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Golpe

Juristas das principais instituições brasileiras do Direito emitem parecer contra o impeachment

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por Allan Ferreira e Ana Trevisan, especial para os Jornalistas Livres, colaborou Cesar Locatelli

(Atualizado em 09/12 às 20h)

Reprodução — NBR

Representantes da elite intelectual jurídica se reuniram hoje com a presidenta Dilma Rousseff e com ministros, inclusive José Eduardo Cardozo, da Justiça, para debater sobre a tese do impeachment. O grupo Juristas Pela Democracia se posiciona contra o processo de impeachment aberto por Eduardo Cunha. Dentre os participantes deste grupo estão nomes como Celso Bandeira de Melo, Fábio Konder Comparato, Dalmo Dallari e Pedro Serrano.

Dilma respondeu questões de jornalistas e indicou que de sua parte, ainda não recebeu qualquer sinal [de que Temer esteja articulando contra o governo] vindo diretamente do vice-presidente (PMDB).

Assista a seleção de trechos do vídeo da coletiva publicado pela NBR:

Ou veja o vídeo da coletiva publicado pela NBR na íntegra:

Em seguida, o ministro Cardozo comunicou que alguns dos juristas que participaram da reunião com a presidenta iriam apresentar seus pontos de vista. Essa manifestação dos juristas soma-se a outras já realizadas desde a semana passada, dentre elas, a dos governadores contrários ao impeachment e a do lançamento da página Golpe Nunca Mais no Facebook.

Reprodução — conjur.com.br

O primeiro a falar foi o jurista e professor Juarez Tavares da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que afirmou que não se pode alegar que eventuais delitos econômicos possam servir de base para impeachment, pois não é o que prevê a Constituição:

“…não se incluem entre os crimes de responsabilidade infrações menores e nem irregularidades administrativas que possam ocorrer durante o mandato presidencial.”

Segundo Tavares os crimes de responsabilidade, “…constituem infrações graves que atentem fundamentalmente contra a Constituição.”, o que segundo ele e outros juristas não ocorre no caso das chamadas “pedaladas fiscais”.

(clique aqui para acessar o parecer dos professores Dr. Juarez Tavares e Dr. Geraldo Prado).

Em seguida, falou o também jurista e professor Francisco de Queiroz da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que chamou atenção para o fato de o Brasil, tal como o resto do mundo, ter passado por uma crise econômica de escala global e que isso não pode ser desconsiderado:

“…qualquer exame de questão jurídica […] tem que se fazer à luz da situação de fato existente. Nós temos hoje um quadro econômico absolutamente desfavorável em termos de comércio exterior, as commodities caíram, é o maior período de seca em muitos anos, a indústria precisando de apoio, a crise que começa em 2008… o Governo precisou aumentar os subsídios dos financiamentos do BNDES, reforçar o Minha Casa Minha Vida para garantir o setor de habitações, enfim, medidas de fomento tiveram que ser feitas, e a receita caiu… e começam a responsabilizar a governante por pequenos atrasos em relação a financiamentos de bancos como o BNDES e a Caixa Econômica — exclusivamente públicos — e o Banco do Brasil.”

E prosseguiu:

“…se os senhores observarem, o que se tem muito é mais do que isso [a observação de decretos de lei de responsabilidade]: é uma pretensão de transformar a ação de moção de desconfiança do regime parlamentarista em impeachment. Impeachment é algo muito sério, na história dos EUA ocorreram muito poucas vezes… O que se está tentando é imputar responsabilidade de fatos que de que ela não tinha conhecimento, ou de fatos cujo conhecimento é absolutamente necessário.”

Para Queiroz, se o governo tivesse feito o contrário do que fez, então mereceria estar sujeito ao pedido de impeachment:

“…imagine o Governo Federal, o único sócio da CEF, que aportou em 2014 para a Caixa mais de 400 bilhões. Tem um pequeno atraso que implicaria — se suspenso o pagamento — num desastre social com milhões de pessoas sem receber o Bolsa Família. Aí seria caso de impeachment.”

Ainda sobre as ações do governo:

“…se os senhores fossem observar os atos praticados [pelo governo], os senhores de boa fé dirão: ‘não tem um desses que eu também não faria’, a não ser que se estivesse com deliberada má fé.”

