Donald Trump é presidente dos EUA: por que isso é ruim para eles e pior para nós?

No meu último texto aqui no Jornalistas Livres eu usei um número do “The New York Times” que indicava que Hillary Clinton tinha mais de 80% de chance de ser a próxima ocupante da Casa Branca. Poucas vezes na história dos EUA as pesquisas pré-eleição estavam tão erradas – há uma análise social profunda esperando para ser escrita sobre como o discurso de ódio de Trump talvez não tenha feito seus apoiadores se tornarem ousados o bastante para responder pesquisas de opinião pública, mas certamente os fez levantar de casa no dia 08 de novembro e votar.

Como muitos jornalistas documentaram através desse processo eleitoral americano, a candidatura de Trump tem suscitado grupos extremistas de todos os tipos de preconceito a trocarem as salas escuras em que presumivelmente se reuniam pelas ruas e os veículos de imprensa onde bradam os seus bordões racistas, homofóbicos, xenofóbicos, etc.

O candidato foi publicamente apoiado pela Ku Klux Klan, lendária organização racista americana, que entre muitas outras coisas costumava queimar cruzes na frente da casa de homens e mulheres negros.

Talvez eu não seja a pessoa certa para fazer essa análise social, mas não é um acontecimento isolado. Vale olhar tanto para o muito citado Brexit, que fez o Reino Unido deixar a União Europeia usando argumentos francamente xenofóbicos (a principal proposta era fechar as fronteiras para refugiados e imigrantes em geral), mas também para o movimento à direita que temos observado no Brasil, com a eleição e reeleição de políticos como Jair Bolsonaro, Silas Malafaia e outros tantos dos quais, tenho certeza, nem preciso mencionar o nome.

Agora não é a hora, no entanto, de explorar esse caminho morbidamente fascinante de um crescimento do ódio dentro da nossa sociedade: agora é hora de falar porque uma vitória de Trump nos EUA importa tanto para eles quanto para nós – ou até mais para nós do que para eles.

Se você quer um fato nesse mar de dúvidas, aqui vai: com ou sem globalização, os EUA ainda são vistos, tratados e pensados como os líderes do mundo democrático. Não deveria ser preciso mais prova disso do que o imediato colapso de bolsas de valores ao redor do mundo conforme foi ficando claro que Trump venceria a eleição.

E por que o mundo todo tem medo de uma presidência de Trump? Quais são os perigos menos óbvios desse novo líder dos EUA, que passamos (infelizmente) a conhecer tão bem nos últimos meses? A chave está em pegar o que a presidência de alguém como George W. Bush fez para o mundo e elevar tudo ao quadrado – e estamos falando de uma administração que promoveu uma guerra absolutamente não justificada no Oriente Médio, ignorou os sinais absurdamente claros de uma crise econômica que explodiu em 2009, e falhou em passar qualquer medida de progresso social em oito anos.

No entanto, não é só um presidente fortemente conservador do qual estamos falando aqui. O temperamento explosivo e imprevisível de Trump vai pressionar mercados internacionais e governos do mundo inteiro a testar o solo e procurar uma nova forma de fazer diplomacia e negócios. A interação de líderes internacionais (inclusive o nosso próprio presidente direitista) com Trump será muito mais desconfortável que a com Obama, que sempre foi um diplomata nato em todos os bons e péssimos sentidos. Alguém consegue imaginar uma reunião do G-20 com Donald Trump no centro das atenções?

Isso é um problema exatamente porque, em um mundo globalizado, obstáculos nas relações entre dois países se tornam obstáculos para todo mundo. Da forma como Trump entrou em conflito com líderes como Angela Merkel (Alemanha), e da forma como seus comentários preconceituosos certamente incomodarão outros incumbentes internacionais, não é difícil de imaginar um mundo desestabilizado pela instabilidade de um só governante. Bem-vindos ao século XXI.

A verdade é que nem tocamos nos piores cenários aqui. Ou seja, estou presumindo que Trump não vai ceder aos seus impulsos mais autoritários e se tornar uma figura a la Vladmir Putin, a quem já elogiou diversas vezes. Estou presumindo que ele não vai perseguir e atacar diretamente jornalistas e artistas opositores como incentivou seus apoiadores a fazer durante a campanha. Estou presumindo que sua promessa de construir um muro entre EUA e México (e fazer o México pagar por isso também) é apenas um refrão vazio de campanha. Estou presumindo que o juiz que ele apontar para a Suprema Corte americana não vai revogar Roe vs. Wade (o lendário caso que deu direito legal ao aborto para as mulheres americanas) ou desfazer a decisão que tornou o casamento de pessoas do mesmo sexo legal nos EUA.

E talvez isso seja um erro. Talvez eu não devesse presumir mais nada. Como mostrou o “The New York Times”, na era em que vivemos na política, esse pode ser um jogo muito perigoso.

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