“Mudar o mundo eu acho que é uma tarefa muito maior do que a fotografia. Mudar o mundo é ter milhões de pessoas na rua em movimentos contra os opressores, contra as ditaduras, é isso que muda o mundo. E a fotografia, se ela quiser cumprir esse papel, tem que andar com esses movimentos, colocando realidades objetivas e subjetivas, porque não existe verdade absoluta.” João Zinclar, em “Caçadores de Alma”, de Silvio Tendler.
João Zinclar é sem dúvida alguma um dos grandes fotógrafos contemporâneos da narrativa da história recente movimentos sociais latino-americanos.
O fotógrafo que faleceu em 2013 foi militante nos campos do sindicalismo, cultura popular, direitos humanos e das lutas por moradia, terra e democratização da comunicação. Participando ativamente dos movimentos sociais e suas lutas nos últimos 24 anos.
O seu trabalho extrapola classificações convencionais, principalmente as imagens que retratam olhares, se reconhece nitidamente o olhar humano através das suas lentes.
É importante reconhecê-lo em seu papel como narrador das imagens do povo e das pelejas desse povo dentro da construção da democracia e direitos humanos.
O livro fotográfico autoral “O Rio São Francisco e as Águas no Sertão”, lançado em 2009, é sua obra mais conhecida e traz o registro da cultura do povo ribeirinho e sua luta em defesa do rio. O livro é resultado dos cinco anos em que Zinclar percorreu as margens do Rio São Francisco em oito estados.
O legado de João Zinclar
O acervo, a partir da morte do fotógrafo, passou a ser de propriedade da sua filha; Victória Ferraro Lima Silva. Ela em conjunto com um grupo de militantes das áreas de memória e cultura visual vem dando sequência as ações de organização, preservação e difusão do Acervo. Composto de 53.849 negativos flexíveis, cerca de 180 mil imagens digitais, além de dezenas de publicações impressas. O acervo abarca documentos iconográficos da luta de classes na história política brasileira entre 1994 e 2013, com destaque para as lutas dos movimentos de trabalhadores e trabalhadoras no campo e nas cidades.
O Grupo Gestor do Acervo, em parceria com o cineasta Carlos Pronzatto está desenvolvendo o projeto de documentário Trajetória militante do fotógrafo João Zinclar.
O foco da pesquisa não é apenas a trajetória individual, mas sim o que essa trajetória carrega da atuação dos agentes políticos coletivos da classe trabalhadora enquanto sujeitos conscientes da produção de sua imagem.n
Também visa problematizar a atuação de organizações da classe trabalhadora brasileira na condição de autoras de suas imagens fotográficas, em especial no período como Ciclo de Governos Progressistas dos países latino-americanos. É esse o recorte histórico dos processos de luta por emancipação latino-americana em que o documentário de situa.
A historiadora Sônia Fardin, integrante o Grupo Gestor do Acervo Zinclar, fala da importância do legado de Zinclar. “ As imagens do Acervo João Zinclar são parte da ação de um trabalhador inserido nas lutas sociais, que soube identificar as transformações na cultura visual e sua importância na luta política.
São imagens que registram inquietações sobre sonhos, frustrações, vitórias, projetos, desejos, contradições com as quais a vida, a luta, a militância e a memória se fazem.
São imagens que esgarçam as fronteiras entre criação e documentação jornalística, que registram inquietações sobre sonhos, frustrações, vitórias, projetos, desejos, contradições e as impermanências com as quais a vida, a luta, a militância e a memória se fazem.”
A documentação fotográfica das lutas de entidades e movimentos sociais de resistência da classe trabalhadora foi uma das militâncias de Zinclar que reconhecia a importância dos registros das lutas populares sob a ótica de quem vive o movimento por dentro. Victória Ferraro Lima Silva , filha do fotógrafo, proprietária e integrante do grupo gestor do acervo do pai relata.
“A fotografia para o meu pai não era apenas uma arte, era uma forma de contribuir para a mudança de sociedade. A necessidade de preservar o momento, de contar uma história a partir da imagem, de registrar um fato, estava presente em todas as suas falas sobre o que era importante na fotografia, mas a história que ele contou, os momentos que preservou, os fatos que registrou, fazem parte de uma luta muito maior que a fotografia. O que movia meu pai era a luta política e a convicção da necessidade, mais que urgente, de transformar a sociedade. A partir disso, ele viu na fotografia uma maneira de contribuir com essa transformação, e hoje temos um grande acervo onde está presente uma parte da historia da luta dos trabalhadores, dos povos ribeirinhos, dos indígenas, das mulheres, dos povos explorados e oprimidos, uma historia que dificilmente vemos estampada nas capas de grandes jornais, uma historia que deve ser preservada.”
