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Lava Jato

É PRECISO PARECER HONESTO

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ARTIGO

 

Alexandre Santos de Moraes, professor do Instituto de História da Universidade Federal Fluminense

 

 

Suetônio e Plutarco foram famosos biógrafos da Antiguidade que escreveram sobre a vida do ainda mais famoso Caio Júlio César. Narraram seus feitos políticos, suas conquistas e sua morte, quando foi atacado por conspiradores que encetaram 23 punhaladas em seu corpo. Dentre eles estava Décimo Bruto, por quem o ditador nutria particular estima. Diz-se que suas últimas palavras, dirigindo-se a ele, foram: “Até tu, meu filho?”.

Mas essa não foi a única traição de que César foi vítima. Anos antes, conta-se que Pompeia, sua esposa, manteve relações extra-conjugais com um sujeito chamado Públio Clódio, um de seus muitos aliados políticos. A descoberta do adultério foi bastante insólita. Celebrava-se na casa de César uma festa religiosa exclusivamente feminina. Não era permitido que homens estivessem presentes ou se aproximassem do local. Clódio, tomado pelo desejo, travestiu-se e entrou nos festejos para se encontrar com Pompeia. A princípio, ninguém percebeu, mas sua voz o denunciou. Após alguns berros diante do flagrante, as portas foram trancadas para que Clódio não saísse. Diante da descoberta, César repudiou sua esposa, ainda que alegasse desconhecer a veracidade das denúncias. Era uma estratégia para não se opor politicamente contra Clódio. Parecia uma contradição: se duvidava do adultério, por que repudiar Pompeia? César respondeu: “Julguei conveniente não estar minha esposa nem mesmo sob suspeita”. Esse episódio gerou o conhecido provérbio: “A mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”.

No fim das contas, menos importante do que a efetiva traição de Pompeia, foram os rumores. César era um homem público e cuidava com extremo cuidado de sua imagem. Nessa época, a República romana enfrentava uma crise sem precedentes e se tornou particularmente suscetível à ascensão de homens poderosos, que conseguiam acumular mais poderes pessoais do que era costume em períodos menos turbulentos. Não era suficiente ter um grande sucesso militar: era preciso celebrar o triunfo em Roma e receber as glórias pela conquista diante do povo. Mas ainda que se pensasse em alguma “essência”, era preciso cuidar da “aparência”. E se, por ventura, a aparência se impusesse a despeito do que era essencial, às favas com a verdade. Pompeia pode ou não ter traído César, mas os rumores precisam ser considerados. A honestidade só era um valor se fosse publicamente reconhecida. Parecer era, de alguma forma, mais importante do que ser.

Não há como saber se o ministro Sérgio Moro conhece essa história de César. Ele diz ser leitor ávido de biografias, mas se não lembra nem mesmo da última que leu, o que não inspira fé na eventual lembrança que teria de Plutarco ou Suetônio, caso tivesse passado por eles em algum momento da vida. No entanto, ainda que afogado na mais absoluta ignorância, teve a astúcia de reconhecer a bela oportunidade que as crises republicanas oferecem para a construção de poderes pessoais. Mais do que isso, contra toda a desejada discrição que o cargo de juiz exigia, moveu as pedras do tabuleiro com perícia para tornar a turbulência na República ainda maior.

Sérgio Moro é uma espécie de parasita que toma a democracia como hospedeiro: engorda à medida que ela emagrece. Afinal, se a rotina democrática não estivesse abalada, não seria representado como Superman, não receberia aquele esdrúxulo troféu de um deputado governista e não teria seu rosto estampado na camisa de seus devotos seguidores. Como César, Moro viu na crise a oportunidade de ascensão e de ganhos pessoais, usando a magistratura em seu favor.

Mas nesse caso, Moro está mais para Pompeia do que para César: é possível que ele tenha se esbaldado nos lençóis de Clódio, mas precisa parecer honesto. Ele percebeu também que a magistratura era o espaço mais adequado para manter a aparência de honestidade. Afinal, a partir de 2014, quando surgiu a Lava Jato, o povo brasileiro se mostrou particularmente carente de pão e ainda mais desejoso por circo.

