O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) concedeu, nessa quinta (3), habeas corpus para a coordenadora do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), Carmen Silva Ferreira. Carmen teve sua prisão decretada em 6 de agosto. A decisão estabelece, também, algumas medidas cautelares alternativas à prisão.
Para Francisco Queiroz, advogado de Carmen, “é uma importante vitória neste percurso que será trilhado para provar a inocência de Carmen”.
Preta Ferreira e Sidney Ferreira, também do MSTC, seguem encarcerados há mais de cem dias, em razão do mesmo processo. Os advogados de deles aguardam o julgamento do habeas corpus e esperam, também, um resultado favorável.
Entenda o caso
Em 11 de julho de 2019, o Ministério Público do Estado de São Paulo denunciou 19 integrantes de diferentes movimentos de luta por moradia. Na denúncia, assinada pelo promotor de Justiça criminal Cassio Roberto Conserino, o grupo é acusado de associação criminosa e extorsão.
Quinze dias antes, em 24 junho, quatro dos indiciados foram presos provisoriamente. Sidney Ferreira e Preta Ferreira, do Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC), e Edinalva Silva Ferreira e Angélica dos Santos Lima, do Movimento de Moradia Para Todos (MMPT). Quatro dias depois, as prisões foram convertidas para preventivas (por tempo indeterminado).
O inquérito é um desdobramento da investigação do desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo Paissandu, em maio de 2018. O prédio era ocupado pelo Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM) e abrigava aproximadamente 150 famílias. Nenhum dos ativistas detidos em junho deste ano tem relação com a ocupação do Wilton Paes, senão aquela estabelecida logo após o desabamento, quando comitês de ajuda organizados pelos movimentos de moradia prestaram auxílio às famílias desabrigadas.
A denúncia
A denúncia apresentada pelo Ministério Público, com base no inquérito policial, aponta o recebimento de uma carta denúncia como motivação inicial da investigação. O site Jornalistas Livres revelou que o documento era cópia de texto que circulava em redes de extrema direita, sem qualquer correlação com moradores de ocupações.
Em 6 de agosto, a juíza Erika Soares de Azevedo Mascarenhas, da 6ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, acolheu a denúncia do Ministério Público e fez novos pedidos de prisão preventiva para outras nove pessoas, dentre elas Liliane Ferreira, Adriana Ferreira e Carmen Silva, todas do MSTC.
Tomando por verdade frágeis testemunhos colhidos durante o inquérito e usando expressões como “ganância desvairada”, “ambição desmedida” e ”egoísmo excessivo”, a juíza acredita haver um conluio de movimentos, a que chama de “poder paralelo”, com o objetivo de extorquir a população.
Foi constituída uma equipe de defesa para atuar em favor dos integrantes do MSTC. Os advogados Augusto Arruda Botelho, Allyne Andrade e Silva e Beto Vasconcelos cuidam da defesa de Preta Ferreira. Liliane Ferreira e Adriana Ferreira serão defendidas pelos advogados Pierpaolo Cruz Bottini, Igor Sant’Anna Tamasauskas e Tiago Sousa Rocha. Amanda Santos Cayres cuidará do caso de Sidney Ferreira. Theo Dias e Francisco Queiroz advogam por Carmen Silva.
As famílias não querem auxílio aluguel que não contempla todas as famílias. A Comunidade Mandela luta por Moradia para todas as famílias Foto: Fabiana Ribeiro | Jornalistas Livres
Negociação entre o proprietário do terreno e a municipalidade
A área de 300 mil metros quadrados é de propriedade de Celso Aparecido Fidélis. A propriedade não cumpre função social e possui diversas irregularidades com a municipalidade.
As famílias da Comunidade Mandela já demonstraram interesse em negociar a área, com o proprietário para adquirir em forma de cooperativa popular ou programa habitacional. Fidélis ora manifesta desejo de negociação, ora rejeita qualquer acordo de negócio.
Mas o proprietário e a municipalidade – por intermédio da COAB (Cia de Habitação Popular de Campinas) – estão negociando diretamente, sem a participação das famílias da Comunidade Mandela que ficam na incerteza do destino.
