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América Latina e Mundo

Hoje (13/08) o operário da fotografia, João Zinclar, completaria 62 anos

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“Mudar o mundo eu acho que é uma tarefa muito maior do que a fotografia. Mudar o mundo é ter milhões de pessoas na rua em movimentos contra os opressores, contra as ditaduras, é isso que muda o mundo. E a fotografia, se ela quiser cumprir esse papel, tem que andar com esses movimentos, colocando realidades objetivas e subjetivas, porque não existe verdade absoluta.” João Zinclar, em “Caçadores de Alma”, de Silvio Tendler.

João Zinclar é sem dúvida alguma um dos grandes fotógrafos contemporâneos  da narrativa da história recente movimentos sociais latino-americanos.

O fotógrafo que faleceu em 2013 foi militante nos campos do sindicalismo, cultura popular, direitos humanos e das lutas por moradia, terra e democratização da comunicação. Participando ativamente dos movimentos sociais e suas lutas nos últimos 24 anos.

O seu trabalho extrapola classificações convencionais, principalmente as imagens que retratam olhares, se reconhece nitidamente o olhar humano através das suas lentes.

É importante reconhecê-lo em seu papel como narrador das imagens do povo e das pelejas desse povo  dentro da construção da democracia e direitos humanos.

O livro fotográfico autoral “O Rio São Francisco e as Águas no Sertão”, lançado em 2009, é sua obra mais conhecida e traz o registro da cultura do povo ribeirinho e sua luta em defesa do rio. O livro é resultado dos cinco anos em que Zinclar percorreu as margens do Rio São Francisco em oito estados.

O legado de João Zinclar

O acervo, a partir da morte do fotógrafo, passou  a ser de propriedade da sua filha; Victória Ferraro Lima Silva.  Ela em conjunto com um grupo de militantes das áreas de memória e cultura visual vem dando sequência as ações de organização, preservação e difusão do Acervo. Composto de 53.849 negativos flexíveis, cerca de 180 mil imagens digitais, além de dezenas de publicações impressas. O acervo abarca documentos iconográficos da luta de classes na história política brasileira entre 1994 e 2013, com destaque para as lutas dos movimentos de trabalhadores e trabalhadoras no campo e nas cidades.

O Grupo Gestor do Acervo, em parceria com o cineasta Carlos Pronzatto está desenvolvendo o projeto de documentário Trajetória militante do fotógrafo João Zinclar.

O foco da pesquisa não é apenas a trajetória individual, mas sim o que essa trajetória carrega da atuação dos agentes políticos coletivos da classe trabalhadora enquanto sujeitos conscientes da produção de sua imagem.n

Também visa problematizar a atuação de organizações da classe trabalhadora brasileira na condição de autoras de suas imagens fotográficas, em especial no período  como Ciclo de Governos Progressistas dos países latino-americanos.  É esse o recorte histórico dos processos de luta por emancipação latino-americana em que o documentário de situa.

A historiadora  Sônia Fardin, integrante o Grupo Gestor  do Acervo Zinclar, fala da importância do legado de Zinclar. “ As imagens do Acervo João Zinclar são parte da ação de um trabalhador inserido nas lutas sociais, que soube identificar as transformações na cultura visual e sua importância na luta política.

São imagens que registram inquietações sobre sonhos, frustrações, vitórias, projetos, desejos, contradições com as quais a vida, a luta, a militância e a memória se fazem.

São imagens que esgarçam as fronteiras entre criação e documentação jornalística, que registram inquietações sobre sonhos, frustrações, vitórias, projetos, desejos, contradições e as impermanências com as quais a vida, a luta, a militância e a memória se fazem.”

A documentação fotográfica das lutas de entidades e movimentos sociais de resistência da classe trabalhadora foi uma das militâncias de Zinclar que reconhecia a importância  dos registros  das lutas populares sob a ótica de quem vive o movimento por dentro. Victória Ferraro Lima Silva , filha do fotógrafo,  proprietária e integrante  do grupo gestor do acervo do pai  relata.

