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EUA, BRICS e América Latina – Tudo conectado

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Em artigo publicado recentemente no jornal Monitor Mercantil, o analista geopolítico Fábio Reis Vianna mostra como a crescente militarização e convulsão na América Latina faz parte dos planos de Washington para minar a influência de China e Rússia na região e controlar as velhas e novas fontes de petróleo, gás e outros produtos minerais. Vale a pena ler:

Eleições argentinas, enquadramento da América do Sul e os Brics


Por Fábio Reis Vianna

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No último dia 29 de outubro, o Ciclo de Seminários de Análise da Conjuntura Mundial, organizado pelos professores Monica Bruckmann e Franklin Trein, recebeu no Salão Nobre do IFCS-UFRJ, no Rio de Janeiro, a ilustre presença do ex-vice-presidente do Banco de Desenvolvimento dos Brics, o professor Paulo Nogueira Batista Jr.

Em meio ao peculiar momento de convulsões sociais que se espalham pelo mundo, discutiu-se a Nova Rota da Seda, grande projeto chinês de integração geoeconômica da Eurásia por vastas redes de estradas, trens de alta velocidade, gasodutos, cabos de fibra ótica e portos, e que beneficiará milhões de pessoas (incluindo a Europa Ocidental, e incidentalmente, o continente africano e a própria América Latina).

Para isso, três instituições criadas na órbita deste projeto cumpririam papel fundamental: o Silk Road Fund, o AIIB (Banco de Investimento e Infraestrutura da Ásia) e o NBD (Banco de Desenvolvimento dos Brics).

 

Para EUA, era preciso separar o Brasil de Rússia e China a qualquer custo

 

Sendo o Estado brasileiro acionista e fundador do NBD, muitos projetos de financiamento oriundos desta instituição global já poderiam ter sido aprovados e seriam muito bem-vindos à cambaleante economia brasileira.

Porém, não obstante nos últimos anos, especificamente de 2003 a junho de 2018, empresas chinesas terem investido quase US$ 54 bilhões em mais de 100 projetos, segundo dados do próprio governo brasileiro, a partir de 2017, os investimentos caíram vertiginosamente.

Segundo estudo do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), os investimentos chineses no Brasil somaram US$ 8,8 bilhões em 2017 e não mais que US$ 3 bilhões em 2018. Uma queda de 66%. O aprofundamento do enquadramento brasileiro à órbita imperial norte-americana diz muito sobre isso.

Com a institucionalização da Nova Estratégia de Defesa dos Estados Unidos, promulgada em 18 de dezembro de 2017, oficializou-se o que na prática já vinha ocorrendo desde meados de 2012, com a aceleração da disputa interestatal e a escalada da competição mundial: o reposicionamento norte-americano no xadrez geopolítico mundial de maneira cada vez mais agressiva e unilateral.

Deixando de lado a retórica multilateralista promovida ao longo do século passado, os norte-americanos, diante do fortalecimento das potências “revisionistas” Rússia e China – questionadoras da centralidade americana no uso das regras e instituições criadas e geridas de maneira unilateral durante todo o século XX – agora procuram impor sua vontade, sem concessões, aos países do chamado Hemisfério Ocidental.

Região ao qual os Estados Unidos se atribuem, por direito, o pleno exercício da soberania, por considerarem sua zona de influência direta, inadmitindo assim, qualquer contestação à sua supremacia, nem mesmo qualquer aliança estratégica de países que possa criar um polo alternativo de poder; muito menos no Cone Sul do continente.

Sendo assim, a postura de total alinhamento do atual governo brasileiro aos interesses da administração Trump, em muito diz respeito a este enquadramento do Hemisfério Ocidental à estratégia de contenção do expansionismo dos atores eurasiáticos.

Se o aprofundamento do projeto eurasiático e da parceria estratégica sino-russa – dentro da teoria do controle do heartlandde Mackinder – já seria inadmissível por si só, então a participação de um grande país do Hemisfério Ocidental como protagonista de uma instituição contestadora de antigas normas estabelecidas e reguladas pelo hegemon já seria demais: era preciso separar o Brasil de Rússia e China custe o que custar, mesmo que para isso o país tenha que arcar com o preço de ver suas instituições destruídas e envolvido no labirinto de um quase fechamento militar de regime.

