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América Latina e Mundo

Diretas Já para derrubar Temer e restaurar a Democracia

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Por Raimundo Bonfim*, especial para os Jornalistas Livres

 

 

O que causou o golpe?

Nunca é demais lembrar que o golpe que derrubou a presidenta Dilma em 2016 foi tramado a partir dos interesses de grupos econômicos internacionais, com o objetivo de se apropriarem das riquezas nacionais, em especial petróleo, energia elétrica, minérios, água, biodiversidade e terra.

Os interesses das multinacionais encontraram eco no Brasil. Aqui contaram com amplo apoio empresarial, midiático, judiciário, parlamentar – que recorreram ao mote do combate à corrupção, à crise econômica e à falta de base parlamentar para iniciar o processo de impeachment.

Mas, para justificar o golpe faltava um elemento fundamental: o apoio das ruas. É interessante notar que nenhuma entidade ou movimento social representativo da sociedade topou participar da farsa. Então, inventaram os chamados movimentos pró-impeachment, completamente artificiais, como o MBL, Vem pra Rua, Revoltados Online e outros. A mídia golpista convocava os protestos, e esses “movimentos” assumiam o protagonismo nos carros de som, durante as manifestações.

O impeachment sem crime de responsabilidade não poderia mesmo trazer calmaria para o cenário político, pelo contrário, era previsível o acirramento político. Foi o que ocorreu desde 12 de maio de 2016, quando a presidenta foi afastada.

Desde então, o que se vê é que as principais raposas que lideram o impeachment, toda semana figuram na lista de corruptos, em especial na delação da Odebrecht, onde já surgiram os nomes de Michel Temer, Paulo Skaf (o homem do pato), Aécio Neves, Geraldo Alckmin (o santo), José Serra (o careca), Gilberto Kassab, Rodrigo Maia, Eduardo Cunha, Romero Jucá, Renan Calheiros, entre outros.

Cadê os paneleiros? Sumiram. Eles não são contra a corrupção? Só se manifestam quando é denunciado alguém do PT. Kim Kataguiri, o moralista de araque que liderava as manifestações, segundo ele contra a corrupção e pelo impeachment, quando o réu Renan Calheiros foi afastado da presidência do Senado saiu em sua defesa! É muita hipocrisia. Fascista e golpista não passarão!

O governo do golpe desfechado com o apoio de amplos setores indignados com a corrupção é –paradoxalmente– um lamaçal só. Cincos ministros já caíram por envolvimento em corrupção. Romero Jucá, que foi flagrado em vídeo tramando o fim da Operação Lava Jato para “estancar a sangria do governo”, foi premiado com o cargo de líder do governo Temer no Senado.

Ninguém tem dúvida de que Eduardo Cunha é um corrupto, mas a perda de seu mandato e a sua prisão foi uma forma de tentar engambelar a opinião pública de que o combate a corrupção é para valer, não tem seletividade.

Os vários setores continuam com o golpe em curso. A Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário, apesar das provas cabais e incontestáveis contra graúdos do PSDB e PMDB… bem, até o momento, nenhum cardeal desses partidos está preso.

Por outro lado, continua sem trégua a perseguição ao ex-presidente Lula, transformado em réu pela quinta vez. O Doutor Sergio Moro viola a Constituição e o Processo Penal, praticando condução coercitiva e gravação e divulgação de vídeos de forma ilegal e arbitrária, com total respaldo do STF – que acaba de ser desmoralizado ao patrocinar –à luz do sol– um acordo para salvar o réu Renan Calheiros.

Agenda contra os pobres

O Parlamento, isto é, o Congresso Nacional aprovou a PEC 55 – que congelará por 20 anos os investimentos nas áreas sociais, em especial saúde, educação, assistência social. Um retrocesso sem precedente na história do País.

 

Alunos que fazem parte da ocupação E.E. Diadema 2016

É a chamada de PEC do teto de gasto, mas só congela os investimentos voltados para o andar de baixo. Nem de longe toca na questão do juros, sonegação fiscal e taxação das grandes fortunas. Além disso, a Câmara dos Deputados já aprovou a desastrosa reforma do ensino médio, apesar da heroica resistência dos secundaristas –que ocuparam mais de 1.200 escolas e 300 universidades por todo o País.

O pacote de maldade não chegou ao fim. O setor empresarial não satisfeito com a PEC 55 continua emparedando o governo Temer para que ele pague por completo o que foi acordado em troca do impeachment. A mídia golpista pressiona pela aprovação das reformas da previdência e trabalhistas – a machadada final na cabeça da classe trabalhadora.

Passados sete meses de golpe, o povo começa a se dar conta de que, longe de combater a corrupção, recuperar a economia e gerar empregos, o bando que tomou de assalto o governo da presidenta Dilma, está retirando direitos, cortando recursos das áreas sociais e levando o País ao caos e à convulsão social.

