O cardeal arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, tem se colocado ao lado do prefeito João Doria na defesa da distribuição dos alimentos liofilizados, popularmente conhecidos como “ração para pobre”.
Perdendo na política, Doria recorreu ao que há mais de velho na política: a legitimação ideológica da Igreja.
Talvez o papa Francisco não concordasse com a ideia mas, por alguma razão, o arcebispo deu a bênção ao projeto de Doria. Se você não se lembra quem é o arcebispo, os Jornalistas Livres lembram (e ao que tudo indica, os estudantes da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e o Papa Francisco também).
Em 2012, dom Odilo nomeou como reitora a professora Anna Cintra, última colocada na eleição interna da universidade. Foi a primeira vez que o primeiro colocado da lista tríplice não foi indicado para ocupar a vaga. No dia 12 de março de 2013, ele participou do Conclave Papal, na Capela Sistina, na cidade do Vaticano, na condição de um forte candidato a sucessor de Bento XVI, que havia renunciado dias antes. Foi derrotado pelo cardeal Jorge Mario Bergoglio, arcebispo metropolitano de Buenos Aires, o papa Francisco. Em 2014, foi a vez do papa Francisco impor mais uma derrota a dom Odilo e outros três cardeais que integravam a comissão que supervisionava o Banco do Vaticano, após diversas denúncias de corrupção na instituição.
João Doria, entre a cruz e a espada, foi obrigado a recuar. Deus sabe quais acordos estavam por trás da “ração” de Doria e dom Odilo, mas é certo que o prefeito não desistiu totalmente da ideia e já anunciou que voltará à carga, oferecendo a tal “farinata” (o nome italiano é a mais ridícula gourmetização do Bonzo) aos moradores de rua. Por que não desistiu da proposta? E a licitação? Doria parece não querer desperdiçar o “alimento” feito com alimentos desperdiçados. Por se colocar contra este projeto, a vereadora paulistana Sâmia Bomfim (PSOL) foi hostilizada pelo prefeito.
Não se sabe do que é feita a ração. Qual o seu conteúdo nutricional. Como sua qualidade será controlada. Um adulto diabético pode ingeri-la? Alguém com intolerância a lactose pode consumi-la? Um vegetariano? E os alérgicos? A ração do Doria é na verdade um projeto canhestro de gestão da fome. Não dá autonomia alimentar e dignidade ao pobre, mas o humilha com um composto seco à moda dos alimentos para cães. Falta a Dória tanta ética como transparência na proposta da ração.
No fim, Doria parece ter perdido. Nem a igreja conseguiu salvar a alma do projeto.
Não consigo não lembrar daquele trecho bíblico que ensina a fazer aos outros o que desejamos que nos façam. Será que Doria, Scherer e seus apoiadores comeriam a ração que desejavam distribuir?
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