Além disso, Queiroz lembrou que outros governos agiram da mesma forma e que hoje se tenta utilizar um formalismo jurídico para que se atenda a outros interesses políticos:

“…tudo o que está se fazendo é um ardil para formação ou para pretensão de terceiro turno eleitoral. O regime presidencialista dá ao presidente quatro anos de mandato.”

Reprodução — conjur.com.br

A advogada e professora Rosa Cardoso da Cunha da Universidade Federal Fluminense (UFF) deu seu parecer do ponto de vista do direito criminal e indicou que o processo de impeachment além de ser um processo político-administrativo é também um processo que implica um crime que precisa estar previsto em lei tal como interpretado pelo STF:

“…se é crime, tem as garantias do direito criminal, ou seja, o fato só pode ser enquadrado, só pode ser atribuído a alguém se for típico, antijurídico e culpável, se houver justa causa do ponto de vista criminal, e justa causa — do ponto de vista criminal — é materialidade criminosa e autoria criminosa.”

A professora detalhou que materialidade criminosa “não é ter feito qualquer coisa”, mas sim fazer algo que se configure como crime. Outro ponto tratado pela advogada é o de que o governo se baseou em precedentes de outros governos para realizar as chamadas “pedaladas fiscais” o que indicaria não haver dolo na ação da presidenta:

“…o governo se baseou em precedentes dentro do Tribunal de Contas da União (TCU) que vêm desde o ano 2002, com o Fernando Henrique aceitando esses decretos complementares que estão sendo cobrados agora, aceitando essas ‘pedaladas fiscais’ que são práticas comuns. Então, não houve dolo.”

Reprodução — NBR

Além disso, segundo Cardoso da Cunha, houve estado de necessidade de fazer uso do que se chamou “pedaladas fiscais” para evitar dano maior, procedimento este que foi submetido à Câmara para que fosse apreciado. (clique aqui para acessar o parecer da Dra. Rosa Cardoso).

O Dr. Luiz Moreira Gomes Júnior membro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) considerou que o que parece estar em curso é um “golpe parlamentar”. Na visão do jurista o processo iniciado na semana passada não tem nenhum fundamento constitucional:

“…está muito claro para a comunidade jurídica brasileira que este processo que se iniciou semana passada não tem nenhum fundamento jurídico. Não tem nenhum fundamento constitucional. O que nós estamos a observar? Um presidente da Câmara dos Deputados [Eduardo Cunha — PMDB] que não tem credibilidade, que não tem idoneidade para apresentar-se como protagonista de um processo de impeachment. A sociedade brasileira precisa entender e o cidadão entenderá que o mandato de uma presidenta da república como Dilma Rousseff não pode ser contestado por alguém que responde por várias ações no Supremo Tribunal Federal (STF).”

Para Luiz Moreira, para que o futuro dos brasileiros possa ser garantido, não se pode permitir que atos arbitrários sejam ameaçados por caprichos de políticos contrariados que usam as instituições em seu favor — referindo-se a Eduardo Cunha.

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Não se pode confundir eventuais ilegalidades ou inconstitucionalidades com o atentado à Constituição — argumentou o professor André Ramos Tavares (USP):

“…eu queria aqui tocar num ponto que me parece essencial que é a importância de nós não confundirmos eventuais ilegalidades, eventuais inconstitucionalidades com o atentado à Constituição. Para que nós caracterizemos uma situação de tal gravidade que pode levar ao processo de impedimento de um presidente da república é preciso que esteja caracterizado de maneira irretorquível, de maneira muito clara e evidente que o presidente ou a presidenta tenha praticado um ato contra a Constituição, e não a mera medida que possa ser classificada como ilegal ou inconstitucional porque isso inclusive faz parte do processo de governar… isso inclusive é assumido pela própria Constituição.”

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O próprio STF declara que certas leis podem ser consideradas ilegais em certos momentos, inclusive leis aprovadas no Congresso e sancionadas pela presidência. Além disso, o jurista indicou que o processo de impeachment não pode ser utilizado para se tentar alcançar o poder de forma ilegítima.

“…instituto do impeachment não serve para ratificar o resultado obtido nas urnas ou para rejeitar resultado obtido nas urnas anteriormente.”

Para o jurista Marcelo Labanca Corrêa de Araújo da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), não há ato pessoal direto da presidente da república que incorra em crime de responsabilidade:

“…não há nenhum ato pessoal direto da presidenta da república [analisado pela equipe do jurista] capaz de gerar crime de responsabilidade… O crime de responsabilidade exige a fraude, a intenção da desonestidade — não é qualquer ato ilícito — existe a vontade de fraudar, portanto, não foi identificado no exame que nós fizemos, no nosso parecer, qualquer ato que pudesse levar a presidenta da república a perder o seu mandato.”

