É a ambição do capital que não cabe no orçamento do governo

Ulysses Guimarães e o texto consolidado da Constituição, em abril de 1988. Por Célio Azevedo

 

A Constituição de um país protege seus cidadãos ao determinar as normas, que a maioria escolheu, para funcionamento de sua sociedade. Nossa Constituição de 1988 conferiu alguns direitos ao povo brasileiro, especialmente aos mais pobres, que antes não existiam. Por isso é chamada de Constituição cidadã. Converteu em cidadãos e cidadãs e acolheu inúmeros brasileiros antes relegados à sua própria sorte.

Os governos dos Fernandos, Collor e Henrique, relutaram em fazer cumprir tudo aquilo que a Constituição determinava. Alegavam que o Congresso deveria regulamentar certos direitos à população. O capítulo, por exemplo, da assistência social, que determinava que deficientes e idosos em condição de pobreza têm direito a um salário mínimo mensal, só foi realmente implantado em toda sua dimensão a partir do governo Lula.

Os constituintes, sabendo que o governo gastaria mais com esses direitos, buscaram formas de arrecadação para que houvesse dinheiro para custeá-los. A COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social, entre outras contribuições e impostos, foi criada exatamente para carrear recursos para os benefícios da Assistência Social e da Previdência Social.

Mas acontece que recursos com destinação prevista na Constituição muitas vezes são desviados para outros fins.

É isso que promove a recém aprovada DRU – Desvinculação de Receitas da União. E somos obrigados a ouvir o tempo todo, nos meios tradicionais de comunicação, que o déficit da previdência é enorme. Ao passo que se somarmos todos os recursos destinados à Seguridade Social, como determina a Constituição de 1988, sem desviar nenhum recurso para outro fim, concluiremos que a Previdência é superavitária.

Aprovar uma emenda constitucional que reduz os gastos com saúde e educação, equivale a anular todas as lutas populares, desde a ditadura até agora, para estabelecer regras na Constituição para uso do dinheiro do povo. E, pior, quem está tentando anular as conquistas do povo brasileiro, não têm a legitimidade do voto para proceder essas mudança.

Os eleitores brasileiros nunca votariam nos cortes de direitos que os golpistas estão tramando. Não há hipótese de isso acontecer. Só há dois modos de um governo brasileiro destroçar a Constituição de 1988: os eleitores serem enganados ou, através de um golpe, retirar o direito de povo brasileiro de eleger seus governantes. E é isso que estamos assistindo. Um programa econômico e social que não recebeu os votos dos brasileiros está sendo implantado.

Não devemos nos iludir, o que não cabe no orçamento do governo federal é a ambição do capital, a ambição da elite empresarial e política desse país. Os direitos à saúde, à educação, à seguridade social cabem muito bem.

Todos especialistas sérios afirmam que a saúde no Brasil é subfinanciada, mais recursos são necessários para subir a qualidade do SUS – Sistema Único de Saúde. Cortar recursos, como determina a PEC 241, representa que bilhões de reais passarão a ser destinados a hospitais e a planos de saúde privados. O SUS, que tem defeitos, é, mesmo assim, exemplo para muitos países. Especialmente para a população mais pobre, a diminuição de recursos púbicos destinados a saúde vai representar, simplesmente, a perda do direito à saúde. Os recursos, que antes financiavam a saúde, serão desviados para bolsos privados. E dane-se a saúde da população mais pobre.

As escolas privadas, tanto nacionais quanto estrangeiras que aqui atuam, adorariam ver a destruição progressiva da escola pública. Alunos das escolas públicas gratuitas terão que passar a pagar para as escolas privadas se quiserem se educar. A destruição da educação pública, do mesmo modo que a destruição da saúde pública encherá bolsos privados.

A deixar por sua própria conta, o capital sempre buscará seu crescimento desenfreado, tirando atribuições do governo e privatizando tudo quando for possível privatizar.

E agora, o governo golpista de Temer e Meirelles, com eco pelos vários economistas que representam os interesses da elite e da finança, vem dizer que a Constituição 1988 não cabe no orçamento da União.

Ora, o que cabe ou não no orçamento do país, não é um dado econômico, nem um dado da natureza. É fruto da vontade política da maioria de seu povo.

Se a maioria decidiu que o país deve cuidar melhor de seus pobres, de sua população mais carente, é assim que deve ser. Se a maioria decidiu que devemos ter saúde pública e educação pública, é assim que deve ser. E a luta deve sempre ser por melhorar a qualidade desses serviços e não o contrário.

O que não cabe no orçamento do país é a vontade de um bando que toma o poder por um golpe e se julga representante do povo brasileiro, para cortar, em seu nome, recursos que têm servido para resgatar séculos de injustiça contra os mais pobres, para conferir um mínimo de cidadania aos seus filhos.

A Constituição de 1988 cabe sim no orçamento da União, o que não cabe é a ambição do capital.

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