O Tribunal de Moro se tornou a arena em que gladiadores escravizados pelas sentenças disputavam a liberdade por meio do espetáculo das delações. Do alto, o polegar subia ou descia em função do conteúdo da delação: se fosse a favor de Lula, perdia-se os bens e a liberdade; se ajudasse a condenar o ex-presidente, liberdade e restituição do patrimônio. Foi assim com Léo Pinheiro e diversos outros que receberam do juiz os prêmios por delatarem seus desafetos. Também na imprensa, com as divulgações ilegais de escutas telefônicas, Moro logrou diversos sucessos. Muitos juízes criticaram suas ações, mas não importava ser honesto: dizia que tinha um objetivo para a ação penal e a aparência o redimia.

A última divulgação de áudio que fez como juiz foi o da delação de Palocci, às vésperas da eleição de Jair Bolsonaro. Até hoje, há imensa dificuldade para entender essa publicidade para fora do jogo eleitoreiro. Quando confrontado, Moro evitava os holofotes e fazia uso da necessária sobriedade do cargo que ocupava, esquivando-se de explicações públicas e contando com a conivência do sistema de Justiça que, mesmo reconhecendo a desmedida, trabalhou para manter sua aparência ilibada. Vaidoso, escolheu e ainda escolhe meticulosamente onde vai se expor e, quando convocado a prestar esclarecimentos, responde apenas o que lhe convém.

O observador atento, pouco suscetível ou sabedor dos riscos associados aos poderes pessoais, percebeu há muito tempo sua artimanha. No entanto, Moro se viu tão confortável nesse jogo de aparências que não se melindrou em assumir um cargo importantíssimo no governo que ajudou a eleger. O pudor teria ido às favas, mas ele soube jogar: quando era juiz, portava-se como político; agora, político, comporta-se como juiz. Alega que seu cargo é técnico para, mais uma vez, parecer honesto, ainda que não seja. Moro tem pavor de parecer a mulher de César.

Porém, as denúncias do The Intercept Brasil mudaram o jogo. O feitiço virou contra o feiticeiro e a quebra do sigilo, que garantiu sua ascensão, aproxima-o cada vez mais da ruína. A lógica parasitária, no entanto, permanece, e o sistema de Justiça sabe que precisa se livrar de Moro para garantir a sobrevivência da instituição. Os dois não podem coexistir. A República Federativa do Brasil está de joelhos diante de Moro e Bolsonaro como a República romana ficou diante de César. Há indícios claros de que promotores começam a se movimentar, seja para salvar a própria pele, seja para resguardar o mínimo de credibilidade no seu ambiente trabalho. À medida que as reportagens vão sendo publicadas, Moro se aproxima da reunião fatídica em que receberá as punhaladas. Parecer honesto já não parece simples. Resta saber quem será o Bruto a quem dirigirá seu olhar derradeiro.

 

 

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Reunião ministerial ou sindicato do crime? A Ditadura camuflada

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Bolsonaro na reunião ministerial: Poderoso Chefão xingou, ameaçou, se fez de vítima. Governar que é bom...

Por Humberto Mesquita*

A reunião ministerial do dia 22 de abril, que veio a lume nesta sexta (22/5), não trouxe novidades sobre o Poderoso Chefão. Tudo o que ele disse ali já faz parte, há muito tempo, do seu repertório. É uma figura problemática que criou e chefia o gabinete do ódio e, todos os dias verbaliza impropérios, que desrespeita as instituições, homenageia torturadores e se sente senhor absoluto da verdade. Com ele tudo se amplia na escuridão das trevas.

Era uma reunião para discutir o Brasil. Foi uma reunião para destruir o Brasil.

Ninguém se preocupou com a pandemia. Muito pelo contrário, usou-se o desespero que causa o vírus e o foco da imprensa nesse assunto, para articular todo tipo de arbitrariedades.

O BolsoCorleone, todos nós já conhecíamos pelo seu passado e pelo seu presente. Mas essa reunião serviu para mostrar toda a gangue, da qual fazia parte também o ministro que foi demitido.

Aliás, a incompetência de Sérgio Moro se mostrou mais uma vez. Ele quis atingir o seu ex-chefe e lhe deu, como alguém já disse, a melhor peça publicitária. A denúncia do Marreco de Maringá não vai dar em nada, porque ela é vazia, como vazia é a cabeça do seu autor. Ele nunca foi bom de provas e com ajuda da Globo procurou um palco para se projetar. Mas vai morrer no esquecimento –mesmo com a ajuda da emissora que precisa fazer dele um novo mito.

A bomba de efeito devastador me parece ser o empresário Paulo Marinho, que conhece com detalhes toda a trajetória da família do Bozo, e suas possíveis ligações com a Milícia.