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Estamos diante de uma situação na qual se tenta basear em aspectos políticos para se tentar afetar juridicamente a presidenta da república:

“…nós estamos diante de uma situação onde o direito está sendo manipulado com a finalidade mais política do que essencialmente jurídica. Do ponto de vista essencialmente jurídico, não houve o crime de responsabilidade […], não pode haver uma manipulação e uma subversão do direito com finalidades políticas, isso gera injustiça.”

E concluiu:

“Se você tirar o pão de um pobre, ou o carro de um rico, ou o mandato de uma presidenta da república de maneira indevida passando ao arrepio do direito você vai estar acabando com o estado democrático, e portanto, com aquilo que nos dá proteção [como sociedade].”

O jurista Heleno Torres da Universidade de São Paulo (USP) indicou que o Congresso se omitiu de julgar as contas do governo e que o TCU não é a última palavra sobre as contas de Dilma, mas sim o Congresso. Deste modo não haveria base jurídica para se fundamentar o processo de impeachment.

“…lamentavelmente induziu-se a sociedade brasileira a achar que o julgamento do TCU era algo definitivo, que era a última palavra, como se fosse o STF. E nesse equívoco laboram muitos. É aqui onde falta a constitucionalidade… o Congresso Nacional é o único titular do orçamento público.”

E prosseguiu:

“…não há acusação se não houve julgamento das contas pelo Congresso Nacional. […], ressalvas podem ser feitas para o exercício futuro, mas não para o passado [sobre o fato de se alegar somente reprovação no TCU e não no Congresso].”

Para Torres, as demais ações do Congresso, inclusive as pautas bombas, levaram à necessidade de se realizar ajustes fiscais. Para ele a Câmara é a responsável também por levar o país à atual crise.

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“…no âmbito internacional há uma crise gravíssima […], a França está com um déficit de 3% do PIB há quatro anos. Países em desenvolvimento estão sofrendo uma crise internacional muito grande e isso repercutiu no Brasil. Repercutiu também porque aqui não foram feitos os ajustes fiscais, repercutiu porque houve pauta bomba, houve recontagem de votos eleitorais, houve uma série de situações que impediram o Congresso Nacional de funcionar ao longo do ano.”

Torres afirmou ainda que foi um ato de grandeza do Congresso aprovar o ajuste das metas fiscais para os anos de 2014 e 2015.

Marcelo Neves da Universidade de Brasília (UNB) chamou também atenção para a necessidade de segurança jurídica para o bom funcionamento do país e tratou da abordagem do tema das “pedaladas fiscais” e os decretos que estariam desrespeitando a Constituição, comparando o fim do governo FHC com o atual contexto:

“…observei que nos anos de 2001 e 2002 eram abundantes [as ‘pedaladas fiscais’] que hoje eles condenam. Então, há uma quebra da coerência jurídica e a coerência é fundamental para o estado de direito.”

Para Neves, não é qualquer ilegalidade que serve para motivar um impeachment. Segundo o jurista, trata-se de um pacto forjado para levar o país à crise, para levar o país à ingovernabilidade de modo que possam ganhar com esta crise. Para Neves, os defensores do impeachment estão tentando criar artifícios para se chegar a um golpe já que não podem contar com a instituição militar para realizá-lo.

 
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“Os limites jurídicos do impeachment são uma garantia de respeito ao povo, porque o presidente tem uma eleição como sua base. Portanto, tudo o que se está fazendo com toda essa retórica irresponsável aponta para uma orientação política que no sistema parlamentar teria sentido, portanto, se eu não diria que é um golpe, é um equivalente funcional ao golpe. É como, se você não tem mais apoio militar para dar o golpe — porque não há mais as condições internacionais e no hemisfério — você cria agora formas outras que servem para derrubar irresponsavelmente e de forma jurídica um governo popular.”

O Advogado-geral da União Luís Inácio Adams (AGU), declarou que não houve prejuízo ao erário público, mesmo para os bancos envolvidos. Segundo ele, os recursos foram utilizados para garantir que projetos sociais fossem mantidos e este teria sido um dos fatores que geraram descontentamento na oposição que pede o impeachment. Adams destacou ainda a necessidade de se respeitar a legalidade.

