Haddad e os desígnios insondáveis da acusação

Foto: Ricardo Stuckert

por Marco Aurélio de Carvalho *

A verdade é sempre provisória. Assim caminham a ciência e o conhecimento. Valores éticos, sociais ou individuais desempenham papel importante na apuração dos fatos. Para afastar os valores, o ideal da imparcialidade requer vigilância constante. Até porque a isenção exige, à luz da realidade, a capacidade de examinar as evidências com a incorporação de todos os valores e de todos os interesses em disputa.

Será tal exercício possível? A indagação é procedente na ciência, na apuração dos fatos jornalísticos e no terreno —hoje minado e controvertido— dos “veredictos” do Judiciário e dos órgãos auxiliares da Justiça.
O avanço do ativismo judicial, amplamente denunciado por expressivos nomes do direito, com merecido destaque para Pedro Serrano, Lenio Streck, Leonardo Isaac e Rubens Casara, mostrou mais uma vez sua face perigosa nos últimos dias.

Na sequência do noticiário informando que o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad poderia ser o candidato do ex-presidente Lula no pleito de outubro, o MP paulista passou a acusar Haddad de ter recebido pagamento para quitar dívidas de campanha –contra, inclusive, a robusta prova de inocência produzida nos próprios autos.

Denúncia dirigida a interesses inconfessáveis e circunstanciais, cujo destino esperado é o arquivamento por “falta de justa causa”, inépcia ou por excesso de criatividade e ausência de fundamentação jurídica.
Como escreveu o jornalista Alberto Dines (1932-2018), “a socialização do denuncismo não é prova de isenção, é a sua caricatura”. Os vícios de apuração da Promotoria raramente são captados de imediato.

Os equívocos podem perdurar anos,

arrastando personalidades para o limbo político,

com prejuízos pessoais e eleitorais irreparáveis.

Uma vez que as acusações são levadas ao conhecimento da sociedade, os efeitos do tribunal midiático são implacáveis. Para a imprensa, é natural que a autoridade constituída dispense a presença vigorosa do contraditório. Assim, ao emprestar credibilidade para a versão das autoridades, o outro lado é contemplado de forma burocrática e formal. Ao atingir com velocidade uma ampla audiência, a acusação adquire notável peso simbólico.

A enorme responsabilidade de promotores diante do fato de que sua atuação desequilibra o jogo político deve merecer amplo debate, já que a premissa da imparcialidade esbarra no muro tênue das paixões, dos interesses, da coloração ideológica e da motivação política.

Oculta sobre a blindagem do aparato da carreira de Estado —encorajada pela admiração da mídia e estimulada pela plateia ávida por “justiçamentos”—, a ação “moralizadora” de agentes de Estado segue colocando em risco a própria democracia. Para quem a compreende como valor absoluto, a pergunta persiste como desafio: de que modo administrar as preferências e valores individuais e como fazer a boa gestão das prerrogativas sem influenciar o jogo político?

Imiscuir-se, sem transparência, nas preferências eleitorais pode revelar sinal de força no presente. Infelizmente, entretanto, o enfraquecimento dos pilares constitucionais das instituições será o legado para o futuro.

*  Marco Aurélio de Carvalho é advogado, especialista em direito público e ex-coordenador jurídico do PT (2011-2017)

 

Notas

1 Essa matéria recebeu o selo 039-2018 do Observatório do Judiciário.

2 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:
https://jornalistaslivres.org/categoria/observatorio-do-judiciario.

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