As mulheres são a grande maioria da Comunidade e também são elas que estão nos atos lutando por direitos. Foto: Fabiana Ribeiro | Jornalistas Livres
As famílias querem ser ouvidas
Durante o ato, uma comissão de moradores da Ocupação conseguiu ser liberada pelo contingente de Guardas Municipais que fazia pressão sobre os manifestantes , em sua grande maioria formada pelas mulheres da Comunidade com seus filhos e filhas. Uma das características da ocupação é a liderança da Comunidade ser ocupada por mulheres, são as mães que lideram a luta por moradia.
A reunião com o presidente da COAB de Campinas e Secretário de Habitação – Vinícius Riverete foi marcada para o dia 28 de setembro.
A luta e a esperança de igualdade social Foto: Fabiana Ribeiro | Jornalistas Livres
As mulheres da Comunidade Mandela, em sua maioria são trabalhadoras informais, se organizam para lutar por moradia.
Depois de muita espera, dez dias após o encerramento do prazo para a saída das famílias da área que ocupam, o juiz despacha no processo de reintegração de posse contra da Comunidade Mandela, no interior de São Paulo. No despacho proferido , o juiz do processo – Cássio Modenesi Barbosa – diz que aguardará a manifestação do proprietário da área sobre eventual cumprimento de reintegração de posse. De acordo com o juiz, sua decisão será tomada após a manifestação do proprietário. A Comunidade, que ocupa essa área na cidade de Campinas desde 2017, lançou uma nota oficial na qual ressalta a profunda preocupação em relação ao despacho do juiz em plena pandemia e faz apontamento importante: não houve qualquer deliberação sobre as petições do Ministério Público, da Defensoria Pública, dos Advogados das famílias e mesmo sobre o ofício da Prefeitura, em que todas solicitaram adiamento de qualquer reintegração de posse por conta da pandemia da Covid-19 e das especificidades do caso concreto.
Ainda na nota a Comunidade Mandela reforça:
“ Gostaríamos de reforçar que as famílias da Ocupação Nelson Mandela manifestaram intenção de compra da área e receberam parecer favorável do Ministério Público nos autos. Também está pendente a discussão sobre a possibilidade de regularização fundiária de interesse social na área atualmente ocupada, alternativa que se mostra menos onerosa já que a prefeitura não cumpriu o compromisso de implementar um loteamento urbanizado, conforme acordo firmado no processo. Seguimos buscando junto ao Poder público soluções que contemplem todos os moradores da Ocupação, nos colocando à disposição para que a negociação de compra da área pelas famílias seja realizada.”
Hoje também foi realizada uma atividade on-line de Lançamento da Campanha Despejo Zero em Campinas -SP (
Campinas acaba prorrogar a quarentena até 06 de outubro, a medida publicada na edição desta quinta-feira (10) do Diário Oficial. Prefeitura também oficializou veto para retomada de atividades em escolas da cidade.
A Comunidade Mandela e as ocupações
A Comunidade Mandela luta desde 2016 por moradia e desde então tem buscado formas de diálogo e de inclusão em políticas públicas habitacionais. Em 2017, cerca de mais de 500 famílias que formavam a comunidade sofreram uma violenta reintegração de posse. Muitas famílias perderam tudo, não houve qualquer acolhimento do poder público. Famílias dormiram na rua, outras foram acolhidas por moradores e igrejas da região próxima à área que ocupavam. Desde abril de 2017, as 108 famílias ocupam essa área na região do Jardim Ouro Verde. O terreno não tem função social, também possui muitas irregularidades de documentação e de tributos com a municipalidade. As famílias têm buscado acordos e soluções junto ao proprietário e a Prefeitura. Leia mais sobre: https://jornalistaslivres.org/em-meio-a-pandemia-a-comunidade-mandela-amanhece-com-ameaca-de-despejo/
O dia de hoje (31/08) será decisivo para as 108 famílias que vivem na área ocupada na região do Jardim Ouro Verde em Campinas, interior de São Paulo. Assim sendo, o último dia do mês de agosto, a data determinada como prazo final para que os moradores sem-teto deixem a área ocupada, no Jardim Nossa Senhora da Conceição. A comunidade está muito apreensiva e tensa aguardando a decisão do juiz Cássio Modenesi Barbosa – da 3ª Vara do Foro da Vila Mimosa que afirmou só se manifestar sobre a suspensão ou não do despejo na data final, tal afirmativa só contribuiu ainda mais para agravar o estado psicológico e a agonia das famílias.