Os últimos meses têm sido de muita agitação em várias e diversas partes do mundo; em particular na América do Sul. Mesmo que por motivos não exatamente similares, principalmente nos casos específicos de Peru e Bolívia, os protestos populares ocorridos no Equador e no Chile teriam em comum as características de uma reação, quase natural, de autoproteção destas sociedades às políticas restritivas neoliberais.

Como se fora uma velha ironia da história, bem no momento em que vivemos o esgarçamento da competição interestatal, surge uma correia de transmissão espalhando por vários países, tão distantes quanto díspares entre si, a fagulha dos protestos sociais.

Curiosamente, essa potente e perigosa combinação entre insatisfação social e acirramento de conflitos entre países, em outras épocas da história acabaria por configurar-se naquele período de transição entre os ciclos finais e de reconfiguração do grande tabuleiro do sistema mundial.

Diante disso, é importante ressaltar o risco de uma característica em comum que vem aos poucos se delineando em alguns países da América do Sul: a militarização.

Com o acirramento dos conflitos globais, o enquadramento da América do Sul à estratégia norte-americana de contenção dos adversários eurasiáticos e diante das agitações populares à deterioração dos padrões de vida, surge a lamentável opção pela imposição da ordem nua e crua, trazendo de volta ao cenário politico desses países a presença dos militares como garantidores da estabilidade institucional.

Caminha-se na região para um cenário em que governos eleitos, enfrentando a crescente agitação interna, passariam a depender dos militares para sobreviver. Os recentes acontecimentos no Peru, Equador e Chile não deixam mentir. Fora o fato de que o Brasil já vive sob a sombra de uma velada tutela militar às suas instituições.

O ponto fora da curva desta história é a Argentina e a impressionante vitória eleitoral da oposição peronista (num momento em que o uso de ferramentas de desestabilização tem sido frequentes para interferir em resultados eleitorais, como no caso da propagação em massa de fake news via Whatsapp em favor de Jair Bolsonaro no Brasil).

Contra todas as tendências, em uma região acossada pela interferência cada vez mais agressiva dos Estados Unidos – vide a atual tentativa de deslegitimar e desestabilizar a recente eleição de Evo Morales por meio da já manjada e forjada “Revolução Colorida”, que se aprofunda na Bolívia – a Argentina caminha para a retomada de um projeto de nação autônomo e soberano.

Diante da bem-sucedida, por hora, destruição da aliança estratégica Brasil-Argentina, que vinha se fortalecendo desde a redemocratização das duas nações em meados dos anos 80, caberá àquele país o complexo desafio de buscar expandir sua inserção internacional sem o seu antigo parceiro de Mercosul.

Algo interessante dito pelo professor Paulo Nogueira Batista Jr., no Ciclo de Seminários de Análise da Conjuntura Mundial, diz respeito à atual postura chinesa diante da agressividade e truculência da administração Trump: paradoxalmente, tal agressividade estaria contendo o ímpeto expansionista chinês dos últimos anos na América do Sul, o que, segundo o professor, poderia abrir ótimas oportunidades para os países da região barganharem acordos mais favoráveis aos chineses.

Com o engessamento do Brasil e o seu alinhamento cego à Nova Estratégia de Defesa dos Estados Unidos, abre-se à Argentina a oportunidade não só de barganhar acordos comerciais favoráveis, mas ocupar o espaço deixado vago pelo Brasil no projeto de integração eurasiático.

Como bem disse o professor Paulo Nogueira Batista Jr., os Brics e em especial o seu banco de desenvolvimento (NBD) estariam caminhando para um processo de ampliação de seus participantes.

Na nova configuração geopolítica mundial, em que o acirramento da disputa global aumenta a necessidade das potências competidoras em garantir sua segurança energética, a América do Sul já é vista por muitos analistas como o novo centro de gravidade da produção mundial de petróleo, em substituição ao Oriente Médio.

