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Habitação

José Bonifácio, 380 I O primeiro dia de uma ocupação

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Por Larissa Gould e Sergio Silva (fotos) para Jornalistas Livres

O primeiro dia de uma ocupação vista por dentro

A saída para a ocupação foi tranquila. A equipe de reportagem partiu, por volta das 22h30, acompanhando Roberto, liderança da FLM incumbida de coordenar a ação no prédio da José Bonifácio, 380, na região central de São Paulo.

Fomos em um grupo de cerca de 30 pessoas, entre moradores, jornalistas e a chamada linha de frente — grupo encarregado de viabilizar a entrada no prédio — seguimos caminhando até a concentração, na José Bonifácio 137. As ações estavam programadas para acontecer ao mesmo tempo, à meia noite.

No interior da concentração — uma ocupação que resiste há mais de dois anos e que ainda não foi regularizada — homens, mulheres, jovens, idosos e crianças, aguardavam as coordenadas para ocupar o prédio na mesma rua.

O grupo é divididos entre base, os futuros moradores da nova ocupação, e apoio, moradores de outras ocupações já estabelecidas que ajudam na ação. Rosa, moradora do Hotel Cambridge, faz parte da equipe de apoio. Ela tem 25 anos e sofre de artrite reumática, entrou para o movimento em 2009, na época estava com a saúde muito debilitada e passava por dificuldades financeiras. “Depois que a gente conhece a luta não tem como sair”.

O alvo daquela noite foi um prédio da década de 70’, propriedade da Moinho Curitibano S/A , composto por 8 pavimentos e subsolo, divididos em 3 lojas e 7 salões. Penhorado pela Companhia Internacional de Seguros em 2008, por R$732.868,90, o edifício estava em estado de abandono. “Nós damos função social aos prédios” declarou Carmem diversas vezes durante a ação.

A presença de viaturas policiais no caminho atrasou a saída. Após ronda pelo local, cerca de 200 pessoas saíram por volta da meia noite e vinte e se encontraram com outras equipes, que aguardavam nas demais concentrações. Todos caminharam até o alvo. Quatro Policiais Militares se encontravam na esquina da José Bonifácio com a Rua do Ouvidor, na exata localização de um dos dois prédios que seriam ocupados naquela rua, como descobrimos posteriormente.

Tão logo a multidão passou, os policiais pediram reforços. Rapidamente chegaram três viaturas até o local. Nesse primeiro momento, somente observaram.

Observaram a equipe de linha de frente, um grupo de homens munidos de ferramentas abrirem o portão trancado.

Também nós observamos o trabalho daqueles homens. O trabalho e a coragem (ou necessidade, como mais tarde algum deles relataram), observamos quando dois seguranças privados saíram da janela do prédio armados ameaçando atirar em qualquer um que entrasse.

Eles entraram, e eram muitos. O suficiente para que os seguranças recuassem e saíssem pela porta dos fundos. Nesse momento se deu a primeira comemoração, entre 50 e 100 pessoas entraram, de acordo com o cálculo das lideranças e da equipe de linha de frente. Dois repórteres dos #JornalistasLivres conseguiram entrar. Passava da meia noite e meia.

Foi nesse momento que os policiais abandonaram seu papel de observador e interviram. Como a força repressora do Estado, interviram como são treinados para reagir a essas ações: jogaram bombas de gás lacrimogênio e de efeito moral nos ocupantes. Nos homens, mulheres, jovens, idosos e crianças.

A correria foi geral. D. Sônia, uma senhora de 62 anos, foi atingida por estilhaços de bomba e caiu. Ela estava lá para ajudar o filho que seria um dos moradores do prédio. Outros ocupantes também foram feridos com estilhaços. Muitos, principalmente as crianças, passaram mal após terem inalado o gás.