“A fotografia para o meu pai não era apenas uma arte, era uma forma de contribuir para a mudança de sociedade. A necessidade de preservar o momento, de contar uma história a partir da imagem, de registrar um fato, estava presente em todas as suas falas sobre o que era importante na fotografia, mas a história que ele contou, os momentos que preservou, os fatos que registrou, fazem parte de uma luta muito maior que a fotografia. O que movia meu pai era a luta política e a convicção da necessidade, mais que urgente, de transformar a sociedade. A partir disso, ele viu na fotografia uma maneira de contribuir com essa transformação, e hoje temos um grande acervo onde está presente uma parte da historia da luta dos trabalhadores, dos povos ribeirinhos, dos indígenas, das mulheres, dos povos explorados e oprimidos, uma historia que dificilmente vemos estampada nas capas de grandes jornais, uma historia que deve ser preservada.”

Falar, lembrar de João Zinclar é falar do povo, da classe operária das suas lutas e anseios.

Sônia Fardin reconhece o grande patrimônio do legado do fotógrafo.  “O acervo João Zinclar guarda indagações políticas e estéticas sobre inquietações , conflitos e estratégias de lutas. Trata-se de um dos mais importantes acervos da história brasileira recente. Não apenas pela quantidade e qualidade de imagens, nem somente pelo período histórico, mas principalmente por ter como agente produtor um olhar forjado ao longo de anos em estudos e leituras. No peso da rotina operária, nos improvisos da vida de andarilho, no trabalho artesanal, nos embates da luta sindical, na formação foto-cineclubista, na luta política de esquerda e na troca de olhares vivida em metrópoles e vilarejos. Realidades registradas pela ótica de quem recusou-se a ser mera extensão de máquinas, tanto na fábrica como na mídia, e escolheu não se acomodar na camada confortável da obviedade – da vida, da política e da produção fotográfica.”

Gente e cotidiano,  é título dado por Zinclar a uma série realizada entre 2005 e 2006, durante a pesquisa para a produção do livro O Rio São Francisco e as águas no Sertão, publicado em 2010.  A exposição virtual traz mais de 90 imagens  que compõe uma  série inédita de um dos mais dedicados documentaristas visuais da vida e das lutas do povo nordestino. O acervo  de João Zinclar pode ser visitado no endereço:  https://ajz.campinas.br.

 

Grupo Gestor do Acervo João Zinclar

O Acervo João Zinclar, datado de 1994 a 2013, é resultado da atuação do fotógrafo João Zinclar, que foi militante nos campos do sindicalismo, cultura popular, direitos humanos e das lutas por moradia, terra e democratização da comunicação.

Composto de 53.849 negativos flexíveis, cerca de 180 mil imagens digitais, além de dezenas de publicações impressas, este acervo é um dos maiores legados da história recente dos movimentos sociais latino-americanos.

Também organiza cursos, debates, exposições e outras atividades militantes nas áreas do audiovisual e da história dos movimentos sociais por direito à comunicação, terra, trabalho e moradia. O Acervo João Zinclar é uma iniciativa popular sem fins lucrativos que preserva e divulga a trajetória e o trabalho do militante João Zinclar, reconhecido como o “fotógrafo das lutas sociais”.Integram a coordenação o Grupo Gestor do Acervo João Zinclar: Victória Ferraro Lima Silva (detentora do acervo), Sônia Aparecida Fardin (historiadora e curadora), Batata (agente cultural), Augusto Buonicore (historiador), Orestes Augusto Toledo (historiador), Carlos Tavares (fotógrafo e cinegrafista) e Danilo Ciacco Nunes (administrador).

Nesse percurso, os conjuntos de documentos foram inicialmente depositados no Museu da Imagem e do Som de Campinas e passaram por um processo de identificação de suportes, inventário, higienização e parcial digitalização dos negativos.  O Grupo Gestor do Acervo, neste cinco anos, vem realizando ações de difusão, com destaque para o site www.ajz.campinas.br, que é uma  ferramenta de difusão do acervo com destaque para as exposições temáticas virtuais. Este ano já foram realizadas: O Rio São Francisco e as águas no Setor; Mulheres em Luta: Imagens da classe trabalhadora em Luta, e a última Gente e Cotidiano.

