígenas. Eles não podem colocar as demandas só para o Samu; eles têm hora de helicóptero e uma ambulancha equipada, se a gente tivesse esse material faríamos muitas remoções. Ter o material e não saber usar, fica difícil”, enfatiza o coordenador.

Na Resex, são 75 comunidades, entre indígenas e não-indígenas, e apenas 10 Unidades de Saúde. As mais próximas da comunidade indígena Mapirizinho são Suruacá e Parauá, a cerca de 15 quilômetros de distância. Mas nenhuma das unidades possui o soro antiofídico, específico para conter o veneno da serpente, como explica o agente de saúde do posto de Suruacá, Djalma Lima.

“Não existe soro nem para picada de cobra, nem de aranha, nem de lacraia, porque não tem energia elétrica no posto, e não tem como armazenar. Além disso, para se ter esse soro dentro das comunidades, precisa de um médico, de uma infraestrutura adequada, com geladeira e não temos”. Djalma enviou, por intermédio de seu filho, um punhado de medicina natural para tentar amenizar a dor de Alberto. “Mandei pra ele uxi [fruto nativo] para conter o veneno, mas já era tarde”, diz o agente de saúde. 

Para Roselino Kumaruara, cacique da comunidade Mapirizinho e genro do falecido, o descaso com a população tradicional, indígenas e pescadores, que vivem no outro lado do rio é constante. “Essa situação é ruim. Perdemos um parente e não podemos mais trazer ele de volta, já houve outros casos como esse. Quando a gente liga, não tem. A gente fica triste, mas fica com raiva também. A gente tem muitas barreiras pela frente”, protesta o cacique.

Luta pelo acesso à saúde

Funeral do líder indígena Alberto Kumaruara
(Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real)

O caso de Alberto Castro Bispo não é isolado. Desde 2015 os povos indígenas do Baixo-Tapajós, por meio do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (Cita), reivindicam acesso à saúde indígena. Em 2016, houve a ocupação do Polo Base da Sesai, em Santarém. Após a ocupação, as comunidades indígenas obtiveram acesso ao direito da saúde por meio de uma decisão judicial a partir de uma ação civil pública do Ministério Público Federal (MPF).

Mesmo com o reconhecimento, a principal luta dos indígenas nos municípios de Aveiro, Santarém e Belterra continua sendo a mesma de cinco anos atrás: a criação de um novo Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) para a região. Atualmente, Santarém está incluído no Dsei Guamá-Tocantins, com sede em Belém, a 1.375,8 quilômetros do município. Ou seja, cerca de 22 horas por transporte terrestre, o que dificulta ainda mais o acesso aos atendimentos.  

“Não dá pra gente ficar vinculado ao Dsei-Guamá-Tocantins que está em Belém, o que dificulta o diálogo. Por isso, estamos entrando com um documento no MPF para pressionar mais uma vez a criação do Distrito”, explica a líder Luana Kumaruara.

O Dsei Guamá Tocantins atende a uma população de 17.198 indígenas de 42 etnias, que vivem em 186 aldeias. O órgão conta com 31 Unidades Básicas de Saúde  e oito polos bases, além de cinco Casas de Saúde Indígena (Casais). 

Cortes na Saúde Indígena 

Funeral do líder indígena Alberto Kumaruara
(Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real)

A saúde indígena funciona por meio de um Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (SasiSUS), coordenado pela Sesai. Articulado com o SUS, descentralizado, e com autonomia administrativa, orçamentária e financeira, o SasiSUS é organizado em 34 Dseis, distribuídos em todo o território nacional. Os distritos são responsáveis por prestar atenção primária em saúde aos povos que moram nas Terras Indígenas. Na Amazônia Legal, são 25 Dseis que dão assistência para uma população de 433.363 pessoas.

Conforme o relatório “O Brasil com baixa imunidade – Balanço do Orçamento Geral da União 2019”, publicado pelo Inesc, Instituto especializado em orçamento público e Direitos Humanos no Brasil, a política de saúde indígena foi um capítulo significativo na ofensiva aos direitos destes povos.