Policiais no alto da ladeira, ocupantes no final. Restou aos dois esperarem. “Eles vão querer nos vencer pelo cansaço, mas nós não vamos sair até todos entrarem”, afirmaram Juliana, Denise e Josenira, moradoras da Rio Branco, 53. Já perderam a conta das ocupações que participaram. Vai fazer quatro anos que entraram para o movimento e fazem questão se estar na equipe de apoio.

Lá dentro, os ocupantes esticavam a bandeira da CMP — Central dos Movimentos Populares, e da FLM, Frente de Luta por Moradia. Concentrados no quarto andar, escutaram do lado de fora o barulho das bombas e sofreram os efeitos do gás lacrimogênio. Muitos passaram mal. Também a eles restou aguardar.

Há uma da manhã, o Samu chegou para prestar socorro à D. Sonia. “Tá sangrando muito moça? Me acertaram bem do lado do rosto que eu tenho problema da gengiva e ia operar”. Ela foi levada para a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Jaciel faz parte da linha de frente. Explicou que quando abrem os portões, parte do grupo entra para hastear a bandeira e organizar a ocupação, e outra fica na porta para garantir que o maior número de pessoas possíveis entre. Ele integrou a segunda equipe e não conseguiu entrar. Um grupo de 100 pessoas também não.

Policiais e ocupantes estavam receosos, repórter do #JornalistasLivres tentou entrevistar os agentes do estado que se recusaram. Mas relatou ouvi-los conversar “Se esse pessoal resolve subir, estamos perdidos”. Também ouviu uma importante informação, as bombas haviam acabado.

Nessa madrugada, dezenas de alvos foram ocupados. Não sabemos se os reforços não chegaram, ou se sequer foram pedidos. Mas, por volta da 1h30, os policiais foram embora. Nesse momento o grupo que estava de fora entrou. Subiram as escadas correndo e foram ocupando os andares. A legislação defere que, se a reintegração não for feita nas primeiras 48h, somente poderá acontecer por meio de ação judicial.

Por isso, a regra é clara: quem entrou não saí. Os primeiros dois dias são os mais tensos paras as famílias que ocupam as moradias.

Elcivaldo Moraes, 44, era empresário bem de vida, após sofrer um golpe, perdeu tudo. Em 2003 passou a morar em albergues e a trabalhar de “chapa”, carregando e descarregando caminhões. Entrou para o movimento há oito meses, foi apresentado à FLM por um amigo morador de uma das ocupações. Desde então, mora de favor na casa dele e frequenta todas as reuniões da equipe de base. Estava na linha de frente na hora que ocuparam o prédio. Sentiu medo? “Não senti, a necessidade e principalmente a vontade superam o medo”. Para ele, é muito importante respeitar os policiais: “são trabalhadores como nós e temos que traze-los para o nosso lado. Se conseguirmos uma boa ação, sem enfrentamento, quem sabe eles não criam um sentimento por nós?”.

E qual a importância dessa moradia para você? “Nesse momento é tudo. Se fosse diferente, se fossa descartável, para que correr esse risco? Para que todo esse perigo?”

Lindomar Geremias, 33, mora há 5 anos em albergues e casas de acolhimento. Foi trazido ao movimento por Moraes, quem conheceu nas escadarias da Sé. “Uma história engraçada” lembra Moraes, “estava esperando um amigo, quando ele sentou do meu lado e começou a dividir o salgadinho que ele comia comigo”.

Nasceu em Carapicuíba, após participar de um roubo, foi para a Febem. Quando saiu, morou em Campinas, na casa da irmã, voltou para Carapicuíba na casa do pai, mas a difícil relação com a família o levou à primeira casa de acolhimento, nas proximidades da Av. Cruzeiro do Sul, Zona Norte de São Paulo. Passou por 5 no total, umas melhores e outras piores. Lindomar trabalha como pedreiro e ficou muito feliz com o movimento por “ter me deixado fazer parte e ter me deixado participar da ocupação”. Não teve medo, a felicidade e a perspectiva de melhora eram maiores. Agora quer constituir família: “já está na hora, não dá mais para ficar solteiro”, brinca.