Também provomendo debates e diálogos com diversos segmentos dos movimentos sociais com os quais João Zinclar atuou.

O objetivo desses diálogos é formatar um modelo de gestão do Acervo João Zinclar que tenha a garantia da presença ativa de três pilares da memória com os quais a ação militante de João interagiu: o Arquivo Edgar Lourenhot, como representante da academia, o Museu da Imagem e do Som, como representante da esfera pública de cultura e a Casa de Cultura Tainã, como sujeito político dos movimentos sociais de cultura e memória.

 

 

Colaboração

Sônia Fardin

Victória Ferraro Lima Silva

www.ajz.campinas.br

 

 

 

América Latina e Mundo

Chilenos enterram a Constituição de Pinochet e começam um inédito (e incerto) processo Constituinte

Carta Magna produzida em 1980 era a base do modelo neoliberal chileno, que destruiu a Saúde, a Educação e a Previdência públicas

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Estátua equestre do general Manuel Baquedano, que liderou expedições contra os indígenas do sul, pintada de vermelho - Bárbara Carvajal (@barvajal)

A data 25 de outubro ficará marcada para sempre na história do Chile. Em 2019, foi o dia em que mais de 1,2 milhão de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais digno. Um ano depois dessa manifestação, a maior do país, no dia 25 de outubro de 2020 os chilenos decidiram enterrar o último legado da ditadura de Augusto Pinochet: a Constituição de 1980.

Por Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

No domingo, milhões de chilenos votaram em um plebiscito sobre escrever ou não uma nova Carta Magna, uma medida que nasceu como uma saída política à crise social iniciada em 2019. O resultado foi avassalador: 78,27% da população aprovou a iniciativa, contra 21,73% que a rejeitou.

Além disso, 78,99% dos votantes disse que quer que a nova Constituição seja redigida por uma Convenção Constituinte formada por 155 membros eleitos pela sociedade; versus um 21,01% que expressou que preferia uma Convenção Mista, formada por 172 membros, a metade deles legisladores e o restante constituintes. 

A comemoração durou horas. Em Santiago, milhares de pessoas foram a pé, de carro e de bicicleta em caravana até a avenida principal da capital e à praça central (antes conhecida como Praça Itália e agora, pelas manifestações, chamada popularmente de “Praça Dignidade”). Bandeiras do Chile e cartazes com as palavras “adeus, general” (em referência ao Pinochet) eram vistos em várias ruas.

Nova Constituição: chance de o Chile renascer - @delight_lab_oficial
Nova Constituição: chance de o Chile renascer – @delight_lab_oficial

A sensação era de um êxtase coletivo. “Ainda não consigo acreditar no que está acontecendo… Mais do que isso, é impossível dimensionar tudo que conseguimos”, me disse uma manifestante. Em um dos edifícios emblemáticos de Santiago, foi possível ler uma grande projeção com a palavra “Renasce”.  

“Para mim, é o começo de uma nova era”, comentou um jovem que estava comemorando os resultados do plebiscito.

Ele tem razão. Apesar de que a Carta Magna “do Pinochet” —escrita pelo advogado constitucionalista e ideólogo da direita chilena Jaime Guzmán, sofreu alterações durante a democracia, manteve vários dos seus aspectos principais. Ela continuou sendo a base do modelo neoliberal chileno que se adentrou na saúde, educação e sistema de aposentadoria, e também impedia grandes reformas estruturais pela exigência de um quórum de dois terços ou três quintos que, na prática, sempre foi muito difícil de ser alcançado.  

O novo ciclo

A decisão de escrever uma nova Carta Magna encerra um ciclo doloroso para milhares de pessoas que foram vítimas da ditadura do Pinochet, uma das mais sangrentas na América Latina, e também para tantas outras que até agora vivem em um país desigual devido, em grande parte, às disposições da atual legislação. O ciclo que começa agora é cheio de esperanças, mas também repleto de desafios.