A se confirmar esta tendência, não cabe outra alternativa a países baleia como Brasil e Argentina do que retomarem o projeto estratégico sul-americano sob risco de terminarem seus dias fragmentados e engolidos por interesses e disputas de potências externas à região.

Por hora, cabe a Argentina caminhar sozinha e por necessidade, ampliar os laços econômicos e geopolíticos com China e Rússia porque a tendência é o país tornar-se alvo das próximas campanhas de desestabilização, guerras de “quarta geração” e asfixia econômica desferidas sempre sorrateiramente pelo hegemon.

Fábio Reis Vianna

Escritor e analista geopolítico.

Leia o artigo original em: https://monitordigital.com.br/eleicoes-argentinas-enquadramento-da-america-do-sul-e-os-brics

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1 Comment

1 Comments

  1. Fabio Reis Vianna

    14/11/19 at 4:07

    Obrigado por publicarem meu artigo

    É uma honra e estou a disposição

    Grande abraço!

    Fabio Reis Vianna

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América Latina e Mundo

Chilenos enterram a Constituição de Pinochet e começam um inédito (e incerto) processo Constituinte

Carta Magna produzida em 1980 era a base do modelo neoliberal chileno, que destruiu a Saúde, a Educação e a Previdência públicas

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Estátua equestre do general Manuel Baquedano, que liderou expedições contra os indígenas do sul, pintada de vermelho - Bárbara Carvajal (@barvajal)

A data 25 de outubro ficará marcada para sempre na história do Chile. Em 2019, foi o dia em que mais de 1,2 milhão de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais digno. Um ano depois dessa manifestação, a maior do país, no dia 25 de outubro de 2020 os chilenos decidiram enterrar o último legado da ditadura de Augusto Pinochet: a Constituição de 1980.

Por Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

No domingo, milhões de chilenos votaram em um plebiscito sobre escrever ou não uma nova Carta Magna, uma medida que nasceu como uma saída política à crise social iniciada em 2019. O resultado foi avassalador: 78,27% da população aprovou a iniciativa, contra 21,73% que a rejeitou.

Além disso, 78,99% dos votantes disse que quer que a nova Constituição seja redigida por uma Convenção Constituinte formada por 155 membros eleitos pela sociedade; versus um 21,01% que expressou que preferia uma Convenção Mista, formada por 172 membros, a metade deles legisladores e o restante constituintes. 

A comemoração durou horas. Em Santiago, milhares de pessoas foram a pé, de carro e de bicicleta em caravana até a avenida principal da capital e à praça central (antes conhecida como Praça Itália e agora, pelas manifestações, chamada popularmente de “Praça Dignidade”). Bandeiras do Chile e cartazes com as palavras “adeus, general” (em referência ao Pinochet) eram vistos em várias ruas.

Nova Constituição: chance de o Chile renascer - @delight_lab_oficial
Nova Constituição: chance de o Chile renascer – @delight_lab_oficial

A sensação era de um êxtase coletivo. “Ainda não consigo acreditar no que está acontecendo… Mais do que isso, é impossível dimensionar tudo que conseguimos”, me disse uma manifestante. Em um dos edifícios emblemáticos de Santiago, foi possível ler uma grande projeção com a palavra “Renasce”.  

“Para mim, é o começo de uma nova era”, comentou um jovem que estava comemorando os resultados do plebiscito.

Ele tem razão. Apesar de que a Carta Magna “do Pinochet” —escrita pelo advogado constitucionalista e ideólogo da direita chilena Jaime Guzmán, sofreu alterações durante a democracia, manteve vários dos seus aspectos principais. Ela continuou sendo a base do modelo neoliberal chileno que se adentrou na saúde, educação e sistema de aposentadoria, e também impedia grandes reformas estruturais pela exigência de um quórum de dois terços ou três quintos que, na prática, sempre foi muito difícil de ser alcançado.  

O novo ciclo

A decisão de escrever uma nova Carta Magna encerra um ciclo doloroso para milhares de pessoas que foram vítimas da ditadura do Pinochet, uma das mais sangrentas na América Latina, e também para tantas outras que até agora vivem em um país desigual devido, em grande parte, às disposições da atual legislação. O ciclo que começa agora é cheio de esperanças, mas também repleto de desafios.