Reunião ministerial minúscula

Mas voltemos ao circo de 22 de abril, a reunião que desmascarou o ministério mais minúsculo que eu conheci em toda minha trajetória jornalística.

Guedes, “o melhor ministro”, segundo o Capo di tutti capi (“chefe de todos os chefes”, em italiano), disse que era a grande oportunidade para vender o Banco do Brasil.

O cara que cuida da educação metralhou o STF chamando seus membros de “vagabundos que deveriam ser presos”.

O do Turismo defendeu a abertura de cassinos, quem sabe, em Fernando de Noronha.

Aquela que viu Cristo num pé de goiabeira disse que iria mandar prender governadores e prefeitos.

O responsável pelo meio ambiente, foi além dos limites e deu um conselho ao chefão: aproveitar a preocupação da imprensa com o corona, e “vamos passando tudo, aprovando tudo do nosso interesse”. Mudar as regras enquanto a atenção da mídia está voltada para a Covid-19. Na moita, como fazem ladrões de carteirinha.

O chefe concorda com tudo e no entusiasmo do momento propugna armar o povo, certamente com armas dos seus amigos da Taurus.

Uma grande palhaçada, concordam os esclarecidos. Mas isso não acrescenta nada, a não ser a nossa certeza de que existe uma enorme corrente no Congresso, no Judiciário, na sociedades civil e no povo em geral que recua ante as agressões diárias que sofre a nossa Democracia.

E os militares de pijama e alguns outros da ativa estão de olho nessa “boquinha” generosa. Já tem mais de trezentos mamando nas tetas da República.

E qual é a solução perguntam em voz trêmula os amedrontados brasileiros ? Vamos torcer pelo Joe Biden. De lá do Hemisfério Norte vêm sempre as decisões para golpear ou para destruir as ditaduras no Brasil. Foi assim no passado e continuará sendo agora.

 

*Humberto Mesquita é jornalista e escritor, repórter e apresentador de debates na TV.

 

Leia mais de Humberto Mesquita, nos Jornalistas Livres:

URGENTE: Por uma Frente Ampla para evitar que Bolsonaro nos leve para o abismo

 

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Cidadania

Editorial – O “adulto na sala” ou ensaio para uma nova ditadura?

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O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, publicou na edição de ontem do jornal O Estado de S. Paulo um artigo de opinião intitulado Limites e Responsabilidades. No texto, o vice-presidente, que diversos setores da sociedade tentam vender como o “adulto na sala” e a opção “moderada” contra o governo de destruição nacional de Jair Bolsonaro, demonstra claramente não entender NADA sobre limites e responsabilidades. Ele ultrapassa todos os limites do cargo ao ameaçar, novamente, a imprensa, o Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional, os governadores dos estados que não estão alinhados incondicionalmente ao genocida que ocupa a presidência e até mesmo o direito de expressão individual de ex-presidentes da República. Portanto, Mourão não atenta à responsabilidade do cargo que possui atualmente e mata qualquer esperança de que numa eventual presidência pós-impeachment assumirá qualquer responsabilidade sobre os atos de Bolsonaro, a quem ajudou a eleger, sobre o apoio que segue dando ao genocida, ou mesmo sobre o papel fundamental de um governante que é unir a nação para resolver os problemas do povo.

Ele ataca, mais uma vez, o jornalismo de modo geral ao dizer que “A imprensa, a grande instituição da opinião, precisa rever seus procedimentos nesta calamidade que vivemos. Opiniões distintas, contrárias e favoráveis ao governo, tanto sobre o isolamento como a retomada da economia, enfim, sobre o enfrentamento da crise, devem ter o mesmo espaço nos principais veículos de comunicação. Sem isso teremos descrédito e reação, deteriorando-se o ambiente de convivência e tolerância que deve vigorar numa democracia.” 

Não, general, opiniões distintas NÃO devem ter o mesmo espaço quando se lida com vidas. Os jornalistas temos a responsabilidade de separar o que é fato, o que é opinião baseada em fatos e na ciência e o que é “achismo” ou declarações oportunistas de canalhas que querem se beneficiar do caos institucional sem se preocupar com as montanhas de cidadãos mortos. Se há intolerância na sociedade hoje, mais do que da imprensa a responsabilidade é de quem diz que os esquerdistas devem ser fuzilados e que torturadores assassinos são heróis, como fez o seu chefe e o senhor.