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Os pareceres gerados pelos juristas e advogados que participaram da reunião serão enviados às diversas instituições envolvidas, como por exemplo, a Câmara dos Deputados. Questionado sobre a ausência do jurista Michel Temer (PMDB) na reunião, Cardoso respondeu que os juristas participantes não são membros do governo; já Temer é membro do governo e, portanto, não seria o caso comparecer àquela reunião e apresentação de pareceres, pois a visão dele faz parte da visão do governo.

Ao longo do dia, as principais redes de TV aberta deram destaque à saída do Ministro Eliseu Padilha da Aviação Civil — aliado de Temer. Por outro lado, não apresentaram — até o momento desta publicação — a repercussão do parecer dos juristas a respeito da contrariedade ao impeachment.

Campinas

Ocupação Mandela: após 10 dias de espera juiz despacha finalmente

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Depois de muita espera, dez dias após o encerramento do prazo para a saída das famílias da área que ocupam,  o juiz despacha no processo  de reintegração de posse contra da Comunidade Mandela, no interior de São Paulo.
No despacho proferido , o juiz do processo –  Cássio Modenesi Barbosa –  diz que  aguardará a manifestação do proprietário da área sobre eventual cumprimento de reintegração de posse. De acordo com o juiz, sua decisão será tomada após a manifestação do proprietário.
A Comunidade, que ocupa essa área na cidade de Campinas desde 2017,   lançou uma nota oficial na qual ressalta a profunda preocupação  em relação ao despacho  do juiz  em plena pandemia e faz apontamento importante: não houve qualquer deliberação sobre as petições do Ministério Público, da Defensoria Pública, dos Advogados das famílias e mesmo sobre o ofício da Prefeitura, em que todas solicitaram adiamento de qualquer reintegração de posse por conta da pandemia da Covid-19 e das especificidades do caso concreto.

Ainda na nota a Comunidade Mandela reforça:

“ Gostaríamos de reforçar que as famílias da Ocupação Nelson Mandela manifestaram intenção de compra da área e receberam parecer favorável do Ministério Público nos autos. Também está pendente a discussão sobre a possibilidade de regularização fundiária de interesse social na área atualmente ocupada, alternativa que se mostra menos onerosa já que a prefeitura não cumpriu o compromisso de implementar um loteamento urbanizado, conforme acordo firmado no processo. Seguimos buscando junto ao Poder público soluções que contemplem todos os moradores da Ocupação, nos colocando à disposição para que a negociação de compra da área pelas famílias seja realizada.”

Hoje também foi realizada uma atividade on-line  de Lançamento da Campanha Despejo Zero  em Campinas -SP (

https://tv.socializandosaberes.net.br/vod/?c=DespejoZeroCampinas) tendo  a Ocupação Mandela como  o centro da  discussão na cidade. A Campanha Despejo Zero  em Campinas  faz parte da mobilização nacional  em defesa da vida no campo e na cidade

Campinas  prorroga  a quarentena

Campinas acaba prorrogar a quarentena até 06 de outubro, a medida publicada na edição desta quinta-feira (10) do Diário Oficial. Prefeitura também oficializou veto para retomada de atividades em escolas da cidade.

 A  Comunidade Mandela e as ocupações

A Comunidade  Mandela luta desde 2016 por moradia e  desde então  tem buscado formas de diálogo e de inclusão em políticas  públicas habitacionais. Em 2017,  cerca de mais de 500 famílias que formavam a comunidade sofreram uma violenta reintegração de posse. Muitas famílias perderam tudo, não houve qualquer acolhimento do poder público. Famílias dormiram na rua, outras foram acolhidas por moradores e igrejas da região próxima à área que ocupavam.  Desde abril de 2017, as 108 famílias ocupam essa área na região do Jardim Ouro Verde.  O terreno não tem função social, também possui muitas irregularidades de documentação e de tributos com a municipalidade.  As famílias têm buscado acordos e soluções junto ao proprietário e a Prefeitura.
Leia mais sobre:  
https://jornalistaslivres.org/em-meio-a-pandemia-a-comunidade-mandela-amanhece-com-ameaca-de-despejo/

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#EleNão

EDITORIAL – HOJE É DIA DE LUTO! PERDEMOS O MENINO GABRIEL

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Gabriel e Lula: aniversário no mesmo dia: 27/10

Gabriel e Lula: aniversário no mesmo dia: 27/10

Gabriel e Lula: aniversário no mesmo dia: 27/10

Perdemos um camarada valoroso, um menino negro encantador de feras, um sorriso no meio das bombas e da violência policial, um guerreiro gentil que defendeu com unhas e dentes a Democracia, a presidenta Dilma Rousseff durante todo o processo de impeachment, e o povo brasileiro negro e pobre e periférico, como ele.