Os andares já estavam quase todos ocupados. O casal Marcia, 37, e Antônio Pedro, 32, estavam sentados no saguão de entrada. Já haviam se instalado e observavam o movimento. Os dois estão juntos há um ano. Eles estavam em situação de rua e trabalham entregando panfletos. Se conheceram nas ruas do centro, costumavam dormir na região da Sé. Ela potiguar, ele maranhense. Ela há dois anos na rua, ele há quatro. Em comum: o sonho de melhores condições de vida e trabalho na capital paulista.

Conheceram o movimento por meio de uma amiga de Marcia, participaram de uma reunião logo antes da ação e passaram a integrar o movimento. Sentiram medo no momento da ocupação, mas se quer pensaram e hesitar. “Estamos muito felizes, é uma nova oportunidade. Já sofremos muito nas ruas, é muito frio lá”.

Por volta das duas e meia começaram a lacrar o prédio. A situação era calma. Na rua, uma equipe de retaguarda ficou para garantir alimentos e água durante as 48h de resistência.

Os policiais voltaram, mas somente observavam. Era o momento dos repórteres da grande mídia interviram: Globo, Record e SBT passaram pelo local.

Portas lacradas, ação terminada. Prédios ocupados. Ou não.

Na manhã dessa segunda-feira (13), de acordo com relatos do morador Diego, um motorista chamado Galego, um homem de terno, um mecânico e mais 11 motoristas sem nenhuma identificação, se apresentaram como funcionários do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TER). O grupo alegou que o prédio está alugado pelo TRE, e que já estava sendo usado para estacionamento de 11 veículos. De acordo com relato, entraram na ocupação um motorista e o mecânico, avaliaram os motores e saíram sem dizer para onde levariam. Dos 11 veículos, três carros estavam em condições normais de uso, porém, o restante estava completamente coberto de pó, aparentemente abandonados, como o restante do prédio.

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Veja: 

José Bonifácio 380: 74 dias de resistência

 

Campinas

Ocupação Mandela: após 10 dias de espera juiz despacha finalmente

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Depois de muita espera, dez dias após o encerramento do prazo para a saída das famílias da área que ocupam,  o juiz despacha no processo  de reintegração de posse contra da Comunidade Mandela, no interior de São Paulo.
No despacho proferido , o juiz do processo –  Cássio Modenesi Barbosa –  diz que  aguardará a manifestação do proprietário da área sobre eventual cumprimento de reintegração de posse. De acordo com o juiz, sua decisão será tomada após a manifestação do proprietário.
A Comunidade, que ocupa essa área na cidade de Campinas desde 2017,   lançou uma nota oficial na qual ressalta a profunda preocupação  em relação ao despacho  do juiz  em plena pandemia e faz apontamento importante: não houve qualquer deliberação sobre as petições do Ministério Público, da Defensoria Pública, dos Advogados das famílias e mesmo sobre o ofício da Prefeitura, em que todas solicitaram adiamento de qualquer reintegração de posse por conta da pandemia da Covid-19 e das especificidades do caso concreto.

Ainda na nota a Comunidade Mandela reforça:

“ Gostaríamos de reforçar que as famílias da Ocupação Nelson Mandela manifestaram intenção de compra da área e receberam parecer favorável do Ministério Público nos autos. Também está pendente a discussão sobre a possibilidade de regularização fundiária de interesse social na área atualmente ocupada, alternativa que se mostra menos onerosa já que a prefeitura não cumpriu o compromisso de implementar um loteamento urbanizado, conforme acordo firmado no processo. Seguimos buscando junto ao Poder público soluções que contemplem todos os moradores da Ocupação, nos colocando à disposição para que a negociação de compra da área pelas famílias seja realizada.”