O presidente Sebastián Piñera, quem em nenhum momento do processo deixou claro qual era o seu voto, disse domingo de noite que o plebiscito “não é o fim, é o começo de um caminho que juntos deveremos percorrer para escrever uma nova Constituição para o Chile. Até agora, a Constituição nos dividiu. A partir de hoje todos devemos colaborar para que a nova Constituição seja o grande marco de unidade, de estabilidade e de futuro do país”.

Ainda são poucas as definições que já foram tomadas sobre como será a assembleia constituinte. Sabemos que, em abril de 2021, os chilenos voltarão às urnas para escolher os 155 cidadãos que serão parte do processo. Sabemos que ela estará formada de forma paritária por homens e mulheres (algo inédito no país). Mas ainda falta uma série de decisões, como se poderão participar do processo pessoas que não estejam associadas a partidos políticos e se o órgão terá assentos reservados para os povos originários.

A assembleia contará com até 12 meses para redigir uma nova Carta Magna, cujas normas deverão ser aprovadas por dois terços dos integrantes. Esta será submetida a outro plebiscito, cuja participação será obrigatória.

Esse ponto é o que desperta mais dúvidas na sociedade. É que o plebiscito do domingo passado foi de caráter voluntário, e acudiram às urnas um total de 7,5 milhões de chilenos dos mais de 14 milhões habilitados para votar. Apesar de ter sido a participação mais alta da sociedade desde 2012, quanto o sufrágio começou a ser optativo no país, a votação do dia 25 de outubro não deixa claro qual será o resultado final se as 6,5 milhões de pessoas que não participaram no domingo votarem em 2022.

Mas, como dizem por aqui, isso é uma decisão para o Chile do futuro. O Chile do presente quer comemorar. E tem motivos de sobra para isso.

O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes - Bárbara Carvajal (@barvajal)
O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes – Bárbara Carvajal (@barvajal)

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Chile

Chilenos se preparam para um plebiscito histórico sobre manter ou dar adeus à “Constituição do Pinochet”

Chilenos estão ansiosos para o plebiscito, adiado desde abril por conta da pandemia

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Era uma demanda colocada por alguns setores da sociedade chilena há anos, mas foram os protestos de 2019 os que voltaram exigir a derrubada da Constituição de 1981, imposta pela ditadura militar de Augusto Pinochet. Agora, no domingo 25 de outubro, mais de 14 milhões de chilenos acudirão às urnas em um plebiscito histórico que decidirá se o país “aceita” (aprueba) ou “rejeita” (rechaza) uma nova Carta Magna. A votação foi pensada como um caminho político para aplacar a crise social que o Chile enfrenta.

Por: Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

Os ânimos estão à flor da pele. Nos muros, nas redes sociais, na mídia praticamente não se fala de outra coisa. Não é para menos, já que o plebiscito, inicialmente marcado para o dia 26 de abril, foi atrasado pelo governo devido à pandemia. Além disso, acontecerá somente uma semana depois do primeiro aniversário do chamado “estallido social”, iniciado em 18 de outubro de 2019, quando milhões de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais igualitário. Mas a sociedade chilena -como tantas outras na América Latina e no mundo- está profundamente polarizada e, apesar de as pesquisas dizerem que a maioria votará pelo “aceita”, nada está definido.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Por um lado, o “apruebo” reúne intenções diversas, que vão desde exigir uma mudança no modelo neoliberal chileno até entregar mais direitos às mulheres, aos índios e às diversidades sexuais.

Alejandra Saez, uma trabalhadora independente, me disse que vai aprovar porque “se necessita uma mudança imediata, apesar de que o resultado chegue com o tempo, tomar a decisão de transformar o sistema já é um grande avanço”. “Quero que as novas regras validem o bem-estar das pessoas e não os cofres dos outros. Que não nos sintamos atacados pelo sistema”, afirmou.

Já o bioquímico Francisco Pereira me explicou que votará “apruebo” porque considera que é necessária uma “mudança drástica na atual Constituição, já que apesar de que outorga direito a serviços básicos, em nenhum momento garante o acesso a esses serviços, deixando muitos recursos principalmente nas mãos do mundo privado. Além disso, foi escrita para um contexto de desenvolvimento de país determinado muito diferente do atual, e é bastante rígida, o que dificulta que ela seja adaptada às atuais necessidades do Chile”.