Gabriel Rodrigues dos Santos era onipresente. Esteve em Brasília, na frente do Congresso durante o golpe, em São Paulo, nas manifestações dos estudantes secundaristas; em Curitiba, acampando em defesa da libertação do Lula. Na greve geral, nas passeatas, nos atos, nos encontros…

O Gabriel aparecia sempre. Forte, altivo, sorrindo. Como um anjo. Anjo Gabriel, o mensageiro de Deus

Estamos tristes porque ele se foi hoje, no Incor de São Paulo, depois de um sofrimento intenso e longo. Durante três meses Gabriel enfrentou uma infecção pulmonar que acabou levando-o à morte.

Estamos tristíssimos, mas precisamos manter em nossos corações a lembrança desse menino que esteve conosco durante pouco tempo, mas o suficiente para nos enriquecer com todos os seus dons.

Enquanto os Jornalistas Livres estiverem vivos, e cada um dos que o conheceram viver, o Gabriel não morrerá.

Porque os exemplos que ele deixou estarão em nossos atos e pensamentos.

Obrigada, querido companheiro!

Tentaremos, neste infeliz momento de Necropolítica, estar à altura do Amor à Vida que você nos deixou.

 

 

Leia mais sobre quem foi o Gabriel nesta linda reportagem do Anderson Bahia, dos Jornalistas Livres

 

Grande personagem da nossa história: Gabriel, um brasileiro

 

 

 

 

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Golpe

Presidência cavalga para fora dos marcos do Estado de Direito

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Por Ruy Samuel Espíndola*

O Governo, num Estado de Direito, deve ser eleito, e, depois de empossado, deve ser exercido de acordo com regras pré-estabelecidas na Constituição. Essas são as regras do jogo, tanto para a tomada do poder, quanto para o seu exercício, como ensina Norberto Bobbio. Governo entendido aqui como o conjunto das instituições eletivas, representadas por seus agentes políticos eleitos pelo voto popular. Governo que, numa República Federativa e Presidencialista como a brasileira, é exercido no plano da União Federal, pela chefia do Executivo, pela Presidência da República e seus ministros, como protagonistas e pelo Congresso Nacional, com os deputados federais e senadores, como coadjuvantes.

Ao Governo, exercente máximo da política, devem ser feitas algumas perguntas, para saber de sua legitimidade segundo o direito vigente: quem pode exercê-lo e com quais procedimentos? Ao se responder a tais questões, desvela-se o mote que intitula este breve ensaio.

Assim, pode-se dizer “Governo constitucional” aquele eleito segundo as regras estabelecidas na Constituição: partido regularmente registrado, que, em convenção, escolheu candidato, que, por sua vez, submetido ao crivo do sufrágio popular, logrou êxito eleitoral. Sufrágio que culminou após livre processo eleitoral, no qual se assegurou, em igualdade de condições, propaganda eleitoral e manejo de recursos para a promoção da candidatura e de suas bandeiras, e que não sofreu, ao longo da disputa, nenhum impedimento ou sanção do órgão executor e fiscalizador do processo eleitoral: a justiça eleitoral. Justiça que, através do diploma, habilita, legalmente, o candidato escolhido nas urnas, a se investir de mandato e exercê-lo. Um governo constitucional, assim compreendido, merece tal adjetivação jurídico-politica, ainda que durante o período de campanha ou antes ou depois dele, o candidato e futuro governante questione o processo de escolha, coloque em dúvida sua idoneidade, ou mesmo diga que não estará disposto a aceitar outro resultado eleitoral que não o de sua vitória, ou, após conhecer o resultado da eleição, diga que o conjunto de seus adversários podem mudar para outros países, pois não terão vez em nossa Pátria e irão para a “ponta da praia” .