Hoje também foi realizada uma atividade on-line  de Lançamento da Campanha Despejo Zero  em Campinas -SP (

https://tv.socializandosaberes.net.br/vod/?c=DespejoZeroCampinas) tendo  a Ocupação Mandela como  o centro da  discussão na cidade. A Campanha Despejo Zero  em Campinas  faz parte da mobilização nacional  em defesa da vida no campo e na cidade

Campinas  prorroga  a quarentena

Campinas acaba prorrogar a quarentena até 06 de outubro, a medida publicada na edição desta quinta-feira (10) do Diário Oficial. Prefeitura também oficializou veto para retomada de atividades em escolas da cidade.

 A  Comunidade Mandela e as ocupações

A Comunidade  Mandela luta desde 2016 por moradia e  desde então  tem buscado formas de diálogo e de inclusão em políticas  públicas habitacionais. Em 2017,  cerca de mais de 500 famílias que formavam a comunidade sofreram uma violenta reintegração de posse. Muitas famílias perderam tudo, não houve qualquer acolhimento do poder público. Famílias dormiram na rua, outras foram acolhidas por moradores e igrejas da região próxima à área que ocupavam.  Desde abril de 2017, as 108 famílias ocupam essa área na região do Jardim Ouro Verde.  O terreno não tem função social, também possui muitas irregularidades de documentação e de tributos com a municipalidade.  As famílias têm buscado acordos e soluções junto ao proprietário e a Prefeitura.
Leia mais sobre:  
https://jornalistaslivres.org/em-meio-a-pandemia-a-comunidade-mandela-amanhece-com-ameaca-de-despejo/

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Direitos Sociais

Renascer e Esperança: ocupações de moradia na linha de tiro

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Duas ocupações, uma de Trabalhadores Sem Tetos em Piracicaba e outra de Sem Terra em Araras fazem um apelo por terra e moradia, diante das ações de despejo que vem acontecendo durante a pandemia da COVID-19. As famílias da Comunidade Renascer e o Acampamento Esperança resistem, para que não haja tamanha tragédia, como houve no mês de maio deste ano, na Ocupação Taquaral no bairro Monte Líbano em Piracicaba.

No dia 7 de maio, por uma decisão judicial da juíza Fabíola Moretti, cerca de 50 famílias foram colocadas nas ruas em meio à pandemia, sem ajuda do poder público e colocando em risco, idosos, crianças e desempregados. Derrubaram as casas e bloquearam os pertences desses moradores por um mês, tudo para favorecer a especulação imobiliária patrocinada pela Prefeitura de Piracicaba e o Estado de São Paulo.

Regiana, antiga moradora da Ocupação Taquaral , ficou desempregada após o fechamento do Shopping Piracicaba no início da pandemia. 

“Derrubaram as nossas casas, nossas coisas ficaram um mês presas, levaram para um depósito particular e eu só consegui retirar com autorização do Juiz.” 

Regiana foi acolhida pela ocupação Renascer com seus 7 filhos, marido e mãe, há um mês e meio.

Regiana e três de seus sete filhos que moram na Ocupação Renascer.

                                         

A Comunidade Renascer, localizada na Zona Noroeste de Piracicaba, abriga desde janeiro de 2020, mais de 400 famílias. Essas pessoas, entre elas crianças, idosos e cadeirantes, são ameaçados, quase todos os dias logo pela manhã na ocupação, por policiais que rodeiam a ocupação e quando querem, sem aviso nenhum, invadem barracos com pontapés nas portas oprimindo moradores. É um enfrentamento diário pela vida em uma estrutura que cria a condição de pobreza e, ela própria, condena e marginaliza, sem qualquer parâmetro decente e humanista.

A ação de reintegração de posse contra a Comunidade Renascer foi pedida por 8 pessoas em março deste ano e o juiz Eduardo Velho Neto determinou o despejo contrariando o primeiro artigo 554 do código Processo Civil, deixando de intimar o Ministério Público e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, esse procedimento é obrigatório por ser uma ação contra coletivo de pessoas “hipossuficientes economicamente”.