A promessa de trazer de volta a confiança dos investidores para recuperar a economia e gerar emprego virou um pesadelo para os trabalhadores.

A economia está em frangalhos. Todos os ramos estão se deteriorando. A indústria transita da recessão para a depressão. A estimativa é fechar 2016 com retração econômica de 3,4%. O BNDES reduziu seu desembolso em 35%.

Os investimentos caíram 29%. O resultado é que, segundo IBGE, o desemprego soma 12 milhões de desempregados. Em 2017 pode chegar a 13% da população, aproximadamente 15 milhões de desempregados.

Vários estados e municípios quebrados, sem condições de pagar até mesmo o 13º salário do funcionalismo, expõem a fratura aberta: já se vêem cenas de protesto, desespero e revolta em milhares de pais e mães de famílias que ficaram sem receber seu salário, justamente no final de ano, quando mais precisam.

Mais de 20 estados da federação não conseguiram fechar as contas em 2016. O Rio de Janeiro cortou até o aluguel social de famílias sem teto e o programa bom prato voltado para os mais pobres, um sintoma do agravamento da crise econômica e social pela qual atravessamos.

Sem legitimidade e sem tirar o país da crise, Michel Temer intima a base governista a votar, com urgência, o restante das medidas prometidas durante o golpe, tentando sinalizar para os segmentos que a sustentam (incluindo o capital e a mídia golpista), que o governo tem apoio para se sustentar até 2018, ante o fantasma da cassação de seu mandato pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Diante do ilegítimo governo Temer e do golpe contra os direitos, em 2016, procuramos aglutinar a esquerda e os movimentos sociais para oferecer a resistência popular nas ruas, mesmo em ano eleitoral.

Em nossas mobilizações e ações procuramos expor à classe trabalhadora e à sociedade de um modo geral o caráter neoliberal e conservador das medidas adotadas pelo governo golpista. As grandes mobilizações unitárias das Frente Brasil Popular e Povo Sem Medo, mobilizações do movimento secundarista, dos professores, dos servidores públicos em vários estados, tornaram-se marcas da resistência popular em 2016.

Explodem também manifestações em todo o País, em defesa da educação, contra o desmonte do SUS, por habitação popular, reforma agrária e outras reinvindicações justas.

Cresce no País o questionamento e a denúncia da ilegitimidade do governo usurpador e a resistência aos ataques aos direitos sociais, através das mais variadas formas de lutas.

Bala de borracha da PM deixou a companheira Deborah Fabri cega de um olho

O governo federal em conluio com os a maior parte dos estaduais, com raras exceções, numa tentativa de sufocar as manifestações, tem usado a extrema repressão policial.

Em sete meses de governo umas das principais marcas de Temer é a repressão seletiva às manifestações contra o impeachment e a retirada de direitos, além da criminalização dos movimentos sociais que não se rendem ao golpe e se insurgem contra o retrocesso social.

 

E qual nossa tarefa para 2017?

 

Em 2016, apesar de avaliarmos que conseguimos cumprir um papel fundamental na resistência, claramente isso não foi suficiente para impedir o avanço da agenda contra a classe trabalhadora.

Para 2017, temos que ir além da mobilização da militância e da vanguarda da classe. É imperioso dar um passo a mais. É preciso envolver a classe para alterarmos a correlação de forças – condição sine qua non para a derrota do governo Temer.

Os índices de popularidade de Temer estão muito baixos. E caem sem parar. A Frente Brasil Popular, reunida nos dias 7 e 8 de dezembro, deliberou por impulsionar o Fora Temer e encampar a bandeira das Diretas Já, ou seja, eleição direta para presidente da República.

Em 2017, é nossa tarefa aumentar as mobilizações e a resistência contra a retirada dos direitos, em especial contra o desmonte da legislação trabalhista, mas também colocar claramente a discussão sobre a antecipação das eleições para presidente e o fim do mandato desse presidente ilegítimo.

Setores que deram o golpe já discutem qual é a saída, ante o envolvimento em corrupção do próprio presidente, e no caso de a crise inviabilizar a permanência de Temer. Mas esses setores apostam em eleição indireta, o que jogaria o País numa crise de paralisia sem saída.

Defendemos eleição direta para que se restaure a soberania do voto popular. O Brasil precisa de um presidente que estanque a agenda de ataques aos direitos sociais e recoloque o País na rota do crescimento econômico, geração de emprego, distribuição de renda e investimentos na infraestrutura e nas áreas sociais.

Se o golpista não renunciar, nem tiver seu mandato cassado pelo TSE, ainda terá de enfrentar um pedido de impeachment protocolado no dia 8 de dezembro por 17 lideranças de movimentos sociais. Assinei o pedido de impeachment.