O Governo constitucional, sob o prisma de seu exercício, após empossado, é aquele que respeita a mínimas formas constitucionais, enceta suas políticas mediante os instrumentos estabelecidos na Constituição: sanciona e publica leis que antes foram deliberadas congressualmente; dá posse a altas autoridades que foram sabatinadas pelas casas do congresso; não usa de sua força, de suas armas, a não ser de modo legítimo, respeitando a oposição, as minorias e os direitos fundamentais das pessoas e de entes coletivos; administra os bens públicos e arrecada recursos públicos de acordo com a lei pré-estabelecida, sem confisco e de modo impessoal; acata as prerrogativas do Judiciário e do Legislativo, ainda que discorde ou se desconforte com suas decisões; prestigia as competências federativas, tanto legislativas, quanto administrativas, etc, etc. Promove a unidade nacional, em atitudes, declarações públicas e políticas concretamente voltadas a tal fim.

O “Governo constitucionalista”, por sua vez, além de ascender ao poder e exercê-lo, tendo em conta regras constitucionais, como faz um governo constitucional, defende o projeto constitucional de Estado e Sociedade, através do respeito amplo, dialógico e progressivo do projeto constituinte assentado na Constituição. Respeita a história política que culminou no processo reconstituinte e procura realizá-lo de acordo com as forças políticas e morais de seu tempo, unindo-as, ainda que no dissenso, através da busca de consensos mínimos no que toca ao projeto democrático e civilizatório em constante construção sempre inacabada. E governo constitucionalista, no Brasil, hoje, para merecer esse elevado grau de significação político-democrática e civilizatória, precisa respeitar a gama de tarefas e missões constitucionais descritas em inúmeras normas constitucionais que tutelam, entre outros grupos sociais, os índios, os negros, os LGBT, os ateus, os de inclinação política ideológica à esquerda, ou a à direita, ou ao centro, sem criminalização ou marginalização no discurso público de quaisquer tendências ideológicas. É preciso o respeito ao pluralismo político e aos princípios de uma democracia com níveis de democraticidade que não se restringem ao campo majoritário das escolhas políticas, mas, antes, se espraiam para as suas dimensões culturais, sociais, econômicas, sanitárias, antropológicas e sexuais etc, etc.

Governos que ascenderam sem respeito a normas constitucionais, como foi o de Getúlio Vargas em 1930 e o que depôs João Goulart em 1964, são inconstitucionais. E governo que se exerce fechando o congresso e demitindo ministros do STF, como se fez em 1969, com a aposentação compulsória dos ministros da Corte Suprema Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Victor Nunes Leal, são governos inconstitucionais, arbitrários, autocráticos, fora do projeto civilizatório e democrático de 1988.

O ponto crítico de nosso ensaio é que um governo pode ascender de modo constitucional, mas passar a ser exercido de modo inconstitucional e/ou de modo inconstitucionalista. O governo do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, é um exemplo deste último e exótico tipo: consegue ser inconstitucional e inconstitucionalista no seu exercício, embora investido de maneira constitucional.

E o conjunto de declarações da reunião ministerial de 22/4, dadas a conhecer em 22/5, é um exemplo recente a elucidar nossa asserção: na fala presidencial, a violação ao princípio da impessoalidade (art. 37, caput, CF) ressoa quando afirma que deseja agir para que familiares seus e amigos não sejam prejudicados pela ação investigativa de órgãos de segurança (polícia federal). Na fala do ministro da Educação, quando afirma “que odeia” a expressão “povos indígenas” e os “privilégios” garantidos a esses no texto constitucional, o que indica contrariar o constitucionalismo positivado nos signos linguístico-normativos “população”, “terras”, “direitos”, “língua”, “grupos” e “comunidades indígenas”, constantes nos artigos 22, XIV, 49, XVI, 109, XI, 129, V, 176, § 1º, 215, § 1º, 231, 232 da CF e 67 do ADCT. Essa fala ministerial, aliás, ressoa discurso de campanha de 2018, quando o então candidato disse, no clube israelita de São Paulo: “No meu governo, não demarcarei nenhum milímetro de terras para indígenas. Também há inconstitucionalismo evidente na fala do Ministro do Meio Ambiente quando defendeu que se fizessem “reformas infralegais” “de baciada”, “para passar a boiada”, “de porteira aberta”, no momento em que o País passa pela pandemia de covid-19, pois o foco de vigília crítica da imprensa não seria o tema ambiental, mas o sanitário e pandêmico, o que facilitaria os intentos inconstitucionalistas contra a matéria positivada nos arts. 23, VI, 24, VI e VII, 170, VI, 174, § 3º, 186, II, 200, VII, 225 e §§ da CF.

