Más noticias ocupam a mente dos homens, todos temem as imagens que envolvem os olhos, denunciam que o planeta está doente. Terra, tão linda, estamos ferrados. Meus netos, num dia árido, verão as fotografias que fiz na vida, talvez culpem a mim e minha geração por termos destruído o mundo, não verão o quanto protestávamos a favor do planeta, nossos gritos.
Enfim é tarde, ir-se-ão os anéis e os dedos.
Um novo estudo da Organização Mundial de Meteorologia, OMM, indica aumento dos Gases de Efeito Estufa, a elevação do nível dos mares, a acidificação dos oceanos e o clima mais extremo.
O pior dos mundos anuncia-se e, aqui no Brasil, seguimos em nossa obsessão de desenvolver o país usando os recursos naturais. O mercúrio vai invadindo nossas águas, cegando nossos olhos, nos trazendo a demência.
A RAISG (Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada) disponibiliza uma série de vídeo-reportagens sobre os impactos do mercúrio utilizado na exploração do ouro na Amazônia. A Rede é um consórcio de organizações da sociedade civil dos países amazônicos, voltado para a sustentabilidade socioambiental da Amazônia e apoiado pela cooperação internacional.
A Organização Mundial de Meteorologia diz que não existem sinais de mudança na tendência que impulsiona mudanças climáticas de longo prazo, elevação do nível do mar, acidificação dos oceanos e clima mais extremo:
Agronegócio
Falando a ONU News de São José dos Campos, a coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil, Luciana Vanni Gatti, explicou que segundo um estudo recente 71% das emissão do país vêm do agronegócio. Ela acrescentou que por causa da pressão econômica, o cenário brasileiro é muito crítico.
“Existe esta pressão econômica, o governo quer fechar a balança comercial, as contas públicas, então incentivamos a exportação, mas por trás disso vem o desmatamento, então é preciso se repensar sobre a alimentação, sobre a criação de gado, da gente pensar em não derrubar florestas, criar o gado num manejo diferente que você mantenha a floresta em pé, a gente tem que sair daquelas velhas práticas da agropecuária e descobrir maneiras que não emitam tanto de continuarmos produzindo alimentos.”
Amazônia
Gatti disse que se as emissões continuarem aumentando, as mudanças climáticas terão um impacto muito maior que desejamos para que a vida continue como ela existe hoje no planeta. Entre os efeitos que já são observados, ela destacou as mudanças no regime de chuvas, a perda de áreas de praia com o avanço do mar e a ocorrência de eventos extremos.
Como exemplo dessa situação, Gatti também citou uma pesquisa na Amazônia, onde está sendo observado que a floresta está apresentado um comportamento diferente em termos de precipitações e temperatura. A Amazônia também estaria absorvendo menos gases de efeito estufa do que na década passada.
“A gente tem que acordar, tem que realmente reduzir a emissão, e isso desde o ser humano, desde o individuo, na hora que ele resolve, ao invés de ligar o ar condicionado, ligar o ventilador, ao invés de abastecer o carro com a gasolina porque ela fica um pouquinho mais barata abastecer com o etanol, a gente tem que mudar o nosso padrão de vida e realmente emitir menos, até nas grandes políticas públicas.”
Ciência
O dióxido de carbono é o principal gás de efeito estufa de longa duração na atmosfera. O nível de concentração apontado em 2017 pelo estudo apresenta um aumento de 146% em relação à era pré-industrial, antes de 1750.
O secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, disse que a ciência é clara e que “sem cortes rápidos dos níveis de CO2 e outros gases de efeito estufa, a mudança climática terá impactos destrutivos e irreversíveis cada ver maiores na vida no Planeta.” Ele alertou que “a janela para a chance de agir está quase fechada.”
Taalas também explicou que “na última vez que o Planeta experimentou uma concentração comparável de CO2 foi entre 3 e 5 milhões de anos atrás, quando as temperaturas eram entre 2°C e 3°C mais quentes e o nível do mar era entre 20 e 30 metros mais alto do que agora.”
O Boletim da OMM indica que as concentrações de metano e óxido nitroso também subiram. Ao mesmo tempo, ressurgiu uma substância potente de gases de efeito estufa e destruidora da camada de ozônio. A chamada CFC-11 é regulada por um acordo internacional para proteger a camada de ozônio.