Ocupação Renascer.

 

A cada minuto que passa, os moradores passam a se relacionar mais profundamente com seus vizinhos, sua casa e com a terra. Estão em amadurecimento, mais de cinco hortas de cuidado comunitário. 

Leonardo ao lado de uma das hortas que ele e sua família cuidam na Ocupação Renascer.

 

Vanessa e seu marido Leonardo, mais seus três filhos, Vítor, Richard e Lawane Eloá, fizeram a maior horta da comunidade. É a relação com a terra gerando valorização, autonomia e maior qualidade de vida para os moradores, intrinsecamente. O artista Pajé também morador da Renascer, pinta as frentes das casas, representando, individualmente, cada lar ali construído.

Leonardo e Vanessa, moradores da Ocupação Renascer.

 

Daisy Isidoro, uma das lideranças da Ocupação Renascer. É Técnica de Enfermagem e estudante de Direito.

 

Moradoras da Ocupação Renascer ao lado de uma das pinturas do artista Pajé, também morador.

 

 

A outra ordem de despejo que acontece simultaneamente é no Acampamento Esperança, localizado na zona rural de Araras. São pequenos sítios que foram ocupados há 10 anos em cima de uma linha de trem desativada. São pequenos agricultores, cerca de 30 famílias que estão há 8 meses sem água, por decisão do prefeito. Coincidentemente, na mesma época, o transporte escolar da área, também parou de circular.

Milton, morador do Acampamento Renascer e sua família que moram em cima da antiga estação de trem.

 

O mandado de reintegração de posse expedido pelo juiz Antônio César Hildebrand e Silva, ignora uma parte importantíssima do processo. Qualquer decisão sobre áreas ocupadas a mais de um ano, deve contar com uma audiência com todos os moradores. A advogada Marcela Bragaia (Renap – Rede Nacional dos Advogados e Advogadas Populares) que cuida, tanto do caso do Esperança, quanto da Renascer juntamente com a rede, explicou em uma assembléia com os moradores, como essa ordem de despejo viola os direitos.

“Todo processo de despejo de uma ocupação que tem mais de um ano, tem que ter uma audiência, as famílias têm que sentar junto com os juízes, Ministério Público, com a Defensoria e fazer uma conversa pra ver como é que vão ser as coisas. O juiz Antonio Cesar Hildebrand e Silva daqui de Araras tá passando por cima da lei”.

 

Qualquer pessoa que visite o local, percebe que os acampados moram la há anos. No entanto, o juiz Antônio César alega que a posse é nova. Deram 30 dias para desocupação voluntária e caso os moradores não saiam passivamente, a reintegração se dará com violência policial.

 

Esse mesmo juiz já decidiu pela reintegração de posse de uma parte da cerca particular da Usina São João (U.S.J Açúcar e Álcool) que faz divisa com a  área federal da Antiga Estação Ferroviária. As áreas são contíguas e a parte particular foi reintegrada. Hoje as famílias estão somente dentro da área federal.

O absurdo é que o mesmo juiz Antonio Cesar Hildebrand e Silva foi quem expediu o mandato de reintegração de posse para a Usina São João no processo nº 1003266-34.2018.8.26.0038 em 2018, deu também a decisão de reintegração atual no processo de reintegração nº 1002159-81.2020.8.26.0038. Portanto, ele sabe que as famílias estão há mais de um ano na área e mesmo assim ele decidiu contra a audiência de mediação.

Com todo esse descaso, as famílias ainda resistem ao perigo que é morar cercados por canaviais. Há dois anos atrás, uma queimada atingiu 105 alqueires e chegou a matar algumas de suas criações, prejudicando parte do sustento dessas famílias que vivem da agricultura de subsistência e dos seus animais.