A reintegração é uma evidente agressão aos direitos humanos dos moradores e moradoras da ocupação, segundo parecer socioeconômico do Núcleo Habitação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo . As famílias não têm para onde ir e cerca de entre as/os moradoras/es estão 89 crianças menores de 10 anos, oito adolescentes menores de 17 anos, dois bebês prematuros, sete grávidas e 10 idosos. 62 pessoas da ocupação pertencem ao grupo de risco para agravamento da Covid-19, pessoas idosas e com doenças cardiológicas e respiratórias, entre outras podem ficar sem o barraco que hoje as abriga.
Parecer socioeconômico da Ocupação da Comunidade Mandela. Importante trabalho da agente socióloga do Núcleo de Habitação – Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a Comissão dos Direitos Humanos da Câmara de Campinas e o Ministério Público (MP-SP) se manifestaram em defesa do adiamento da reintegração durante a pandemia. A Governo Municipal também se posicionou favoravelmente a permanência após as famílias promoverem três atos de protesto. Novamente a Comunidade sofre com a ameaça do despejo. As famílias ocupam essa área desde 2017 após sofrem uma reintegração violenta em outra região da cidade.
As famílias
A comunidade possui 89 crianças com idade inferior a 10 anos
foto: Fabiana Ribeiro – Jornalistas Livres
Célia dos Santos, uma das lideranças na comunidade relata:
Foto Fabiana Ribeiro – Jornalistas Livres
“ Tentamos várias vezes propor a compra do terreno, a inclusão das famílias em um programa habitacional, no processo existem várias formas de acordo. Inclusive tem uma promessa que seriam construídas unidades habitacionais no antigo terreno que ocupamos e as famílias do Mandela seriam contempladas. Tudo só ficou na promessa. Prometem e deixam o tempo passar para não resolver. Eles não querem. Nós queremos, temos pressa. Eles moram no conforto. Eles não têm pressa”
Simone é mulher negra, mãe de cinco filhos. Muito preocupada desabafa o seu desespero
Foto: Fabiana Ribeiro – Jornalistas Livres
“ Não consigo dormir direito mais. Eu e meu filho mais velho ficamos quase sem dormir a noite toda de tanta ansiedade. Estou muito tensa. Nós não temos para onde ir, se sair daqui é para a rua. Eu nem arrumei as coisas porque não temos nem como levar . O meu bebê tem problemas respiratórios e usa bombinha, as vezes as roupinhas dele ficam sujas de sangue e tenho sempre que lavar. Como vou fazer?”
Dona Luisa é avó, mulher negra, trabalhadora doméstica informal e possui vários problemas de saúde que a coloca no grupo de risco de contágio da covid-19. Ela está muito apreensiva com tudo. Os últimos dias têm sido de esgotamento emocional e a sua saúde está abalada. Dona Luisa está entre as moradores perderam tudo o que possuíam durante a reintegração de posse em 2017. A única coisa que restou, na ocasião, foi a roupa que ela vestia.
Foto: Fabiana Ribeiro – Jornalistas Livres
“ Com essa doença que está por aí fica difícil alguém querer dar abrigo para a gente. Eu entendo as pessoas. Em 2017 muitos nos ajudaram e eu agradeço a Deus. Hoje será difícil. E eu entendo. Eu vou dormir na rua, junto com meus filhos e netos. Sou grupo de risco, posso me contaminar e morrer. E as minhas crianças? O quê será das crianças? Meu Deus! Nossa comunidade tem muitas crianças. Esses dias minha netinha me perguntou onde iríamos morar? Eu me segurei para não chorar na frente dela. Se a gente tivesse para onde ir não estaria aqui. Não é possível que essas pessoas não se sensibilizem com a gente. Não é possível que haja tanta crueldade nesse mundo.”
Comunidade Mandela – Foto Fabiana Ribeiro – Jornalistas Livres