Nas campanhas eleitorais, também é possível ver que muitos dos que pedem uma nova Constituição querem reformar as instituições encarregadas da segurança pública, já que, em 2019, pelo menos 30 pessoas morreram, milhares ficaram feridas e o Chile foi cenário de graves violações aos direitos humanos no marco dos protestos sociais, segundo Human Rights Watch, a ONU, entre outros. De acordo com o Instituto Nacional de Direitos Humanos, 460 pessoas sofreram lesões oculares durante as manifestações devido ao uso excessivo da força policial. Delas, pelo menos duas ficaram completamente cegas.

Por outro lado, Natalia C. (que pediu não ser identificada) aposta pelo “rechazo” porque considera que “não há necessidade de escrever uma nova Constituição inteira para realizar as reformas que o país precisa”. Nas redes sociais, as pessoas que chamam a votar por essa alternativa também dizem temer que o Chile se transforme em um país “caótico” e/ou “esquerdista”.

Além disso, muitos sinalizam que votar “apruebo” seria dar um aval à destruição de patrimônio que ocorreu no marco das mobilizações sociais. É que o metrô de Santiago, várias igrejas, ruas e estátuas foram parcialmente destruídos e/ou incendiados desde outubro de 2019, mas não há informação detalhada disponível sobre quem foram os responsáveis de cada um desses atos.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Muitos ainda estão indecisos. O microempresário Javier Baltra comentou que achava melhor votar nulo porque “ambas as opções estão cheias de problemas. Aprovar pode ser sinônimo de um Estado maior, e eu acho isso problemático para a economia. E rejeitar é deixar tudo como está até agora e não sei se isso é uma boa ideia”.

Além de escolher entre as opções “apruebo” ou “rechazo” uma nova Constituição, os chilenos devem votar se desejam que a eventual Carta Magna seja escrita por uma Convenção Constitucional formada por 155 constituintes eleitos ou por uma Convenção Mista de 172 membros (metade legisladores e metade cidadãos eleitos).


A LEI ATUAL


Qualquer pessoa que não conheça a história do Chile provavelmente se surpreenderá ao saber que um país como este tenha ainda uma Constituição que foi escrita na época da ditadura militar. “Nossa, mas é um país tão desenvolvido”; “como assim?”; “sério?” foram alguns dos comentários que recebi de amigos brasileiros quando contei sobre o que está acontecendo agora.


A Constituição atual foi aprovada em um questionado plebiscito realizado no dia 11 de setembro de 1980, em plena ditadura do Pinochet, quando milhões de chilenos viviam sob o medo da repressão, sem registros eleitorais e com os partidos políticos dissolvidos.
O texto foi escrito pelo advogado constitucionalista Jaime Guzmán, um dos maiores ideólogos da direita chilena, e que foi assassinado por um comando de ultraesquerda em 1991.

Ele foi escolhido por uma comissão designada pela ditadura. Posteriormente, a redação contou com a revisão e o apoio do Conselho de Estado e a Junta Militar, composta pelos máximos chefes do Exército e o diretor da polícia, que exercia como “poder legislativo”. Guzmán criou uma série de regras muito difíceis de alterar para perpetuar seu modelo econômico e político.

Como ele mesmo disse quando escrevia a Constituição, sua ideia era que, se os adversários chegassem a governar, eles se veriam “obrigados a seguir uma ação não tão distinta ao que alguém como nós gostaria (…) que a margem seja suficientemente reduzida para fazer extremamente difícil o contrário”.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Para realizar reformas à Carta Magna, Guzmán detalhou que é necessário alcançar um quórum de dois terços ou três quintos, segundo o caso, algo que, na prática, tem sido praticamente impossível de conseguir, porque nem o oficialismo nem a oposição conta com essa quantidade de votos.

