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Jornalista de Mato Grosso é perseguido por enfrentar oligopólio da mídia

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No país da delação premiada, infelizmente não é de se estranhar que uma condenação judicial relativa à reparação de danos morais tome por desrespeito à lei a divulgação de trechos de uma colaboração oficializada junto às instâncias do próprio poder judiciário.

A situação piora ainda mais quando, entre os argumentos da decisão, está a menção a uma lei que foi considerada incompatível com a Constituição Federal. Pois é o que ocorreu com a sentença assinada pelo juiz Gilberto Lopes Bussiki, que condenou o jornalista independente Enock Cavalcanti ao pagamento de R$ 28 mil, acatando pedido do empresário João Dorileo Leal, filiado ao MDB e dono do Grupo Gazeta de comunicação, que reúne o principal jornal em papel do estado, quatro emissoras que veiculam o conteúdo da Rede Record, seis rádios, uma empresa de dados e uma gráfica.

A decisão em desfavor do profissional, que atua em Cuiabá e edita o blog Página do E (www.paginadoenock.com.br), se deu porque ele mencionou o que a maior parte da Grande Mídia de Mato Grosso deixou de divulgar: que, em delação premiada em 2017, o ex-governador do estado, Silval Barbosa (então no PMDB), informou ter pago uma dívida de campanha mediante contratação pós-eleição de um serviço de gráfica que não foi realizado. O relato é oficial e está disponível na Internet para quem quiser ler (em https://www.conjur.com.br/dl/delacao-silval-volume.pdf) 

Outros veículos de mídia menores também mencionaram a delação de Barbosa, como por exemplo os sites Olhar Direto (http://www.olhardireto.com.br/juridico/noticias/exibir.asp?id=36619&noticia=silval-afirma-que-secom-foi-utilizada-em-esquema-de-lavagem-para-pagar-dividas-com-grafica) e Cacetão Cuiabano (http://cacetaocuiabano.blogspot.com/2017/08/mais-bombas-de-silval-barbosa-etico.html).

Além disso, o caso teve prosseguimento em 2018, com operação da Delegacia Fazendária junto à sede do Grupo Gazeta de Comunicação, em Cuiabá (http://www.hipernoticias.com.br/policia/defaz-cumpre-dez-mandados-de-busca-e-apreensao-em-cuiaba/100270), o maior integrante do oligopólio midiático de Mato Grosso.

O texto da decisão pontua a importância da liberdade de imprensa, de divulgar o que é de interesse público, contudo que tal direito social não pode ceder ao abuso e à ofensa à honra das pessoas. A sentença busca até estabelecer o limite entre a sadia e a abusiva liberdade de imprensa, tendo a primeira o condão meramente informativo e a segunda, “o alvoroço da análise/opinião”, conforme a Lei de Imprensa (5.250/1967).

Ocorre que a Lei de Imprensa foi classificada como incompatível com a Constituição Federal em 2009 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) (http://www.stf.jus.br/portal/cms/vernoticiadetalhe.asp?idconteudo=107402). A maioria dos ministros da corte que apreciou a matéria enxergou a lei demarcada pelo período da ditadura e incongruente com a nova ordenação jurídica estabelecida a partir de 1988 no Brasil. O desfecho não foi tão positivo assim, pois basta ver que, com a decisão, o STF também pôs por água abaixo o dispositivo do direito de resposta, deixando o cidadão mais fragilizado ainda perante a relação com o oligopólio da comunicação.

Não fosse a empreitada liderada pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR) em defesa de um projeto de lei de direito de resposta e a sua sanção em 2015 pela presidenta Dilma (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13188.htm), a situação permaneceria a mesma.m Porque a concentração de poder no setor de mídia prejudica a diversidade de opiniões e o exercício da democracia. Inibe o processo educativo junto à população que mostre, por exemplo, que emissoras de rádio e TV, não são propriedades privadas, mas, sim, concessões públicas.

A concessão das outorgas é regulada por contratos com prazos definidos e enfoque no interesse coletivo da sociedade, que, se forem descumpridos constantemente, podem gerar inclusive cassação de licença. Portanto, informar sem contextualizar é impossibilitar o debate bem informado junto à sociedade. Afinal, como Enock pontuou em seu blog, o Grupo Gazeta de Comunicação possui emissoras de rádio, TV, portal, instituto de pesquisa e jornal e despontou enquanto empreendimento durante as gestões Dante de Oliveira, nos anos 90. No período, a relação ficou tão evidente que no meio jornalístico a Gazeta ganhou o apelido “órgão oficial do governo”.

Em nível nacional, constituem o danoso oligopólio as famílias Marinho (Globo), Saad (Bandeirantes), Frias (Folha de São Paulo), Civita (Grupo Abril), o empresário e pastor Edir Macedo (Record) e alguns outros, de acordo com estudo das ongs Intervozes e Repórteres Sem Fronteira (http://brazil.mom-rsf.org/br/). Esse distúrbio no processo comunicativo brasileiro se entrelaça ao oligopólio transnacional contemporâneo, liderado por Google e Facebook (http://monopoliosdigitais.com.br/site/).

Então, é papel do jornalista, sobretudo aquele que dispõe de maior liberdade por tocar o próprio veículo e conduzi-lo a partir de uma linha contra-hegemônica, problematizar as informações, e não apenas reproduzi-las. Pois uma das ferramentas capazes de transformar a sociedade é a leitura crítica da realidade concreta, e isto exige mostrar as entranhas do sistema. Assim como exige prosseguir na luta, apontando a retórica falaciosa desse modelo de sociedade e o uso pernicioso de suas estruturas de poder.