Evidências
Provas científicas também apresentadas recentemente pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, Ipcc, apontam que seria necessário que as emissões de CO2 chegassem a zero até 2050 para manter o aumento de temperatura no Planeta abaixo de 1,5°C. De acordo com as Nações Unidas, juntos, estes dados fornecem a base científica para a tomada de decisões nas negociações sobre mudanças climáticas, que ocorrerão entre 2 e 14 de dezembro na Polônia.
O objetivo principal do encontro é adotar diretrizes de implementação do Acordo de Paris, que busca manter o aumento da temperatura global o mais próximo possível de 1,5°C.
O Boletim de Gases de Efeito Estufa é feito com base em dados do Programa Global de Observação da Atmosfera da OMM. O programa acompanha a mudança dos níveis dessas substâncias como resultado da industrialização, do uso de energia de fontes de combustíveis fósseis, de práticas agrícolas intensificadas, do aumento no uso da terra e do desmatamento.
Após feridos e mortos, e em dia de eleição do presidente americano, estamos próximos ao final do ano de 2020. Adquiri novos livros, reviro outros antigos, sei que de tudo fica um pouco, tudo vira história.
Na pandemia encontrei desenhos belíssimos de Noemia Mourão, artista plástica e esposa de Di Cavalcanti. Mistura-se, enlaça papéis, pensamentos atuais sobre desenhos antigos.
Recorte no texto de Ailton Krenak e desenho de Noemia Mourão*
“Outro dia fiz um comentário público de que a ideia de sustentabilidade era uma vaidade pessoal, e isso irritou muitas pessoas. Disseram que eu estava fazendo uma afirmação que desorganiza uma série de iniciativas que tinham como propósito educar as pessoas sobre o gasto excessivo de tudo. Eu concordo que precisamos nos educar sobre isso, mas não é inventando o mito da sustentabilidade que nós vamos avançar. Vamos apenas enganar, mais uma vez, quando quando inventamos as religiões. Tem gente que se sente muito confortável se contorcendo no ioga, ralando no caminho de Santiago ou rolando no Himalaia, achando que com isso está se elevando. Na verdade, isso é só uma fricção com a paisagem, não tira ninguém do ponto morto.
Trata-se de uma provocação acerca do egoísmo: eu não vou me salvar sozinho de nada, estamos todos enrascados. E, quando eu percebo que sozinho não faço a diferença, me abro para outras perspectivas. É dessa afetação pelos outros que pode sair uma compreensão sobre a vida na Terra. Se você ainda vive a cultura de um povo que não perdeu a memória de fazer parte da natureza, você é herdeiro disso, não precisa resgatá-la, mas se você passou por essa experiência urbana intensa, de virar um consumidor do planeta, a dificuldade de fazer o caminho de volta deve ser muito maior. Por isso acho que seria irresponsável ficar dizendo para as pessoas que, se nós economizarmos água, ou só comermos orgânico e andarmos de bicicleta, vamos diminuir a velocidade com que estamos comendo o mundo – isso é uma mentira bem embalada.
A própria ideia de certificação, dos teste que são feitos com materiais que consumimos, desde a embalagem até o conteúdo, deveria ser posta em questão antes de a gente abrir a boca para dizer que existe qualquer coisa sustentável neste mundo de mercadoria e consumo. Estamos transformando oceanos em depósitos de lixo impossíveis de tratar, mas vocês, certamente, vão escutar um bioquímico ou um engenheiro espertalhão dizendo que tem uma startup que que vai jogar um negócio na água, derreter o plástico e resolver tudo. Essa pilantragem orienta, inclusive, a escolha de jovens que vão fazer especialização na Alemanha, na Inglaterra, ou em qualquer lugar,e voltam ainda mais convencidos do erro. Voltam, assim, transbordantes de competência para persuadir os outros de que comer o mundo é uma ótima ideia.