O agrotóxico também é prejudicial, como nos contou o morador José Pereira, relatando que quando passam com a máquina de veneno, as plantas morrem.

 

José Pereira, morador do Acampamento Esperança.

José dos gatos, morador do Acampamento Esperança.

Um outro morador, Valdemir, nos relatou o altíssimo índice de dengue na região: 

“A gente percebe que pela cidade, pelos canaviais, são repletos de lixo. A gente tá com um índice de mais de 1.200 casos de dengue, fora os óbitos que teve por dengue hemorrágica ultimamente.” 

A Usina São João, que é dona daquelas terras e tem interesse direto na reintegração de posse, parece não se importar com os dejetos deixados nos arredores do Acampamento, sem qualquer iniciativa de prevenção sanitária.

Milton, morador do Esperança, é artista, ex-trabalhador da Usina e mora com a sua família na parte de cima da antiga estação. Parte dos acabamentos dela ainda estão no chão e nas paredes, assim como os resquícios dos trilhos no seu quintal. Ele escreveu uma carta, que levanta questionamentos diante dessa perseguição e relata sua revolta com o formato dessa estrutura, que os ameaça diariamente.

“Estão deixando pessoas idosas com depressão, pessoas que ajudaram na construção do nosso acampamento”.

Milton, morador do Acampamento Esperança.

 

A reintegração na Comunidade Taquaral foi violenta e o que está segurando a ação de despejos nessas duas ocupações, é a articulação e união dos moradores. Nessa segunda semana de julho, o co-deputado da Bancada Ativista Fernando Ferrari, passou por essas duas ocupações se solidarizando à luta dessas famílias por moradia. Essas duas ocupações se encontram vulneráveis e movimentos de moradia são bem-vindos para fortalecer e mobilizar. 

Piracicaba, município do Estado de São Paulo, segundo o SUP (mídia livre), está entre as 20 cidades mais ricas do interior paulista. Essa mesma cidade teve um aumento significativo de 10% da favelização nas últimas duas décadas.

 Enquanto não existirem políticas públicas e empreendimentos habitacionais populares que contemplem essas famílias, ocupações continuarão acontecendo na cidade como resposta à necessidade básica humana que é a moradia.

Na Comunidade Renascer, a Assistência Social prometeu um primeiro passo positivo, que pretende cadastrar todos os moradores na EMDHAP (Empresa Municipal de Desenvolvimento Habitacional de Piracicaba), utilizando o endereço da Comunidade, possibilitando o acesso a possíveis benefícios e auxílios do Governo Federal e Municipal.

                        

“Todos nós devemos nos preparar para combater

É o momento para trabalhar pela base

Mais embaixo pela base

Chamemos os nossos amigos mais dispostos

Tenhamos decisão

Mesmo que seja enfrentando a morte

Por que para viver com dignidade

Para conquistar o poder para o povo

Para viver em liberdade

Construir o socialismo, o progresso

Vale mais a disposição

Cada um deve aprender a lutar em sua defesa pessoal

Aumentar a sua resistência física

Subir ou descer

Numa escada de barrancos

A medida que se for organizando a luta revolucionária

A luta armada, a luta de guerrilha

Que já venha com a sua arma”

Carlos Marighella.

 

Link da matéria do SUP (Mídia Livre): https://medium.com/@serviodeutilidadepblica/comunidade-renascer-a-f%C3%AAnix-dos-despejos-e-especula%C3%A7%C3%A3o-imobili%C3%A1ria-em-piracicaba-sp-c1e038b60612

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Cidadania

Quilombola é Alcântara! Alcântara é quilombola!