O presidente Sebastián Piñera, quem em nenhum momento do processo deixou claro qual era o seu voto, disse domingo de noite que o plebiscito “não é o fim, é o começo de um caminho que juntos deveremos percorrer para escrever uma nova Constituição para o Chile. Até agora, a Constituição nos dividiu. A partir de hoje todos devemos colaborar para que a nova Constituição seja o grande marco de unidade, de estabilidade e de futuro do país”.

Ainda são poucas as definições que já foram tomadas sobre como será a assembleia constituinte. Sabemos que, em abril de 2021, os chilenos voltarão às urnas para escolher os 155 cidadãos que serão parte do processo. Sabemos que ela estará formada de forma paritária por homens e mulheres (algo inédito no país). Mas ainda falta uma série de decisões, como se poderão participar do processo pessoas que não estejam associadas a partidos políticos e se o órgão terá assentos reservados para os povos originários.

A assembleia contará com até 12 meses para redigir uma nova Carta Magna, cujas normas deverão ser aprovadas por dois terços dos integrantes. Esta será submetida a outro plebiscito, cuja participação será obrigatória.

Esse ponto é o que desperta mais dúvidas na sociedade. É que o plebiscito do domingo passado foi de caráter voluntário, e acudiram às urnas um total de 7,5 milhões de chilenos dos mais de 14 milhões habilitados para votar. Apesar de ter sido a participação mais alta da sociedade desde 2012, quanto o sufrágio começou a ser optativo no país, a votação do dia 25 de outubro não deixa claro qual será o resultado final se as 6,5 milhões de pessoas que não participaram no domingo votarem em 2022.

Mas, como dizem por aqui, isso é uma decisão para o Chile do futuro. O Chile do presente quer comemorar. E tem motivos de sobra para isso.

O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes - Bárbara Carvajal (@barvajal)
O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes – Bárbara Carvajal (@barvajal)

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Chile

Chilenos se preparam para um plebiscito histórico sobre manter ou dar adeus à “Constituição do Pinochet”

Chilenos estão ansiosos para o plebiscito, adiado desde abril por conta da pandemia

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Era uma demanda colocada por alguns setores da sociedade chilena há anos, mas foram os protestos de 2019 os que voltaram exigir a derrubada da Constituição de 1981, imposta pela ditadura militar de Augusto Pinochet. Agora, no domingo 25 de outubro, mais de 14 milhões de chilenos acudirão às urnas em um plebiscito histórico que decidirá se o país “aceita” (aprueba) ou “rejeita” (rechaza) uma nova Carta Magna. A votação foi pensada como um caminho político para aplacar a crise social que o Chile enfrenta.

Por: Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

Os ânimos estão à flor da pele. Nos muros, nas redes sociais, na mídia praticamente não se fala de outra coisa. Não é para menos, já que o plebiscito, inicialmente marcado para o dia 26 de abril, foi atrasado pelo governo devido à pandemia. Além disso, acontecerá somente uma semana depois do primeiro aniversário do chamado “estallido social”, iniciado em 18 de outubro de 2019, quando milhões de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais igualitário. Mas a sociedade chilena -como tantas outras na América Latina e no mundo- está profundamente polarizada e, apesar de as pesquisas dizerem que a maioria votará pelo “aceita”, nada está definido.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Por um lado, o “apruebo” reúne intenções diversas, que vão desde exigir uma mudança no modelo neoliberal chileno até entregar mais direitos às mulheres, aos índios e às diversidades sexuais.

Alejandra Saez, uma trabalhadora independente, me disse que vai aprovar porque “se necessita uma mudança imediata, apesar de que o resultado chegue com o tempo, tomar a decisão de transformar o sistema já é um grande avanço”. “Quero que as novas regras validem o bem-estar das pessoas e não os cofres dos outros. Que não nos sintamos atacados pelo sistema”, afirmou.

Já o bioquímico Francisco Pereira me explicou que votará “apruebo” porque considera que é necessária uma “mudança drástica na atual Constituição, já que apesar de que outorga direito a serviços básicos, em nenhum momento garante o acesso a esses serviços, deixando muitos recursos principalmente nas mãos do mundo privado. Além disso, foi escrita para um contexto de desenvolvimento de país determinado muito diferente do atual, e é bastante rígida, o que dificulta que ela seja adaptada às atuais necessidades do Chile”.

