O advogado Ariel de Castro Alves, concedeu uma entrevista exclusiva aos Jornalistas Livres sobre o caso do assassinato do menino Ítalo, de apenas 10 anos, pela PM no começo da noite de 2 de junho no bairro do Morumbi, em São Paulo. Ele é integrante do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (CONDEPE), órgão do governo de São Paulo, indicado na quota destinada à representação da sociedade e tem acompanhado a família de Ítalo, e seu amigo de apenas 11 anos, que também participou do furto de um carro antes da execução.
Na entrevista, o advogado desmonta a versão da PM de que Ítalo estaria armado e teria atirado contra as PMs. Ele mostra como foi montada a cena do crime para construir uma história fantasiosa que chega ao macabro nonsense de imaginar que Ítalo teria atirado nos policiais e, depois de morto, recolocado suas luvas.
O advogado, que tem sido seguidamente ameaçado, critica a operação de acobertamento do crime encetada pelo secretário de Segurança de São Paulo, Mágino Barbosa Filho, e pelo governador Geraldo Alckmin e desvenda, ainda que brevemente, a trágica história de Ítalo e sua família e seu pedido de socorro:
“Quando ele nasceu, o pai estava preso e a mãe foi presa logo a seguir. Sabe como ele sobreviveu? As moradoras da favela do Piolho que tinham bebê revezavam-se para amamentar Ítalo. Ele era uma criança filha de uma família em crise profunda, criada na rua, que pediu socorro dezenas de vezes e não foi ouvido.(…)Todos os órgãos da infância e da juventude falharam ao não acolher esta criança que gritava por socorro.”
Leia a seguir a íntegra da entrevista a Mauro Lopes, dos Jornalistas Livres
P. A descrição que a PM faz do assassinato de Ítalo é crível? Ele teria mesmo atirado nos policiais?
R. Não é possível acreditar que uma criança de 10 anos tenha condições de dirigir um carro, portar arma e, com o veículo em movimento, atirar na polícia.
R. Nenhuma. A perícia constatou que só houve disparo de fora para dentro do carro, ou seja, que só houve disparos do policial.
R. Essa história é insustentável. Como ele podia ter resíduos de pólvora nas duas mãos se usava luvas? Ele teria tirado as luvas, disparado contra os policiais e depois de morto colocado as luvas novamente? Não é verossímil. Além disso, essa versão indica uma situação absurda: se os resíduos de pólvora nas duas mãos fossem indicativos do que de fato aconteceu, consideraríamos aceitável que uma criança de 10 anos estaria dirigindo o carro, portanto, em movimento e ao mesmo tempo aberto o vidro, tirado ambas as mãos do volante, arrancado as luvas, disparado contra os policiais e fechado o vidro. Tudo isso enquanto dirigia! Não tem sentido algum. Ainda mais: está patente que os vidros do carro permaneceram fechados todo o tempo.
R. Antes disso, uma questão importante: o caso aconteceu às 19h. Os policiais demoraram 5 horas para comparecer à delegacia e fazer o registro. Eles mexeram e remexeram em toda a cena do crime, sendo que era evidente que Ítalo estava morto. Seu amigo estava no banco de trás. Porque mexeriam na área dos bancos dianteiros? Quanto à arma, será preciso esperar as investigações. Mas é conhecido o fato de que policiais comumente colocam armas nas mãos de pessoas assassinadas por eles e chegam a simular tiros comprimindo mãos dos mortos nas armas. Há diversos policiais já condenados por isso. Ao mesmo tempo, em toda a história de Ítalo não existe registro de que ele tivesse usado armas em qualquer dos furtos que cometeu.
R. Esse foi no DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa) e começou depois da meia-noite (a morte de Ítalo e a prisão de seu amigo foram perto de 19h do dia 2 de junho, quinta-feira). O ambiente ainda era de enorme tensão e os PMs estavam na delegacia. Havia pressão sobre o menino. Ele estava visivelmente machucado no rosto. No depoimento, disse que foi por causa da batida do carro, mas no segundo depoimento deixou claro que fora lançado ao chão e agredido pelos PMs. Ele confirmou a história dos disparos feitos por Ítalo, manteve a versão do vídeo.
R. Eu estava presente. O menino ainda manteve a versão dos tiros, mas há dois elementos relevantes nessa segunda versão. Ele revelou pela primeira vez a agressão e ameaça de morte pelos policiais e trouxe essa farto crucial que desmoraliza a história dos tiros dados por Ítalo: o menino assassinado estava com luvas nas duas mãos.
R. Sim. Foi uma oitiva informal pela Corregedoria, que está em segredo de Justiça. Foi informal mas está gravado. Eu não estava presente, mas a mãe do garoto estava e ela disse-me que ficou o tempo todo na sala. Ele contou que não tinha arma nenhuma e que só contou a versão da arma e dos tiros porque os policiais o ameaçaram. Uma criança de 11 anos! Ele disse claramente que não houve confronto algum. Eles furtaram o carro, Ítalo dirigiu, foram perseguidos e nunca houve arma ou tiro de Ítalo.
R. São evidentes os indícios de que a PM executou uma criança de 10 anos.
R. Porque o caso foi colocado em segredo de Justiça.
R. É péssimo. O segredo de Justiça em geral concorre para a impunidade. Porque segredo de Justiça? Não é para proteger o menino ou as famílias. Com o segredo, tudo fica nebuloso.
R. As declarações tanto do governador como do secretário de Segurança (Mágino Barbosa Filho) manifestam nas entrelinhas apoio à ação dos policiais antes de qualquer investigação. Na verdade, nem é tão nas entrelinhas assim. O governador diz que Ítalo estava armado. E o secretário de Segurança que a ação foi “legítima”. Tudo insinua uma ação para acobertar o crime. Tenho receio do direcionamento das investigações depois das declarações das duas mais altas autoridades do Estado em segurança.
R. Sim. Tenho sido ameaçado pelo que chamo de “guerrilha virtual”. Agora diminuiu, porque fiquei uns dias sem falar com a imprensa. Mas nos primeiros dias foi uma avalanche de comentários em minhas postagens no Facebook, mensagens inbox e emails. Mas isso não me fará parar, eles tentam mas não intimidam.
R. O que as pessoas esperam? Quando ele nasceu, o pai estava preso e a mãe foi presa logo a seguir. Sabe como ele sobreviveu? As moradoras da favela do Piolho que tinham bebê revezavam-se para amamentar Ítalo. Ele era uma criança filha de uma família em crise profunda, criada na rua, que pediu socorro dezenas de vezes e não foi ouvido. Essa criança passou por 20 vezes em Conselhos Tutelares. Os conselhos falharam, os abrigos, os serviços de abordagem social da Prefeitura, a Vara e a Promotoria da Infância e da Juventude… Todos os órgãos da infância e da juventude falharam ao não acolher esta criança que gritava por socorro.
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