“Em 2019, a execução do orçamento foi de R$ 1,48 bilhões contra R$ 1,76 bilhões em 2018, cerca de R$ 280 milhões a menos. Isto certamente compromete o atendimento deste grupo da população, que tem diversos indicadores de saúde piores que a média brasileira, como suicídio, desnutrição e mortalidade infantil e algumas doenças infecciosas, como a tuberculose”, informa o relatório.

O relatório do Inesc aponta, ainda, que os cortes orçamentários demonstram que há uma violação de direitos direta sobre essas populações: “As medidas legislativas e executivas de iniciativa do governo demonstram que está em curso uma política de destruição intencional e sistemática dos modos de vida e da cultura dos povos indígenas.” 

Neste ano atípico, em meio à pandemia, as vulnerabilidades e os abismos sociais se mostram ainda mais profundos. Com o congelamento dos gastos públicos por 20 anos, por meio da PEC 241 – também chamada de PEC 55, no Senado – e implementada por Michel Temer (2016-2019), a tendência é que as comunidades mais vulneráveis, incluindo os povos tradicionais, populações amazônidas, ribeirinhas, agroextrativistas, indígenas, quilombolas e agricultores, continuem sendo impactadas pelos déficits na saúde e na educação. 

“Não suportamos mais viver, vendo os parentes morrerem em nossos braços. Queremos ser olhados e assistidos de forma digna como seres humanos. Vidas Indígenas Importam!”, afirma a última linha da carta-manifesto do povo Kumaruara.

Amazônia Real entrou em contato com a Secretária de Saúde do Pará para buscar informações sobre óbitos por animais peçonhentos na região, mas até o dia 13 não obteve resposta. 

Sepultamento do corpo do líder indígena Alberto Kumaruara morto por picada de cobra
(Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real)

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Índios

Povos indígenas do Xingu estão em situação crítica

Movimentos sociais do campo popular de Mato Grosso lançam campanha conclamando sociedade para apoio a 10 aldeias da região do baixo Xingu

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Por: Gislayne Figueiredo e Rosa Lúcia Rocha – Consulta Popular – MT

Desde a chegada dos primeiros homens brancos no Brasil, o povo indígena vem sofrendo com a violência, o genocídio, os ataques à suas formas de vida e de cultura, tudo isso para se apropriar de suas terras e disponibilizá-las para aqueles que a utilizam segundo a lógica do lucro.

A mesma lógica utilizada – de apropriação da terra mediante o genocídio e etnocídio de povos inteiros – continua sendo utilizada como forma de expansão das fronteiras agrícolas e sob o discurso do desenvolvimento nacional: citamos algumas dessas violências cometidas em período não tão distante, entre as décadas de 1940 a 1960, que foram ricamente documentadas em 1967 pelo próprio Estado brasileiro por meio do chamado “Relatório Figueiredo”, um documento de mais de 7 mil páginas que está disponível na página do Ministério Público Federal e que merece ser conhecido por todos os brasileiros. No documento produzido pelo então procurador Jader de Figueiredo estão descritas inúmeras atrocidades praticadas por latifundiários brasileiros e funcionários do Serviço de Proteção ao Índio contra índios brasileiros naquele período, como assassinatos individuais e coletivos, torturas, prostituição de índias, trabalho escravo, usurpação do trabalho, apropriação e desvio de recursos oriundos do patrimônio indígena, venda de artesanato indígena, venda de produtos de atividades extrativas e de colheita, arrendamento de terras, venda de gado, venda de madeiras, exploração de minérios, doação criminosa de terras, omissões dolosas, dentre outras.

Essas violências continuam até hoje e centenas de povos indígenas que procuram viver em harmonia com a mãe-terra, respeitando-a e preservando-a, têm seus territórios constantemente invadidos por garimpeiros, madeireiros, fazendeiros e pelo agronegócio que, de forma predatória, queimam e arrasam as florestas, as águas e os animais.

Os povos indígenas foram sendo cada vez mais expropriados e confinados em pequenos espaços de terra, os chamados Territórios Indígenas que, em geral, são cercados de fazendas por todos os lados e, muitas vezes, não possuem terras suficientes para garantir a sobrevivência com dignidade desses povos.