Falar, lembrar de João Zinclar é falar do povo, da classe operária das suas lutas e anseios.
Sônia Fardin reconhece o grande patrimônio do legado do fotógrafo. “O acervo João Zinclar guarda indagações políticas e estéticas sobre inquietações , conflitos e estratégias de lutas. Trata-se de um dos mais importantes acervos da história brasileira recente. Não apenas pela quantidade e qualidade de imagens, nem somente pelo período histórico, mas principalmente por ter como agente produtor um olhar forjado ao longo de anos em estudos e leituras. No peso da rotina operária, nos improvisos da vida de andarilho, no trabalho artesanal, nos embates da luta sindical, na formação foto-cineclubista, na luta política de esquerda e na troca de olhares vivida em metrópoles e vilarejos. Realidades registradas pela ótica de quem recusou-se a ser mera extensão de máquinas, tanto na fábrica como na mídia, e escolheu não se acomodar na camada confortável da obviedade – da vida, da política e da produção fotográfica.”
Gente e cotidiano, é título dado por Zinclar a uma série realizada entre 2005 e 2006, durante a pesquisa para a produção do livro O Rio São Francisco e as águas no Sertão, publicado em 2010. A exposição virtual traz mais de 90 imagens que compõe uma série inédita de um dos mais dedicados documentaristas visuais da vida e das lutas do povo nordestino. O acervo de João Zinclar pode ser visitado no endereço: https://ajz.campinas.br.
Grupo Gestor do Acervo João Zinclar
O Acervo João Zinclar, datado de 1994 a 2013, é resultado da atuação do fotógrafo João Zinclar, que foi militante nos campos do sindicalismo, cultura popular, direitos humanos e das lutas por moradia, terra e democratização da comunicação.
Composto de 53.849 negativos flexíveis, cerca de 180 mil imagens digitais, além de dezenas de publicações impressas, este acervo é um dos maiores legados da história recente dos movimentos sociais latino-americanos.
Também organiza cursos, debates, exposições e outras atividades militantes nas áreas do audiovisual e da história dos movimentos sociais por direito à comunicação, terra, trabalho e moradia. O Acervo João Zinclar é uma iniciativa popular sem fins lucrativos que preserva e divulga a trajetória e o trabalho do militante João Zinclar, reconhecido como o “fotógrafo das lutas sociais”.Integram a coordenação o Grupo Gestor do Acervo João Zinclar: Victória Ferraro Lima Silva (detentora do acervo), Sônia Aparecida Fardin (historiadora e curadora), Batata (agente cultural), Augusto Buonicore (historiador), Orestes Augusto Toledo (historiador), Carlos Tavares (fotógrafo e cinegrafista) e Danilo Ciacco Nunes (administrador).
Nesse percurso, os conjuntos de documentos foram inicialmente depositados no Museu da Imagem e do Som de Campinas e passaram por um processo de identificação de suportes, inventário, higienização e parcial digitalização dos negativos. O Grupo Gestor do Acervo, neste cinco anos, vem realizando ações de difusão, com destaque para o site www.ajz.campinas.br, que é uma ferramenta de difusão do acervo com destaque para as exposições temáticas virtuais. Este ano já foram realizadas: O Rio São Francisco e as águas no Setor; Mulheres em Luta: Imagens da classe trabalhadora em Luta, e a última Gente e Cotidiano.
Também provomendo debates e diálogos com diversos segmentos dos movimentos sociais com os quais João Zinclar atuou.
O objetivo desses diálogos é formatar um modelo de gestão do Acervo João Zinclar que tenha a garantia da presença ativa de três pilares da memória com os quais a ação militante de João interagiu: o Arquivo Edgar Lourenhot, como representante da academia, o Museu da Imagem e do Som, como representante da esfera pública de cultura e a Casa de Cultura Tainã, como sujeito político dos movimentos sociais de cultura e memória.
Colaboração
Sônia Fardin
Victória Ferraro Lima Silva