Nas campanhas eleitorais, também é possível ver que muitos dos que pedem uma nova Constituição querem reformar as instituições encarregadas da segurança pública, já que, em 2019, pelo menos 30 pessoas morreram, milhares ficaram feridas e o Chile foi cenário de graves violações aos direitos humanos no marco dos protestos sociais, segundo Human Rights Watch, a ONU, entre outros. De acordo com o Instituto Nacional de Direitos Humanos, 460 pessoas sofreram lesões oculares durante as manifestações devido ao uso excessivo da força policial. Delas, pelo menos duas ficaram completamente cegas.

Por outro lado, Natalia C. (que pediu não ser identificada) aposta pelo “rechazo” porque considera que “não há necessidade de escrever uma nova Constituição inteira para realizar as reformas que o país precisa”. Nas redes sociais, as pessoas que chamam a votar por essa alternativa também dizem temer que o Chile se transforme em um país “caótico” e/ou “esquerdista”.

Além disso, muitos sinalizam que votar “apruebo” seria dar um aval à destruição de patrimônio que ocorreu no marco das mobilizações sociais. É que o metrô de Santiago, várias igrejas, ruas e estátuas foram parcialmente destruídos e/ou incendiados desde outubro de 2019, mas não há informação detalhada disponível sobre quem foram os responsáveis de cada um desses atos.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Muitos ainda estão indecisos. O microempresário Javier Baltra comentou que achava melhor votar nulo porque “ambas as opções estão cheias de problemas. Aprovar pode ser sinônimo de um Estado maior, e eu acho isso problemático para a economia. E rejeitar é deixar tudo como está até agora e não sei se isso é uma boa ideia”.

Além de escolher entre as opções “apruebo” ou “rechazo” uma nova Constituição, os chilenos devem votar se desejam que a eventual Carta Magna seja escrita por uma Convenção Constitucional formada por 155 constituintes eleitos ou por uma Convenção Mista de 172 membros (metade legisladores e metade cidadãos eleitos).


A LEI ATUAL


Qualquer pessoa que não conheça a história do Chile provavelmente se surpreenderá ao saber que um país como este tenha ainda uma Constituição que foi escrita na época da ditadura militar. “Nossa, mas é um país tão desenvolvido”; “como assim?”; “sério?” foram alguns dos comentários que recebi de amigos brasileiros quando contei sobre o que está acontecendo agora.


A Constituição atual foi aprovada em um questionado plebiscito realizado no dia 11 de setembro de 1980, em plena ditadura do Pinochet, quando milhões de chilenos viviam sob o medo da repressão, sem registros eleitorais e com os partidos políticos dissolvidos.
O texto foi escrito pelo advogado constitucionalista Jaime Guzmán, um dos maiores ideólogos da direita chilena, e que foi assassinado por um comando de ultraesquerda em 1991.

Ele foi escolhido por uma comissão designada pela ditadura. Posteriormente, a redação contou com a revisão e o apoio do Conselho de Estado e a Junta Militar, composta pelos máximos chefes do Exército e o diretor da polícia, que exercia como “poder legislativo”. Guzmán criou uma série de regras muito difíceis de alterar para perpetuar seu modelo econômico e político.

Como ele mesmo disse quando escrevia a Constituição, sua ideia era que, se os adversários chegassem a governar, eles se veriam “obrigados a seguir uma ação não tão distinta ao que alguém como nós gostaria (…) que a margem seja suficientemente reduzida para fazer extremamente difícil o contrário”.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Para realizar reformas à Carta Magna, Guzmán detalhou que é necessário alcançar um quórum de dois terços ou três quintos, segundo o caso, algo que, na prática, tem sido praticamente impossível de conseguir, porque nem o oficialismo nem a oposição conta com essa quantidade de votos.