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Quilombolas Alcantara

NOTA: ENTIDADES REPRESENTATIVAS E MEMBROS (AS) DE RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA E AFRO-BRASILEIRAS CONTRA RESOLUÇÃO N. 11 DE 26 DE MARÇO DE 2020

As entidades representativas e membros(as) de religiões de matriz africana e afro-brasileiras signatárias desta nota vem a público manifestar repúdio à Resolução nº 11/20 (GSI-PR), que institui a remoção forçada de 800 famílias e 30 comunidades quilombolas da cidade de Alcântara-MA, no conjunto de medidas tomadas no âmbito do Acordo de Salvaguarda Tecnológica firmada entre o Brasil e os Estados Unidos em 2019.

Na matriz de responsabilidades dos órgãos envolvidos no Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro, o documento informa que mais de 12 mil hectares serão utilizados pelo Centro de Lançamento, além da área atual da base, afetando ainda mais as comunidades que ocupam aquele território desde o século XVII.

Além desses pontos que em si representam uma grande tragédia humana e violação da dignidade coletiva dos quilombolas de Alcântara, o documento, em seu art. 6º, VIII, “a” e “b”, prevê “a implantação de espaços religiosos e a recomposição de áreas e instalações compatíveis com as existentes nos espaços hoje habitados pelos quilombolas, para a prática de atos religiosos”, e a implementação de “projeto de um museu dedicado aos aspectos históricos e culturais das comunidades quilombolas”.

Entendemos que os territórios quilombolas representam acima de tudo espaços civilizatórios de ancestralidade africana, de reterritorialização e de resistência secular às opressões sem medida perpetradas pela sociedade e pelo Estado em solo brasileiro. Sendo assim,reiteramos que os processos de deslocamentos e alterações de nossos espaços sagrados, no que tange as práticas religiosas de matriz africana, são efetuados mediante consultas aos nossos oráculos, sistemas adivinhatorios próprios e o consentimento de nossos ancestrais regentes de nossas casas de axé. Portanto, remeter essa tarefa ao aparato de Estado expõe nossa religiosidade ao risco de violação do nosso sagrado, ao mesmo tempo que nos aponta a possibilidade de termos a atenção voltada às outras denominações religiosas, tais como igrejas evangélicas e católicas e a negação das nossas religiões de Matriz Africana, como forma de dizimar nossa ancestralidade.

As religiões de matriz africana e afrobrasileiras concebem o zelo e a proteção dos lugares sagrados para além dos espaços físicos das casas de axé. O acesso ao mar, aos lagedos, as pedreiras, aos mangues, aos rios e as florestas, são vitais para sua sobrevivência. Tudo isso está ameaçado e não há como transportar caso haja remoção. Deste modo, não há que se falar em museu, implantação de espaços religiosos ou recomposição de áreas e instalações como suposta forma de reparação pelos danos materiais e imateriais causados à memória ancestral e coletiva daquelas comunidades, agravados com este novo processo de desterritorialização representado pela Resolução nº 11/20.

Em verdade, a resolução fere frontalmente a Convenção nº 169 da OIT, ao inviabilizar qualquer processo de consulta livre, prévia e informada às comunidades envolvidas; a Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216, que estabelecem o pleno respeito aos modos de criar, fazer e viver de comunidades tradicionais e grupos formadores da sociedade brasileira; e ao artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que assegura direitos às comunidades quilombolas ao reconhecimento da propriedade definitiva dos seus territórios.

Ressaltamos que o documento é sorrateiramente imposto em um momento de grave crise global provocada pela pandemia do COVID-19. A medida do governo federal agrava mais ainda a situação de vulnerabilidade e insegurança a que estão sujeitos os quilombolas de Alcântara após a assinatura do Acordo de Salvaguarda. Assim, mobilizamos toda a solidariedade em favor das comunidades quilombolas atingidas pela medida para manifestar nossa profunda discordância com o teor do documento e exigir sua imediata revogação.

Assinem e divulguem!

 

https://secure.avaaz.org/po/community_petitions/gabinete_de_seguranca_institucional_da_presidencia_nao_a_remocao_das_comunidades_quilombolas_de_alcantara_e_seus_espacos_sagrados/?ltlqOob

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