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PS do editor dos Jornalistas Livres: No momento em que preparávamos essa matéria para publicação, a conta do blog de Enock Cavalcanti havia sido suspensa do servidor (http://paginadoenock.com.br/cgi-sys/suspendedpage.cgi). Estamos aguardando um posicionamento oficial do jornalista para saber o motivos. Enquanto isso, repassamos abaixo um dos seus últimos textos, felizmente salvo no cache do navegador:

O Sr. João Dorileo, o empresário que comanda o conglomerado que é o Grupo Gazeta de Comunicação, em Mato Grosso, resolveu me processar, eu, o blogueiro Enock Cavalcanti. O sr. Dorileo alega que eu ataquei sua honra, em 3 de setembro do ano passado quando, aqui nesta PAGINA DO E, publiquei o artigo intitulado ” APONTE O DEDO PARA A CORRUPÇÃO – Dorileo Leal, citado por Silval em sua delação, teria recebido R$ 4 milhões”.

O que o Sr. Dorileo, através dos seus representantes legais, do escritório de advocacia comandado por Cláudio Stábile, alega? O Sr.Dorileo tenta fazer crer, entre outras alegações, que eu, Enock Cavalcanti, afirmei naquele artigo que ele está envolvido em esquema de corrupção, capitaneado pelo ex-governador Silval Barbosa, que é atualmente investigado em Mato Grosso. Ao contestar na Justiça, diante do juiz Gilberto Bussiki, da 9ª Vara Civel de Cuiabá, o pedido inicial do sr. Dorileo, reafirmei os termos efetivos de meu artigo, em que eu não acusava Dorileo de nada, simplesmente chamava a atenção para o que o ex-governador Silval Barbosa, esse sim, afirmara em depoimentos ao Ministério Público e à Justiça mato-grossense. Ora, não é essa atribuição do jornalista atento às suas responsabilidades?

Vejam que o Sr. Dorileo, manipulando a realidade do meu texto, ao que considero, tentou, o tempo inteiro, atribuir a mim, acusações que partiram efetivamente do Sr. Silval Barbosa e que eu, cumprindo minhas responsablidades como jornalista, volto a destacar, me limitei a reproduzir, chamando a atenção dos leitores para este fato que, sem dúvida nenhuma merece destaque: que o chefe do maior grupo de comunicação de Mato Grosso fora alvo de larga citação por parte do Sr. Silval Barbosa, ex-governador que, a partir do episódio de sua delação, passou a ser um corrupto confesso, disposto a devolver parte do que surrupiara dos cofres públicos mas também a nomear tantos e tantos que porventura tenham se beneficiado de seu governo. Publiquei isso com a ressalva de que o fazia porque certamente os veiculos vários de comunicação controlados pelo Sr. Dorileo não dariam o devido destaque ao caso e a esta citação específica.

Para melhor conhecimento daqueles que acompanham a PAGINA DO E, divulgo aqui, mais uma vez, a integra da ação em que o Sr. Dorileo reclama de minha parte uma indenização de R$ 50 mil contra possíveis danos que lhe teria causado, como também o inteiro teor da minha contestação, com os documentos que a ela juntei. Poderão, assim, os leitores, terem uma ideia mais dos fatos e das argumentações que o juiz Bussiki tem expostos diante de si, antes de proferir sua decisão sobre o caso.

Vejam que, depois de uma detalhada análise das acusações inverídicas contra mim dirigidas pelo Sr Dorileo, encerro minha contestação deixando para o julgador os seguintes pedidos:

Diante do exposto, é esta CONTESTAÇÃO para, REQUERER:

a) o indeferimento da inicial por, como demonstrado ficou, não ter qualquer relação entre a publicação imputada e a capitulação legal que lhe
foi dada.

b) em consequência, que o valor da indenização pedida, e seus corolários [verba honorária, custas processuais etc.], seja indeferido uma
vez que inexiste qualquer relação entre o noticiado pelo Querelado (eu, Enock Cavalcanti) e a repercussão que tal possa ter causado ao Autor (ele, Sr. Dorileo).

c) que o Autor – por abusar do direito de petição, atirando -se a uma aventura judiciária, na qual pretende se utilizar do já assoberbado Poder Judiciário para fins claramente intimidatórios e de indevido enriquecimento – seja considerado litigante de má-fé, com todas as consequências legais advindas.

d) que, em decorrência, seja o mesmo condenado a indenizar o Requerido em quantia a ser arbitrada por Vossa Excelência, porém, não inferior ao valor que atribuiu à causa com multa por ato repleto de ma -fé.

e) que seja condenado em sucumbência no percentual de 20% (vinte por cento) do montante que atribuiu à causa ou em valor a ser arbitrado por Vossa Excelência.

f) que o mesmo seja condenado a publicar na íntegra em seu jornal e a veicular na sua mídia televisiva, sob pena de multa, a Sentença e o v. acórdão.

Ler a contestação exigirá um pouco de paciência dos internautas que acessam esta página do E, que que o PDF que divulgo arrola também os documentos que juntei à ela, tal qual a denuncia do Ministério Público de Mato Grosso contra o Sr. Dorileo no episódio também recente do Escândalo das Gráficas e cópias de reportagens que relembram detalhes do Secomgate que muitos esqueceram ou fazem questão de abafar.

Agora é aguardar pela decisão da Justiça, em primeira instância.

Enock Cavalcanti rebate Dorileo Leal, dono de conglomerado de midia que tenta calar blogueiro em MT by Enock Cavalcanti on Scribd

 

 

 

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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