A história mostra que uma das estratégias mais utilizadas para matar os indígenas com o fim de tomar as suas terras é a contaminação de grupos com doenças vindas dos brancos, como a varíola, tuberculose e a epidemia de gripe e sarampo que dizimou diversas etnias no século XX.

O Estado brasileiro de hoje, sob o comando de Bolsonaro, impõe um governo de direita (tendendo para a extrema direita) que é declaradamente a serviço dos maiores inimigos dos povos indígenas, ou seja, grandes produtores do agronegócio, latifundiários, madeireiros e mineradoras. Assume uma postura ativa de incentivo e apoio àqueles que invadem e cometem violências contra os indígenas, não apenas se omitindo quanto ao seu papel de fiscalizador, mas propondo ações que violam cotidianamente os direitos constitucionais dessa população, reforçando práticas e discursos genocidas. 

De modo muito conveniente aos interesses desses grupos que dão sustentação ao governo Bolsonaro, o vírus Covid-19 chegou rapidamente aos povos indígenas, tal como pavio de pólvora, com evidentes indícios de negligência para com essa população, sabidamente mais vulnerável a doenças infecciosas.

Diante da pandemia que avança sobre seus territórios, muitos povos indígenas têm se organizado para sobreviver e resistir como podem para impedir a infecção pelo coronavírus, criando barreiras sanitárias nas aldeias, evitando ir às cidades e contando com a solidariedade dos amigos da causa indígena para acessarem produtos de higiene e ferramentas para a pesca, haja visto que o Estado não tem garantido as condições mínimas para a sobrevivência, para evitar o contágio e cuidar daqueles indígenas que foram contaminados.

No estado de Mato Grosso, de acordo com a contabilização feita pela Associação de Povos Indígenas do Brasil, em 11/09 já eram mais de 1600 indígenas contaminados e 73 mortos.

Um apelo por solidariedade aos povos do Xingu

Do Baixo Xingu, pelo whatsapp, chega um apelo por solidariedade pela voz de um jovem indígena, dirigido aos movimentos sociais do campo popular de Mato Grosso:

“Companheiro, estou sem acesso a internet, a gente está isolado. Devido a pandemia, nós mudamos do polo central onde estávamos residindo até o ocorrido, nós perdemos uma família devido às complicações da Covid 19. Na nossa cultura, quando acontece alguma coisa, a gente busca outros lugares para estar com a família. E aí, a nossa família está construindo uma comunidade lá, um lugar pra gente, então não estamos tendo acesso à internet, por enquanto. Mas buscando apoio para em breve ter uma instalação lá pra gente, porque a gente precisa para dar continuidade ao nosso trabalho. Estamos agora bem próximos de um outro povo indígena, eu agora estou tendo bastante contato com eles e pretendo colocar eles em contato com vocês, acho importante a gente socializar, para que o povo branco possa entender como estamos organizados. Então, a gente tem bastante demanda aqui no nosso povo, aqui do Xingu e acredito que tem outros povos indígenas que também têm demandas devido a pandemia… Porque  mudou totalmente nossos hábitos. Tem chegado apoio, não muito, algumas coisinhas. O que o pessoal mais oferece é cesta básica, só que a gente precisa mais do que a cesta básica, como ferramentas, sabão, isqueiro, sabonete, produtos de higiene, faca, facão, lima, essas coisas. Já faz aproximadamente seis meses que a gente está parado aqui… A gente não consegue ter acesso fora da  TIX (Terra Indígena Xingu). Daí eu gostaria de ver se vocês conseguem mobilizar aí alguns parceiros, pegar carona, para que possam nos ajudar, mobilizar, articular para adquirir essas coisas e mandar pra gente também. A gente ficaria muito feliz com isso, as comunidades, que realmente estão precisando. Eu não procurei você antes porque eu também sei que vocês tem a demanda de vocês aí… Mas é que eu vejo aqui, as comunidades super precisam dessas coisas. E não é só cestas básicas. A gente tem alimento da gente aqui também, que a gente consome. Não quer dizer que a gente não precisa também das cestas. Mas não tanto quanto os materiais que as comunidades estão precisando para trabalhar e para dar continuidade no trabalho de roçada. Daí já passa um tempo, aí posteriormente ver o tempo da queimada pras roças, e depois vem o período do plantio das roças… Então a gente vai precisar de bastante material. Eu aguardo posicionamento seu, uma resposta sua para ver o que que você me fala, tá bom? Um abraço até mais.”