Outras falas e atitudes presidenciais ainda mais recentes, e de membros do governo, contrastam com as normas definidoras da separação de poderes, da federação e da democracia, princípios fundamentais estruturantes de nossa comunidade política naciona. A nota do general Augusto Heleno, chefe do GSI, ao dizer que eventual requisição judicial do celular presidencial pelo STF, levaria à instabilidade institucional, traz desarmonia e agride ao artigo 2º, caput, da Constituição Federal. “Chega, não teremos mais um dia como hoje” e “Decisões judiciais absurdas não se cumprem”. Essas falas presidenciais, após o cumprimento de mandados judiciais no âmbito do inquérito judicial do STF, ordenados pelo Ministro Alexandre Moraes, agridem o mesmo dispositivo constitucional, com o agravante do artigo 85, II e VIII, da CF, que positiva ser crime de responsabilidade do presidente atentar contra o livre exercício do Poder Judiciário. E o atentado contra a democracia poderia ser também destacado na fala do filho do Presidente, deputado federal Eduardo Bolsonaro, que declarou estarmos próximos de uma ruptura e que seu pai seria chamado, com razão, de ditador, a depender das atividades investigativas do judiciário, tomadas como agressões ao governo de seu genitor. E o atentado contra a federação se evidencia nas falas presidenciais contra os governadores e prefeitos que estão a tomar medidas sanitárias no combate a covid-19, em que o presidente objetiva desacreditá-los e incitar suas populações contra esses chefes dos executivos estaduais e municipais, para que rompam o isolamento social, com agressão patente aos artigos 1º e 85, II, da Constituição. Os ataques diários aos órgãos de imprensa e a jornalistas, assim como sua atitude contra indagações de repórteres, também afrontam o texto da constituição da República: 5º, IX e XIV, 220 §§ 1º e 2º, protegidos pelo art. 85, III, da CF.

Em nossa análise temporalmente situada e teoricamente atenta, o conjunto de declarações públicas conhecidas do então deputado federal Jair Bolsonaro, desde seu primeiro mandato parlamentar, alcançado em 1990, portanto após o marco constitucional de 1988, embora constituam falas inconstitucionais e inconstitucionalistas, não servem para descaracterizar a “constitucionalidade” de sua eleição em 2018. Embora ainda reste, junto ao TSE, o julgamento de ação de investigação judicial eleitoral por abuso dos meios de comunicação social, que poderão ganhar novos elementos de instrução resultantes da CPI no Congresso sobre fake news e do inquérito judicial do STF com objeto semelhante. Sua eleição presidencial se mantém válida, assim como sua posse, enquanto essa ação eleitoral não for julgada definitivamente  pela Suprema Corte eleitoral brasileira.

Algumas de suas falas públicas inconstitucionalistas e inconstitucionais pré-presidenciais devem ser lembradas: “Erro da ditadura foi torturar e não matar”; “O Brasil só vai mudar quando tivermos uma guerra civil, quando matarmos uns trinta mil, não importa se morrerem alguns inocentes”; “Os tanques e o exército devem voltar às ruas e fechar o congresso nacional”, etc. E durante o processo eleitoral de 2018, falas inconstitucionalistas também foram proferidas: “No meu governo, não demarcarei um milímetro de terras para indígenas”. “O Brasil não tem qualquer dívida com os descendentes de escravos. Nossa geração não tem culpa disso, mesmo porque os próprios negros, na África, escravizavam a si mesmos”, entre outras.

A resposta a nossa indagação: embora tenhamos um governo eleito de modo constitucional – até decisão final do TSE -, ele está sendo exercido de modo inconstitucional e de modo inconstitucionalista. A Presidência da República atual, caminha, inconstitucionalmente para fora do marco do Estado de Direito. E o passado pré-presidencial do presidente da República demonstra que o seu inconstitucionalismo governamental não é episódico e sim coerente com toda a sua linha de pensamento e ação desde seu primeiro mandato parlamentar federal.

  • Advogado – mestre em Direito UFSC Professor de Direito Constitucional – Presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SC – Membro Consultor da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB – Imortal da Academia Catarinense de Letras Jurídicas, cadeira 14, Patrono Advogado Criminalista Acácio Bernardes. 

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