Jornalista de Mato Grosso é perseguido por enfrentar oligopólio da mídia

O jornalista Enock Cavalcanti, à esquerda, e o empresário e político João Dorileo Leal, à direita. Foto: Blog www.paginadoenock.com.br

No país da delação premiada, infelizmente não é de se estranhar que uma condenação judicial relativa à reparação de danos morais tome por desrespeito à lei a divulgação de trechos de uma colaboração oficializada junto às instâncias do próprio poder judiciário.

A situação piora ainda mais quando, entre os argumentos da decisão, está a menção a uma lei que foi considerada incompatível com a Constituição Federal. Pois é o que ocorreu com a sentença assinada pelo juiz Gilberto Lopes Bussiki, que condenou o jornalista independente Enock Cavalcanti ao pagamento de R$ 28 mil, acatando pedido do empresário João Dorileo Leal, filiado ao MDB e dono do Grupo Gazeta de comunicação, que reúne o principal jornal em papel do estado, quatro emissoras que veiculam o conteúdo da Rede Record, seis rádios, uma empresa de dados e uma gráfica.

A decisão em desfavor do profissional, que atua em Cuiabá e edita o blog Página do E (www.paginadoenock.com.br), se deu porque ele mencionou o que a maior parte da Grande Mídia de Mato Grosso deixou de divulgar: que, em delação premiada em 2017, o ex-governador do estado, Silval Barbosa (então no PMDB), informou ter pago uma dívida de campanha mediante contratação pós-eleição de um serviço de gráfica que não foi realizado. O relato é oficial e está disponível na Internet para quem quiser ler (em https://www.conjur.com.br/dl/delacao-silval-volume.pdf) 

Outros veículos de mídia menores também mencionaram a delação de Barbosa, como por exemplo os sites Olhar Direto (http://www.olhardireto.com.br/juridico/noticias/exibir.asp?id=36619&noticia=silval-afirma-que-secom-foi-utilizada-em-esquema-de-lavagem-para-pagar-dividas-com-grafica) e Cacetão Cuiabano (http://cacetaocuiabano.blogspot.com/2017/08/mais-bombas-de-silval-barbosa-etico.html).

Além disso, o caso teve prosseguimento em 2018, com operação da Delegacia Fazendária junto à sede do Grupo Gazeta de Comunicação, em Cuiabá (http://www.hipernoticias.com.br/policia/defaz-cumpre-dez-mandados-de-busca-e-apreensao-em-cuiaba/100270), o maior integrante do oligopólio midiático de Mato Grosso.

O texto da decisão pontua a importância da liberdade de imprensa, de divulgar o que é de interesse público, contudo que tal direito social não pode ceder ao abuso e à ofensa à honra das pessoas. A sentença busca até estabelecer o limite entre a sadia e a abusiva liberdade de imprensa, tendo a primeira o condão meramente informativo e a segunda, “o alvoroço da análise/opinião”, conforme a Lei de Imprensa (5.250/1967).

Ocorre que a Lei de Imprensa foi classificada como incompatível com a Constituição Federal em 2009 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) (http://www.stf.jus.br/portal/cms/vernoticiadetalhe.asp?idconteudo=107402). A maioria dos ministros da corte que apreciou a matéria enxergou a lei demarcada pelo período da ditadura e incongruente com a nova ordenação jurídica estabelecida a partir de 1988 no Brasil. O desfecho não foi tão positivo assim, pois basta ver que, com a decisão, o STF também pôs por água abaixo o dispositivo do direito de resposta, deixando o cidadão mais fragilizado ainda perante a relação com o oligopólio da comunicação.

Não fosse a empreitada liderada pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR) em defesa de um projeto de lei de direito de resposta e a sua sanção em 2015 pela presidenta Dilma (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13188.htm), a situação permaneceria a mesma.m Porque a concentração de poder no setor de mídia prejudica a diversidade de opiniões e o exercício da democracia. Inibe o processo educativo junto à população que mostre, por exemplo, que emissoras de rádio e TV, não são propriedades privadas, mas, sim, concessões públicas.

A concessão das outorgas é regulada por contratos com prazos definidos e enfoque no interesse coletivo da sociedade, que, se forem descumpridos constantemente, podem gerar inclusive cassação de licença. Portanto, informar sem contextualizar é impossibilitar o debate bem informado junto à sociedade. Afinal, como Enock pontuou em seu blog, o Grupo Gazeta de Comunicação possui emissoras de rádio, TV, portal, instituto de pesquisa e jornal e despontou enquanto empreendimento durante as gestões Dante de Oliveira, nos anos 90. No período, a relação ficou tão evidente que no meio jornalístico a Gazeta ganhou o apelido “órgão oficial do governo”.

Em nível nacional, constituem o danoso oligopólio as famílias Marinho (Globo), Saad (Bandeirantes), Frias (Folha de São Paulo), Civita (Grupo Abril), o empresário e pastor Edir Macedo (Record) e alguns outros, de acordo com estudo das ongs Intervozes e Repórteres Sem Fronteira (http://brazil.mom-rsf.org/br/). Esse distúrbio no processo comunicativo brasileiro se entrelaça ao oligopólio transnacional contemporâneo, liderado por Google e Facebook (http://monopoliosdigitais.com.br/site/).

Então, é papel do jornalista, sobretudo aquele que dispõe de maior liberdade por tocar o próprio veículo e conduzi-lo a partir de uma linha contra-hegemônica, problematizar as informações, e não apenas reproduzi-las. Pois uma das ferramentas capazes de transformar a sociedade é a leitura crítica da realidade concreta, e isto exige mostrar as entranhas do sistema. Assim como exige prosseguir na luta, apontando a retórica falaciosa desse modelo de sociedade e o uso pernicioso de suas estruturas de poder.