As únicas frases corretas do texto estão no primeiro parágrafo: “Nenhum país do mundo vem causando tanto mal a si mesmo como o Brasil. Um estrago institucional, que agora atingiu as raias da insensatez, está levando o País ao caos”. No entanto, Mourão exclui do rol de limites e responsabilidades TODAS as ações do governo federal e joga sobre outros ombros a culpa pelo caos que vivemos, com perto de mil mortes diárias pela Covid-19 em números oficiais. Aliás, assim como seu ainda chefe, o general não fez qualquer referência no artigo ao sofrimento de milhares de famílias que perderam seus entes queridos, no dia em que o país somou oficialmente mais de 14 mil mortes. O tópico não faz parte dos quatro elencados por Mourão, mas e daí, né? Contudo, também a exemplo do chefe, o militar aproveitou o cargo no governo para dar o filé mignon ao filho, que foi promovido duas vezes no Banco do Brasil para ganhar mais de 36 mil reais.

O estrago institucional em que estamos é consequência direta do golpe parlamentar/judiciário/midiático que tirou ilegalmente a presidenta Dilma Roussef do cargo. Quando um juiz de primeira instância grava e divulga ilegalmente uma conversa da presidenta e não é exonerado, há um enorme estrago institucional. Quando um ministro do STF impede que a presidenta escolha livremente um ministro da Casa Civil para se articular politicamente e impedir o impeachment, o golpe na institucionalidade é ainda maior. Quando um deputado federal vota pelo impeachment homenageando no Congresso um assassino e torturador e não sai de lá preso, a institucionalidade está ferida de morte. Quando um ex-presidente é condenado sem provas por “atos indeterminados” impedindo sua candidatura, rasgando até decisões em contrário da ONU e o ex-juiz responsável por isso vira ministro da justiça do candidato que beneficiou ilegalmente, é o fim da institucionalidade. Tudo o que temos hoje é fachada, é verniz, é disputa do butim. E os Jornalistas Livres avisaram disso em 2016.

Mas, como disse o vice escolhido por ter feito em 2017 defesa enfática da ditadura de 1964 a 1985 e de uma intervenção militar, ainda “Há tempo para reverter o desastre. Basta que se respeitem os limites e as responsabilidades das autoridades constituídas” . Neste momento é passada a hora das autoridades constituídas assumirem suas responsabilidades dentro de seus limites. O Tribunal Superior Eleitoral, por exemplo, deve julgar urgentemente as eleições de 2018 e cassar a chapa eleita (Bolsonaro E Mourão) por caixa-dois e uso massivo de fake news como fartamente provado pela imprensa. O Supremo Tribunal Federal deve urgentemente votar a suspeição de Sergio Moro como juiz nos casos envolvendo Lula e anular a condenação do ex-presidente, como é consenso no mundo jurídico sério. O presidente do Congresso, Rodrigo Maia, deve escolher o quanto antes um dos mais de 30 pedidos de impeachment contra Bolsonaro e colocar em votação, já que não faltam crimes de responsabilidade provados. E mais, votar também a proposta de lei que exige novas eleições em 90 dias no caso de impeachment. Afinal, o país só poderá retornar à normalidade democrática quando de fato houver eleições limpas, com debates sobre projetos de governo e a presença de todos os principais candidatos dos partidos.

 

Foto: www.mediaquatro.com

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EUA

Lava Jato pode ter violado Lei brasileira e tratados internacionais para beneficiar investigação norte americana

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Via The Intercept, em parceria com a Agência Pública.

Por: , ,

CONVERSAS VAZADAS de procuradores do Ministério Público Federal revelam o funcionamento de uma colaboração secreta da operação Lava Jato com o Departamento de Justiça dos EUA, o DOJ, na sigla em inglês. Os diálogos, analisados em parceria com a Agência Pública, mostram que a equipe liderada pelo procurador Deltan Dallagnol fez de tudo para facilitar a investigação dos americanos – a tal ponto que pode ter violado tratados legais internacionais e a lei brasileira.

A Lava Jato é notória por sua estratégia midiática: raramente uma ação de busca e apreensão ou condução coercitiva foi realizada sem a presença das câmeras de tevê. Mas a equipe de Dallagnol fez de tudo para manter sua relação com procuradores americanos e agentes do FBIno escuro.

Veja reportagens na íntegra em:

https://theintercept.com/2020/03/12/lava-jato-driblou-governo-ajudar-americanos-doj/

https://apublica.org/2020/03/como-a-lava-jato-escondeu-do-governo-federal-visita-do-fbi-e-procuradores-americanos/

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