Essa Constituição também instaurou um modelo econômico, político e social neoliberal, que se adentrou na educação e na saúde privada e um sistema de aposentadoria conhecido como AFP baseado na poupança individual e que no ano passado entregou aposentadorias pelo valor de 110.000 pesos chilenos (uns US$ 140). Esse sistema, hoje sumamente questionado pela população chilena, foi elogiado pelo Ministro de Economia do Brasil, Paulo Guedes, em várias ocasiões.

Se bem que o texto legal não estabeleça especificamente que a saúde, a educação ou o sistema de aposentadoria devam ser privados, na prática, sim, impõe princípios que limitam a ação do Estado e promove a atividade privada nesses setores. Por exemplo: não existe no Chile nenhuma universidade que seja gratuita.

Segundo analistas, a Constituição atual também é hierárquica e desconecta a cidadania do poder político, porque não inclui muitos mecanismos de participação.

Ao longo da sua história, sofreu duas modificações: a primeira, em 1989, ano do fim da ditadura, quando foi derrogado um artigo que declarava “ilícitos” a grupos que realizassem “violência ou uma concepção da sociedade do Estado ou da ordem jurídica de caráter totalitário ou fundada na luta de classes”. Outra, em 2005, quando depois de um grande acordo político o presidente socialista Ricardo Lagos conseguiu alterar outros aspectos, como que os comandantes em chefe das Forças Armadas passassem a estar subordinados ao poder civil, e a eliminação de senadores designados e vitalícios. Isto permitiu que em 2006 (há 14 anos!) o Senado fosse totalmente conformado por membros de eleição popular.

Agora, se a opção “apruebo” ganhar o plebiscito, o texto não só será modificado: a sociedade poderá dar adeus à chamada “Constituição do Pinochet”. Sem dúvidas, uma decisão histórica.

Veja também: Chileno preso no RIR: desembargador reconhece ilegalidade da prisão

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Bolívia

Veja a tradução da declaração de Evo Morales

Declaração de Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, dada em 18 de outubro, dia da eleição presidencial após o golpe.

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DECLARAÇÃO DE IMPRENSA DO EX-PRESIDENTE EVO MORALES
Buenos Aires, 18 de outubro de 2020

  1. Desde a cidade de Buenos Aires, neste dia histórico, domingo, acompanho nosso povo em seu compromisso com a pátria, com nossa democracia e com o futuro de nossa amada Bolívia, de exercer seu direito ao voto em meio aos acontecimentos em nosso País.
  2. Saúdo o espírito democrático e pacífico com que se desenvolve a votação.
  3. Diante de tantos rumores sobre o que vou fazer, venho declarar que a prioridade é exclusivamente a recuperação da democracia.
  4. Quero pedir a vocês que não caiam em nenhum tipo de provocação. A grande lição que nunca devemos esquecer é que violência só gera violência e que com ela todos perdemos.
  5. Por este motivo, conclamo as Forças Armadas e a Polícia a cumprirem fielmente o seu importante papel constitucional.
  6. Diante da decisão do Tribunal Supremo Eleitoral de suspender o sistema DIREPRE (Divulgação de Resultados Preliminares) para ir diretamente para a apuração oficial, informo que, felizmente, o MAS possui seu próprio sistema de controle eleitoral e que nossos delegados em cada mesa irão monitorar e registrar cada ato eleitoral.
  7. O povo também nos acompanhará nesta tarefa de compromisso com a democracia, como o fez tantas vezes, situação pela qual somos gratos.
  8. É muito importante que todas e todos os bolivianos e partidos políticos esperemos com calma para que cada um dos votos, tanto das cidades como das zonas rurais, seja levado em conta e que o resultado das eleições seja respeitado por todos.
  9. Neste domingo, no campo, nas cidades, no altiplano, nos vales, nas planícies, na Amazônia e no Chaco; em cada canto de nossa amada Bolívia e de diversos países estrangeiros, cada família e cada pessoa participará com alegria e tranquilidade na recuperação da democracia.
  10. É no futuro que todos os bolivianos, inclusive eu, nos dedicaremos à tarefa principal de consolidar a democracia, a paz e a reconstrução econômica na Bolívia.
    Viva a Bolívia!
    Evo Morales

Tradução: Ricardo Gozzi /Jornalistas Livres

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