É Salvador, é Itapuã. Imóvel na cadeira, em estátua de bronze, Vinícius de Moraes olha eternamente o horizonte, pois lhe roubaram a caneta e o bloco de anotações. Vinícius traz um ar de quem não acredita muito que a hora é essa para se escrever história ou seu verso, e Itapuã é um trânsito só.
Daqui parti com Gabriela para o norte da Bahia, nas areias longas das praias, área de mar cortada por rios, barcos de pesca, rede de mão. Pequenas comunidades se espalham pelo norte do litoral baiano, cunhado também pelos ricos disparatados e abastados de Salvador, São Paulo e país todo em seus condomínios.
Terra encantada em refúgios esplêndidos na geografia, seguem-se Arembepe, Imbassaí, Forte, Conde e muitas outras praias que se sucedem entre comunidades de pescadores e gente antiga de peles e tons. Tanto vento assopra, os homens olham, as mulheres fazem e cuidam. Bahia imensa aguarda. Rio e mar aqui ditam o ritmo da vida. Tudo é movimento na aparente calma baiana.Tarrafa no braço, tardes azuis, peixes prata na água rasa que foge entre coqueiros aos milhares que definem, como braços ao céu em grafia, uma terra que espera plena seus direitos em resguardo. O corpo sedento negro mestiço anda na branca areia fina, trazendo a lembrança de melodias. Solidão de sertão e sua maresia, pequenos povoados, antigas cidades que fogem de nossas questões urbanas.
Gente sem muita carência das modernidades e ausente aos debates congressistas ou disputas entre economistas para interromper investimentos e acesso por 10 anos ou 20 anos, mas de opinião política certa que se demonstra, logo ouço; a gente vota no Lula sim, se ele estiver candidato de novo. Quando o rio invade o mar a areia abriga. O mar quando se cansa da água doce sobe as ondas e engole, me diz, em sabedoria de prosa baiana, um ambulante de praia se referindo ao ex-presidente Lula.
Nos caminhos crianças vão à escola de burro em solo dos ausentes e removidos índios Tupinambás, há séculos. Em recomeço, em reinício, me refugio na antiga freguesia de Nossa Senhora do Monte de Itapicuru da Praia, hoje cidade de Conde, criada pelo 8º Conde dos Arcos, homem governante que prezava a educação e a comunicação, protetor da primeira imprensa baiana através da Gazeta Idade d’Ouro do Brasil. De toda boa intenção do conde ficaram poucas escolas, muitas igrejas evangélicas, capelas históricas e a ausência plena de jornais e revistas. Tudo é wi-fi na cidade distribuída entre vários distritos e vilas, onde pássaros pretos cantam nas gaiolas sua melodia de tristeza valente.
A Bahia tem um povo simples de sonhar cortado entre condomínios e villages, tem uma cultura ímpar e determinante em todo caráter nacional, se é que isso existe. Estar na Bahia é estar num laboratório onde nossa riqueza, amores e contradições se desvelam .
Na rádio da barraca de praia, Caetano Veloso repercute, como sina: se eu deixar de sofrer como é que vai ser para me acostumar. Como a luz, casa, sorriso sorridente e água cristalina na noite. A Bahia parece paz. Não é.