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PS do editor dos Jornalistas Livres: No momento em que preparávamos essa matéria para publicação, a conta do blog de Enock Cavalcanti havia sido suspensa do servidor (http://paginadoenock.com.br/cgi-sys/suspendedpage.cgi). Estamos aguardando um posicionamento oficial do jornalista para saber o motivos. Enquanto isso, repassamos abaixo um dos seus últimos textos, felizmente salvo no cache do navegador:

O Sr. João Dorileo, o empresário que comanda o conglomerado que é o Grupo Gazeta de Comunicação, em Mato Grosso, resolveu me processar, eu, o blogueiro Enock Cavalcanti. O sr. Dorileo alega que eu ataquei sua honra, em 3 de setembro do ano passado quando, aqui nesta PAGINA DO E, publiquei o artigo intitulado ” APONTE O DEDO PARA A CORRUPÇÃO – Dorileo Leal, citado por Silval em sua delação, teria recebido R$ 4 milhões”.

O que o Sr. Dorileo, através dos seus representantes legais, do escritório de advocacia comandado por Cláudio Stábile, alega? O Sr.Dorileo tenta fazer crer, entre outras alegações, que eu, Enock Cavalcanti, afirmei naquele artigo que ele está envolvido em esquema de corrupção, capitaneado pelo ex-governador Silval Barbosa, que é atualmente investigado em Mato Grosso. Ao contestar na Justiça, diante do juiz Gilberto Bussiki, da 9ª Vara Civel de Cuiabá, o pedido inicial do sr. Dorileo, reafirmei os termos efetivos de meu artigo, em que eu não acusava Dorileo de nada, simplesmente chamava a atenção para o que o ex-governador Silval Barbosa, esse sim, afirmara em depoimentos ao Ministério Público e à Justiça mato-grossense. Ora, não é essa atribuição do jornalista atento às suas responsabilidades?

Vejam que o Sr. Dorileo, manipulando a realidade do meu texto, ao que considero, tentou, o tempo inteiro, atribuir a mim, acusações que partiram efetivamente do Sr. Silval Barbosa e que eu, cumprindo minhas responsablidades como jornalista, volto a destacar, me limitei a reproduzir, chamando a atenção dos leitores para este fato que, sem dúvida nenhuma merece destaque: que o chefe do maior grupo de comunicação de Mato Grosso fora alvo de larga citação por parte do Sr. Silval Barbosa, ex-governador que, a partir do episódio de sua delação, passou a ser um corrupto confesso, disposto a devolver parte do que surrupiara dos cofres públicos mas também a nomear tantos e tantos que porventura tenham se beneficiado de seu governo. Publiquei isso com a ressalva de que o fazia porque certamente os veiculos vários de comunicação controlados pelo Sr. Dorileo não dariam o devido destaque ao caso e a esta citação específica.

Para melhor conhecimento daqueles que acompanham a PAGINA DO E, divulgo aqui, mais uma vez, a integra da ação em que o Sr. Dorileo reclama de minha parte uma indenização de R$ 50 mil contra possíveis danos que lhe teria causado, como também o inteiro teor da minha contestação, com os documentos que a ela juntei. Poderão, assim, os leitores, terem uma ideia mais dos fatos e das argumentações que o juiz Bussiki tem expostos diante de si, antes de proferir sua decisão sobre o caso.

Vejam que, depois de uma detalhada análise das acusações inverídicas contra mim dirigidas pelo Sr Dorileo, encerro minha contestação deixando para o julgador os seguintes pedidos:

Diante do exposto, é esta CONTESTAÇÃO para, REQUERER:

a) o indeferimento da inicial por, como demonstrado ficou, não ter qualquer relação entre a publicação imputada e a capitulação legal que lhe
foi dada.

b) em consequência, que o valor da indenização pedida, e seus corolários [verba honorária, custas processuais etc.], seja indeferido uma
vez que inexiste qualquer relação entre o noticiado pelo Querelado (eu, Enock Cavalcanti) e a repercussão que tal possa ter causado ao Autor (ele, Sr. Dorileo).

c) que o Autor – por abusar do direito de petição, atirando -se a uma aventura judiciária, na qual pretende se utilizar do já assoberbado Poder Judiciário para fins claramente intimidatórios e de indevido enriquecimento – seja considerado litigante de má-fé, com todas as consequências legais advindas.

d) que, em decorrência, seja o mesmo condenado a indenizar o Requerido em quantia a ser arbitrada por Vossa Excelência, porém, não inferior ao valor que atribuiu à causa com multa por ato repleto de ma -fé.

e) que seja condenado em sucumbência no percentual de 20% (vinte por cento) do montante que atribuiu à causa ou em valor a ser arbitrado por Vossa Excelência.

f) que o mesmo seja condenado a publicar na íntegra em seu jornal e a veicular na sua mídia televisiva, sob pena de multa, a Sentença e o v. acórdão.

Ler a contestação exigirá um pouco de paciência dos internautas que acessam esta página do E, que que o PDF que divulgo arrola também os documentos que juntei à ela, tal qual a denuncia do Ministério Público de Mato Grosso contra o Sr. Dorileo no episódio também recente do Escândalo das Gráficas e cópias de reportagens que relembram detalhes do Secomgate que muitos esqueceram ou fazem questão de abafar.

Agora é aguardar pela decisão da Justiça, em primeira instância.

Enock Cavalcanti rebate Dorileo Leal, dono de conglomerado de midia que tenta calar blogueiro em MT by Enock Cavalcanti on Scribd

 

 

 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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