Fui assistir às falas do Mujica e do Lula em São Bernardo no último sábado. Foram magníficas. E muito esclarecedoras. A determinada altura, Lula disse para o Mujica: “Você quer legalizar a maconha no Brasil, Pepe?”. A plateia foi abaixo, deu muita risada. E ele continuou: “Aqui o conservadorismo é tão grande que, para se votar a questão de gênero e diversidade nos planos municipais de educação, tem que conversar com todo mundo nas câmaras e, mesmo assim, não aprova.” A pleteia ficou em silencio, mas Lula parecia que estava na sala da casa dele, muito à vontade. “O pior é que temos de convencer os nossos, porque no ano que vem tem eleição e nem os nossos querem votar o plano. Só pensam na eleição. E você pensa que vamos legalizar o plantio…. A educação é a base de tudo. É lá que devemos investir.” A plateia ficou perplexa, num silencio arrebatador. E eu pensei que ele tinha razão mais uma vez.
Nos últimos meses aconteceu uma briga feia na câmara municipal de São Paulo sobre as questões de gênero e diversidade e combate ao racismo no plano municipal de educação. A vereadora Juliana Cardoso, líder da bancada do PT, defendia um plano mais moderno, inclusivo, de combate ao racismo, ao machismo, de inclusão da discussão de gênero e diversidade sexual na pauta escolar. Tudo isso para diminuir o bullying, o preconceito e o ódio entre pessoas, algo que tem de começar na infância. Para a vereadora Juliana Cardoso, que tem dois filhos pequenos, a família é, sobretudo, amor. Com essas ideias, Juliana não segue apenas as diretrizes do Ministério da Educação e do governo federal. Ela segue o próprio coração.
Do outro lado, uma ideia antiga, de que família seria constituída apenas pela mãe, o pai e os filhos. De que conversar sobre sexo, sexualidade ou orientação sexual na escola pode influir negativamente na vida das pessoas — isso, quando todos sabemos que é exatamente o contrário. Que conversar sobre a diversidade sexual e sobre o machismo diminui o preconceito e o sofrimento das pessoas.
O vereador Ricardo Nunes, do PMDB, parece capitanear os que defendem essa ideia antiquada e tão preconceituosa na câmara. Ultra-religioso e maçom, ele tem o apoio, entre muitos outros, de Benjamin Ribeiro da Silva, um empresário da educação e líder no Sindicato da Escolas Particulares do Estado, que comanda a ONG Sobei. A Sobei cresceu muito nos últimos anos abrindo creches, escolas e centros para idosos e jovens em Interlagos. É uma instituição de caridade, mas vive basicamente dos convênios firmados com a prefeitura. Com ele, votaram todos os vereadores da bancada do PT — menos Juliana, a única mulher do partido na câmara.
É tão interessante, para não dizer óbvio, pensar que é exatamente um homem quem vai liderar, e vencer, a briga contra uma vereadora que luta para que o respeito às mulheres seja ensinado na escola, como parte de um Plano Municipal inclusivo e tolerante. Enquanto escrevia, lembrei de uma música de minha juventude, “Domingo no parque”, de Gilberto Gil primeiro por causa da coincidência de nomes, a Juliana vereadora e a Juliana da música. Depois, fui lembrando da letra, da história e do ritmo crescente da canção.
José trabalhava na feira e era o rei da brincadeira. João, capoeirista, trabalhava na construção e era o rei da confusão. Juliana foi ao parque de diversões com João. José viu os dois na roda gigante, tomando sorvete e se divertindo. Ficou com ciúmes e matou os dois, Juliana e João, com uma faca. É uma história terrível, a da música.
A Juliana, cantada por Gilberto Gil, foi vítima de uma briga de ciúmes. João também morreu por causa do machismo. E José teve a vida destruída: na segunda-feira, não tem mais feira, não tem mais construção. José aprendeu com o machismo que um homem enciumado podia matar o amigo e a mulher que amava.
Nesses últimos meses, a Juliana Cardoso brigou para que a escola pudesse ensinar os meninos, desde pequenos, a respeitarem as meninas, suas namoradas, amigas ou mulheres. A construir uma igualdade respeitosa entre os gêneros. A viver a experiência do respeito à individualidade e à sexualidade.
O machismo, o silêncio, o preconceito e o ódio matam. Evitar esses assuntos é perpetuar uma lógica perversa que destrói famílias. Era disso que falava Lula para Pepe. E mais uma vez ele tinha razão.