Diante da resposta positiva, o reforço:

“Obrigadão aí pela força companheiro, pela parceria também e pela compreensão também. A gente está há seis meses sem sair. Como você sabe o Xingu é muito extenso, são 16 povos. Tem chegado apoio, mas não atende todo mundo, não consegue atender todo mundo, então por isso eu estou falando com vocês. Eu conversei aqui com uns povos parentes, que tem mais ou menos duas ou três aldeias, e tem o meu povo também, né?  Então como a gente está em várias aldeias, então o que que foi a metodologia que eu montei lá. Eu achei que daria para gente dividir os trabalhos com outros parceiros. Então, aqui, a gente conversando, o pessoal aqui e o cacique lá de outra aldeia que fica na região onde a gente mora, a gente decidiu buscar algum tipo de apoio para 10 aldeias que são Parureda, Caiçara, Tuba-tuba, Maidicá, Camaçari, Aiporé, Paranaíta, Castanhal, Três Patos e Ciato. Dessas aldeias, a gente já fez um pequeno levantamento também, a maior população aqui é o povo Yudjá, dá um total de 150 famílias nas 10 aldeias. Então as ferramentas para trabalho, produto de higiene que não falei, o sabão, sabonete, bombril de lavar panela também, creme dental, escova de dentes, essas coisas também são bem vindo. Botinas, chinelos havaianas. Que a gente precisa além das cestas, né? Assim, que nem eu falei, a gente tem a comida nossa que é farinha, bijú, caça… A gente precisa também de óleo de comida, sal, açúcar também que a gente consome hoje, né? Não muito, mas a gente consome para adoçar algumas coisas. Então, por isso a cesta também é fundamental pra gente, é importante também, porque tem algumas coisas também que a gente usa também no nosso dia a dia. Então é isso!”

Essa é a história que motivou os movimentos sociais do campo popular de Mato Grosso  – MST, Consulta Popular e Levante Popular da Juventude, em parceria com a Associação dos Docentes  da Universidade Federal de Mato Grosso (ADUFMAT) lançarem uma campanha conclamando toda a sociedade para doar ferramentas para trabalho na roça, pesca e materiais de higiene e limpeza para atender as necessidade de 10 aldeias da região do baixo Xingu. 

Nesse momento, onde a existência concreta desses povos está mais uma vez ameaçada, é importante nos atentarmos para a importância de fortalecermos a luta pela defesa de suas formas de vida, pela preservação de suas múltiplas e diversas culturas e de seus territórios. Não obstante, para além de apoiarmos a luta, é preciso que nossa relação com os povos originários seja de aprendizagem, que a gente possa aprender com a riqueza de suas culturas e com sua relação de respeito para com a natureza e com outros seres humanos.

As organizações conclamam toda a sociedade a se juntar a essa causa e contribuir com a preservação das comunidades indígenas do baixo Xingu, em Mato Grosso, doando produtos de limpeza, material de trabalho na roça e para pesca (vide lista abaixo). 

As doações podem ser entregues na sede da ADUFMAT, em Cuiabá, ou por meio de depósito na conta abaixo. Mais informações no face da AAMOBEP – https://www.facebook.com/aamobep/  – pelo email aamobep@gmail.com  ou pelo telefone (65)981094569.

Nome: AAMOBEP (Ass. Amigas/os do Centro de Formação e Pesquisa Olga Benário Prestes) 

CNPJ: 18.208.193/0001-36

Banco: BANCO DO BRASIL

Agência: 3325

Operação: 1

Conta: 100.113-2

LISTA DOS MATERIAIS SOLICITADOS:

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