Essa Constituição também instaurou um modelo econômico, político e social neoliberal, que se adentrou na educação e na saúde privada e um sistema de aposentadoria conhecido como AFP baseado na poupança individual e que no ano passado entregou aposentadorias pelo valor de 110.000 pesos chilenos (uns US$ 140). Esse sistema, hoje sumamente questionado pela população chilena, foi elogiado pelo Ministro de Economia do Brasil, Paulo Guedes, em várias ocasiões.

Se bem que o texto legal não estabeleça especificamente que a saúde, a educação ou o sistema de aposentadoria devam ser privados, na prática, sim, impõe princípios que limitam a ação do Estado e promove a atividade privada nesses setores. Por exemplo: não existe no Chile nenhuma universidade que seja gratuita.

Segundo analistas, a Constituição atual também é hierárquica e desconecta a cidadania do poder político, porque não inclui muitos mecanismos de participação.

Ao longo da sua história, sofreu duas modificações: a primeira, em 1989, ano do fim da ditadura, quando foi derrogado um artigo que declarava “ilícitos” a grupos que realizassem “violência ou uma concepção da sociedade do Estado ou da ordem jurídica de caráter totalitário ou fundada na luta de classes”. Outra, em 2005, quando depois de um grande acordo político o presidente socialista Ricardo Lagos conseguiu alterar outros aspectos, como que os comandantes em chefe das Forças Armadas passassem a estar subordinados ao poder civil, e a eliminação de senadores designados e vitalícios. Isto permitiu que em 2006 (há 14 anos!) o Senado fosse totalmente conformado por membros de eleição popular.

Agora, se a opção “apruebo” ganhar o plebiscito, o texto não só será modificado: a sociedade poderá dar adeus à chamada “Constituição do Pinochet”. Sem dúvidas, uma decisão histórica.

Veja também: Chileno preso no RIR: desembargador reconhece ilegalidade da prisão

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Bolívia

Veja a tradução da declaração de Evo Morales

Declaração de Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, dada em 18 de outubro, dia da eleição presidencial após o golpe.

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DECLARAÇÃO DE IMPRENSA DO EX-PRESIDENTE EVO MORALES
Buenos Aires, 18 de outubro de 2020

  1. Desde a cidade de Buenos Aires, neste dia histórico, domingo, acompanho nosso povo em seu compromisso com a pátria, com nossa democracia e com o futuro de nossa amada Bolívia, de exercer seu direito ao voto em meio aos acontecimentos em nosso País.
  2. Saúdo o espírito democrático e pacífico com que se desenvolve a votação.
  3. Diante de tantos rumores sobre o que vou fazer, venho declarar que a prioridade é exclusivamente a recuperação da democracia.
  4. Quero pedir a vocês que não caiam em nenhum tipo de provocação. A grande lição que nunca devemos esquecer é que violência só gera violência e que com ela todos perdemos.
  5. Por este motivo, conclamo as Forças Armadas e a Polícia a cumprirem fielmente o seu importante papel constitucional.
  6. Diante da decisão do Tribunal Supremo Eleitoral de suspender o sistema DIREPRE (Divulgação de Resultados Preliminares) para ir diretamente para a apuração oficial, informo que, felizmente, o MAS possui seu próprio sistema de controle eleitoral e que nossos delegados em cada mesa irão monitorar e registrar cada ato eleitoral.
  7. O povo também nos acompanhará nesta tarefa de compromisso com a democracia, como o fez tantas vezes, situação pela qual somos gratos.
  8. É muito importante que todas e todos os bolivianos e partidos políticos esperemos com calma para que cada um dos votos, tanto das cidades como das zonas rurais, seja levado em conta e que o resultado das eleições seja respeitado por todos.
  9. Neste domingo, no campo, nas cidades, no altiplano, nos vales, nas planícies, na Amazônia e no Chaco; em cada canto de nossa amada Bolívia e de diversos países estrangeiros, cada família e cada pessoa participará com alegria e tranquilidade na recuperação da democracia.
  10. É no futuro que todos os bolivianos, inclusive eu, nos dedicaremos à tarefa principal de consolidar a democracia, a paz e a reconstrução econômica na Bolívia.
    Viva a Bolívia!
    Evo Morales

Tradução: Ricardo Gozzi /Jornalistas Livres

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