Enquanto as bases materiais da nossa vida cotidiana estão funcionando, operantes, a gente não se pergunta de onde vem as coisas que consumimos. Na maioria de tempo, as pessoas mal respiram ou têm consciência do que põem na boca para comer. Apenas quando há um desastre, os indivíduos, desplugados das fontes de suprimentos, começam a sofrer e a se questionar. Quem sobrevive a uma grande catástrofe costuma pensar em mudar de vida porque teve uma breve experiência do que é, de fato, estar vivo. Existem muitos povos vivendo situação de perdas, de catástrofe, de guerra. Ouvir sobre como essas pessoas agem para sair de um trauma profundo, olhar ao redor de si e recomeçar sua jornada nisso que chamamos “seguir vivendo”, pode ser instrutivo, mas não substitui a experiência.
Estou há dois anos vivendo na margem esquerda de um rio junto com outras famílias do meu povo que, do ponto de vista prático, tinham que ter sido removidas daqui, como o que aconteceu com o pessoal de Brumadinho, de Bento Rodrigues e outros lugares. Os Krenak não aceitaram ser retirados, quisemos ficar no local do flagelo. “Ah, mas vocês não tem água!” E daí? “Ah, mas vocês podem morrer aí!” E daí? Sabemos que esse lugar foi profundamente afetado, virou um abismo, mas estamos dentro dele e não vamo sair. É uma questão que incomoda, mas é preciso estar nessa condição para poder produzir uma resposta em plena consciência. Consciência do corpo, da mente, consciência de ser o que se é e escolher ir além da experiência da sobrevivência.”
in A vida não é útil – Companhia das Letras
* Ailton Krenak, líder indígena, pensador, ambientalista e escritor,66 anos, escolhido intelectual do ano, ganhador do prêmio Juca Pato, premiação realizada pela União Brasileira de Escritores, que reconhece autores que contribuem para o desenvolvimento da democracia brasileira.
*Noemia Mourão(1912/1992), pintora, cenógrafa e desenhista. Estudou e casou-se com Di Cavalcanti.
Cantou o poeta Gilberto Gil, certa feita, que sentir é questão de pele e amor é movimento. Sempre, aqui e agora, estanca-se amor.
coração e pele de uma gente de origem
A pele da terra é sua floresta, sua caatinga ou cerrado, mangue, restinga. Nada disso sabem no ringue, imbecis apostadores. Como tu és ou não, eu já não santo ou saberei. Sei de mim, filho da terra, Terra, como ti.
Querem fazer do boi um ser que combate o fogo. Tadinho do boi, na Índia ser tão respeitado, as vacas da maternidade, tolerância, mansidão, sustento do humano.
Aqui, profana vaca muge heresias. Novos ventos, leitos banais na ocupação de nossa equação? Estranha aritmética no fogo da razão.
Crianças Kawaiweté, em feliz pedagógica canoa e exercício de equilíbrio, prumo e rumo.
Resta-nos apenas a terceira margem do rio, penso como Guimarães Rosa, mandar fazer uma canoa. Aprendi que coisa séria em canoa é o remo, seu rumo.
Sem fim seguem absurdas afirmações da função dos animais. Atribuem qualidades ao gado de corte. De fato é o boi nosso churrasco, mas fogo não é seu apreço.
Preço da carne são outros 500. Índio pensa no desequilíbrio da água e seu brilho.
À margem do Xingu, na pesca diária da vida e educação indígena.
Fico pensando na paz, ausência de excitação, estado de calma. Não o Buda e seu prêmio de afastamento do mal e a eliminação dos demônios, mas o largar as armas, entender a palavra. É prêmio da paz a serenidade? Creio que sim, tal lavar a roupa da noite à beira de rio, tão puro, na alvorada de cada dia.
Alvorada entre os povos tradicionais e seus asseios e gratidão, ciência de quem sabe.
Quando nasci havia um pedido de paz, recordo bem nas igrejas da época. Vivi dia assim de paz apenas entre indígenas, homens fortes de luta, luto e senha. Há uma paz entre grandes guerreiros, por mais que ameacem. Descobrimos quando velhos que as armas apenas entristecem, vingam, atiçam a sanha.
Ropni, o cacique Raoni, o mestre das palavras e seus calibres no alvo de nosso peito, representa 5 séculos do brado dos povos nativos daqui, de um planeta Terra. Raoni sempre disse aos kuben, nós mesmos, os homens brancos, que os espíritos lhe dizem sobre a destruição das florestas e suas consequências.
A paz do cacique é a saúde da Terra. Sempre voltamos ao começo na esperança da paz.