Taquicardia. O sono interrompido. Susto de dor e febre. Vômito. Diarreia. Nada acabou, pensei, e a dor estava maior ainda. Passei à noite muito mal, mas achei que dormindo tudo melhoraria, mas não. O mundo girava, estava difícil ficar em pé, mas precisava me resolver, não dava para continuar assim, peguei meu celular e comecei a procurar por um hospital…
Hôpital Lariboisière, construído no século XIX, que é até considerado um monumento histórico, é um hospital público que financia suas próprias pesquisas, 80% da conta é paga pelo governo francês, enquanto você (ou o seu convênio) é responsável pelos 20%. Funciona bem. Eles têm orgulho em colocar na conta que você é responsável pelas pesquisas e por fazer com que o sistema seja acessível à todos, mesmo que você não tenha os documentos necessários. Hospital público francês garante os direitos dos contribuintes, e até dos que não contribuem.
Cheguei na emergência e fui atendida por uma jovem enfermeira negra, que estava dando risada e brincando enquanto ensinava sua colega, branca de olhos azuis, como fazer o procedimento, que papéis ela deveria preencher. Só fui saber depois, mas entrei no hospital com um pouco de febre, 38.2, e me colocaram imediatamente em um quarto. Demorou muito para um médico aparecer, mas eles só me dariam remédio depois de terem certeza do que se tratava. É o procedimento aqui (e admito que fiquei com raiva disso, no começo, porque tudo o que queria era que a dor passasse).
O médico apareceu: o que você está sentindo? Vi no seu formulário que já esteve aqui há um mês. São os mesmos sintomas? Me fez uma série de perguntas, as quais tentei responder porque estava com muita dor. Na primeira vez eles acharam que era só uma cólica, não me pediram nenhum outro exame além do de sangue e mandaram para casa.
Dessa vez não. Como apresentei os mesmos sintomas, eles queriam pesquisar melhor o que eu tinha. Pedi para o médico por um remédio para dor, e ele perguntou porque eu ainda não havia tomado, que preciso comprar remédios para dor e tê-los em casa. Chamou a enfermeira, receitou um soro e um remédio para dor. Eram umas 3 ou 4 horas da manhã.
O remédio para dor não funcionou, e eu não dormi nada. Mais tarde um outro médico passou, e ele me mandou a um ginecologista, receitou uma radiografia, e para finalizar encontraria com gastros. Um dia todo de exames, e com muita dor, mas ainda assim, se fosse no Brasil só teriam me dado remédios para dor e me mandado para casa.
Um enfermeiro gordinho, muito simpático, me levou de maca pelos corredores do imenso hospital, onde vi anúncios dos sindicatos nas paredes contra a privatização da saúde, contra cortes de gastos, etc. Um hospital bem ativo politicamente. Na França todos fazem política, e isso não é criminalizado como no Brasil. Na foto abaixo observamos uma parte do hospital fechada para atender os casos do COVID 19:
Cheguei na sala do ginecologista, onde esperei literalmente duas horas pela consulta. Depois uma enfermeira veio e me levou em uma outra maca para fazer a radiografia, na qual examinaram meu intestino, acreditaram que eu poderia ter o COVID 19, que pode se apresentar de formas diferentes em cada pessoa.
Voltei para a emergência do hospital, fiquei na enfermaria, não no quarto, mas logo uma enfermeira veio, e tive que fazer exame de fezes e de urina, o que em um hospital brasileiro público demoraria horas para ficar pronto, em alguns minutos os médicos já tinham os resultados, mesmo com parte do hospital fechado por causa do COVID 19.
Pouco depois vieram dois médicos gastros, uma moça branca e um moço negro, ambos cirurgiões gastrointestinais, me avisar que eu estava com apendicite e que precisaria ser operada o mais rápido possível, mas que não era para eu me preocupar que seria uma cirurgia rápida, e me explicaram que o procedimento seria feito pelo meu umbigo com uma câmera, muito moderno e simples.
Fiquei surpresa com o acesso rápido a tantos médicos, a facilidade com os exames, a tecnologia disponível em um hospital público, além do aspecto da enfermaria, limpa, tranquila, e até vazia. Veja no vídeo abaixo como é uma enfermaria em um hospital público francês.
Nunca havia sido operada de nada, e não estava ansiosa para fazê-lo em um país desconhecido no meio da pandemia, que se refletia no uso de máscaras por todas as pessoas a minha volta, no senhor indiano que não queria usar a máscara, e com o qual à enfermeira francesa gritava para que colocasse a máscara de volta porque o resultado do teste de COVID 19 dele ainda não havia saído.
Antes de terem certeza de que eu poderia ser operada no dia seguinte, fiz o teste de COVID 19: um cotonete no meu nariz, e foi isso. Alguns minutos mais tarde o resultado estava pronto, e tinha sido negativo, portanto no outro dia seria operada. Enquanto esperava pela cirurgia na manhã seguinte, me levaram para um pequeno quarto.
Não me deram remédios para dor, apenas antibióticos, por isso não dormi nada. Depois eles atrasaram para me levar para a sala de cirurgia, onde esperei e esperei por horas, porque um moço todo engessado (até a cabeça, e negativo para COVID 19), e uma moça, cujo grito rouco é uma lembrança terrível (positiva para o COVID 19), passaram na minha frente para a cirurgia.
A anestesista era de descendência portuguesa (e por isso falou em português comigo, me distraiu fazendo piadas), enquanto a cirurgiã era italiana, e o enfermeiro um jovem africano. Todas as enfermeiras que eu conheceria depois da cirurgia também eram negras e estrangeiras. A vida da França está na mãos dos imigrantes.
Passei mais dois dias no hospital depois disso, não foi fácil, mas sei que o que tive acesso ali não teria em nenhum outro local público no Brasil. É o que o SUS ainda poderá ser.
Uma resposta
Estávamos caminhando para isso nos governos do PT. Mas infelizmente com o golpe estamos vendo o que está acontecendo. Os bolsonaristas ou melhor idiotas, estão confirmando que nós somos uma república de bananas, colônia dos usa. Mas apesar dos pesares tenho fé que as esquerdas consigam unir para derrotarem os nazifascistas.