Talvez você me conheça pessoalmente, talvez não. Mas quero contar um pouco da minha história… E de como cheguei até aqui, neste Brasil nunca sonhado, temendo pelo futuro da nação, o meu futuro, o nosso futuro.

Eu sempre gostei de escrever, por isso decidi cursar jornalismo. Precisei insistir dois anos seguidos até ser aprovada na UFRGS, em Comunicação Social, em 1983. Foi no início do curso que participei de alguns comícios pelas Diretas Já. Eu tinha pouca noção da importância daquele momento, era muito jovem ainda. Foi depois disso que aprendi muita coisa sobre jornalismo, sobre a sociedade, a humanidade e a vida…

Na Faculdade, aprendi que o jornalismo possuía uma função social, de prezar pelo respeito à diversidade e à paz. Aprendi também que o profissional deveria fazer um esforço especial para ser o mais imparcial possível. A dedicação para se aproximar ao máximo da “verdade” não é algo tão simples quanto pode parecer, já que é preciso buscar fontes de confiança, as mais diversas possíveis, não comprometidas com nenhum dos lados, a fim de montar um mosaico de pontos de vista que dê maior confiabilidade ao fato narrado. O mesmo destaque deveria ser dado para cada um dos lados, também… Além do mais, a própria escolha de palavras pode determinar maior ou menor imparcialidade. É possível sugerir mentiras e culpas (sem precisar mentir). Por exemplo, na escolha por redigir “João alega que” ou “João afirma que”…

Me graduei como profissional da comunicação e, por isso, desenvolvi um senso crítico apurado sobre os veículos de comunicação. Mais tarde, me tornei professora de jornalismo e passei a ensinar aos futuros profissionais sobre ética jornalística. Nos últimos anos, me envergonho do jornalismo praticado no país, que (com raríssimas exceções) privilegia delações e depoimentos de fontes duvidosas, sem dar valor igual aos dois lados da questão; que manipula as palavras, insinua culpas, protege culpados e semeia desconfiança e ódio. Um jornalismo que não se aprofunda nas questões, favorecendo a compreensão de que, por exemplo, a corrupção é um problema recente na história do Brasil. Um jornalismo que, em vez de prezar por uma sociedade que respeite todos os indivíduos, privilegia pontos de vista preconceituosos, misóginos, machistas, racistas e, no panorama raso que retrata, deixa a possibilidade de interpretação de que a violência pode ser resolvida com mais violência ainda…

Ando chocada com o jornalismo, e com muito mais do que tem acontecido no Brasil atual. Mas o jornalismo é a minha área, e por isso tenho insistido em procurar alertar as pessoas sobre a parcialidade das notícias vendidas como “verdade” por aí. Ao acompanhar diariamente as aberrações na comunicação, não pude deixar de me posicionar a favor do Partido dos Trabalhadores, que tem sido massacrado e condenado diariamente pela mídia há anos. Assim, acabei me tornando o que alguns chamam de “petralha” e, outro dia mesmo, tive não apenas a minha liberdade ameaçada por um dos candidatos a presidente, mas a minha vida. Empunhando algo que simulava uma metralhadora, ele disse, em alto e bom som: “vamos fuzilar a petralhada do Acre”. Oras, não moro no Acre, mas isso me dá alguma tranquilidade? Não. O candidato que se propõe a resolver violência com mais violência disse também que vai acabar com os “vermelhos”, que serão extraditados ou presos. Mas ele também já se declarou a favor da tortura…

E você, que me conhece e por acaso leu até aqui meu depoimento, que não é uma delação, mas uma história de vida, de convicção e dedicação a esclarecer sobre os limites da “verdade”, vai votar no candidato que me ameaça!? Você acha minha preocupação exagerada? Acredita que ele não vai fazer o que diz?

Vc sabe que, na época da ditadura, não foram perseguidos só aqueles que faziam oposição ao regime? Bastava o vizinho não ir com a sua cara para delatar você… Você sabe que, devido a ideia de que era preciso ser firme para combater a oposição, primeiro se atirava, torturava ou matava, e depois se perguntava!? Você vai arriscar a liberdade
, a democracia, a vida (a sua e a minha)!?

Bolsonaro não só deu, inúmeras vezes, declarações preconceituosas e, até, de apoio à tortura e à morte de pessoas, como também nunca administrou sequer uma bodega. Construiu sua base eleitoral com a disseminação de mentiras absurdas sobre Haddad, e não demonstra respeito algum pelos seus adversários. O que esperar dele!?

Ontem mesmo, estive em uma pracinha simpática, e tentei conversar com um desconhecido, alguém que acredita que Lula é apenas um ladrão. Tentei explicar que a verdade pode ter diversas interpretações, e se ele acreditava nisso, eu acreditava o contrário, e isso não devia fazer com que nos ofendêssemos em um possível diálogo. Ele disse que, por ele, deviam jogar uma bomba e destruir o PT. Eu perguntei se, então, concordava que se devia “fuzilar a petralhada”. Ele, enfático, afirmou: Claro! Eu arregalei meus olhos e perguntei: “Então você quer me fuzilar!? Ele retrucou: “Você não!” E eu: “Mas eu sou petista!”. Passei o dedo sobre meu braço e disse a ele: “Ei, eu sou gente como você, e você quer me fuzilar, só porque não tenho a mesma opinião!?”

A conversa foi mais além, e confesso que não consegui fazê-lo perceber o absurdo do posicionamento violento que tomava. Eu não queria fazê-lo mudar de ideia, só queria que ele entendesse que podíamos dialogar com respeito, sem nos deixar tomar pelo ódio.

Depois disso, por sorte, conversei com uma moça que, em dúvida sobre o voto, concordou que Haddad foi um excelente ministro da Educação e seu adversário é assustador. Eu argumentei com ela que, se o PT errou (e eu tinha certeza de que ela devia acreditar mais que eu em erros do Partido dos Trabalhadores), havia muitos indivíduos que já haviam pago ou estavam pagando por isso, e a forma contundente da mídia abordar estes erros seria uma pressão extra para que os erros não se repetissem. Ela concordou com minha argumentação, e declarou-se decidida a votar em Haddad.

Eu comemorei o diálogo e a esperança de um país menos violento. Mas ainda durmo mal (como muitos, eu sei), metade da noite insone, com a consciência de que um governante é um modelo para os jovens, para a sociedade. E se este for um indivíduo violento, agressivo, sem respeito pelas minorias, e pelas mulheres (até mesmo condenado por apologia ao estupro), nossa bandeira vai até continuar verde-amarela, mas o Brasil nunca mais será o mesmo. A pátria acolhedora, pacífica e alegre pode tornar-se um pesadelo, um lugar de ódio…

Você decide.
Valéria Regina Dallegrave, jornalista e escritora

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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