Para 2017, a Central de Movimentos Populares (CMP) e a FBP continuarão denunciando o estado de exceção, antipopular, antinacional e antidemocrático, que restringe o direito de defesa, ameaça as liberdades, persegue lideranças políticas, líderes de movimentos sociais e o ex-presidente Lula.

Mas é preciso dar um passo à frente.

Diante da maior derrota da esquerda e da ascensão da direita nas eleições municipais de 2016, além do esgotamento do projeto neodesenvolvimentista dos últimos 13 anos, é chegada a hora de colocarmos parte de nossas energias na formulação de um projeto popular para o Brasil, que dê prioridade ao desenvolvimento, à distribuição de renda, ao enfrentamento das desigualdades sociais, à Democracia.

Também é inadiável a defesa de uma Reforma Política para reformar o Estado Brasileiro. Nesse sentido é necessário desde já que iniciemos a agitação e propaganda em defesa de uma Constituinte Exclusiva, pois não podemos nos iludir sobre a absoluta impossibilidade de o atual congresso nacional fazer uma Reforma Política que atenda aos interesses e às reivindicações da classe trabalhadora.

A complexidade e a velocidade dos acontecimentos em 2016 nos dá a sensação de termos enfrentado um terremoto. Mas não resta dúvida que em 2017 temos que nos preparar para resistir a um tsunami. E o único jeito de fazê-lo é com unidade e luta. Nas ruas.

 

*Raimundo Bonfim é coordenador geral da CMP (Central de Movimentos Populares) e integrante da coordenação nacional da FBP (Frente Brasil Popular).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

América Latina e Mundo

Chilenos enterram a Constituição de Pinochet e começam um inédito (e incerto) processo Constituinte

Carta Magna produzida em 1980 era a base do modelo neoliberal chileno, que destruiu a Saúde, a Educação e a Previdência públicas

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Estátua equestre do general Manuel Baquedano, que liderou expedições contra os indígenas do sul, pintada de vermelho - Bárbara Carvajal (@barvajal)

A data 25 de outubro ficará marcada para sempre na história do Chile. Em 2019, foi o dia em que mais de 1,2 milhão de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais digno. Um ano depois dessa manifestação, a maior do país, no dia 25 de outubro de 2020 os chilenos decidiram enterrar o último legado da ditadura de Augusto Pinochet: a Constituição de 1980.

Por Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

No domingo, milhões de chilenos votaram em um plebiscito sobre escrever ou não uma nova Carta Magna, uma medida que nasceu como uma saída política à crise social iniciada em 2019. O resultado foi avassalador: 78,27% da população aprovou a iniciativa, contra 21,73% que a rejeitou.

Além disso, 78,99% dos votantes disse que quer que a nova Constituição seja redigida por uma Convenção Constituinte formada por 155 membros eleitos pela sociedade; versus um 21,01% que expressou que preferia uma Convenção Mista, formada por 172 membros, a metade deles legisladores e o restante constituintes. 

A comemoração durou horas. Em Santiago, milhares de pessoas foram a pé, de carro e de bicicleta em caravana até a avenida principal da capital e à praça central (antes conhecida como Praça Itália e agora, pelas manifestações, chamada popularmente de “Praça Dignidade”). Bandeiras do Chile e cartazes com as palavras “adeus, general” (em referência ao Pinochet) eram vistos em várias ruas.

Nova Constituição: chance de o Chile renascer - @delight_lab_oficial
Nova Constituição: chance de o Chile renascer – @delight_lab_oficial

A sensação era de um êxtase coletivo. “Ainda não consigo acreditar no que está acontecendo… Mais do que isso, é impossível dimensionar tudo que conseguimos”, me disse uma manifestante. Em um dos edifícios emblemáticos de Santiago, foi possível ler uma grande projeção com a palavra “Renasce”.  

“Para mim, é o começo de uma nova era”, comentou um jovem que estava comemorando os resultados do plebiscito.

Ele tem razão. Apesar de que a Carta Magna “do Pinochet” —escrita pelo advogado constitucionalista e ideólogo da direita chilena Jaime Guzmán, sofreu alterações durante a democracia, manteve vários dos seus aspectos principais. Ela continuou sendo a base do modelo neoliberal chileno que se adentrou na saúde, educação e sistema de aposentadoria, e também impedia grandes reformas estruturais pela exigência de um quórum de dois terços ou três quintos que, na prática, sempre foi muito difícil de ser alcançado.  

O novo ciclo

A decisão de escrever uma nova Carta Magna encerra um ciclo doloroso para milhares de pessoas que foram vítimas da ditadura do Pinochet, uma das mais sangrentas na América Latina, e também para tantas outras que até agora vivem em um país desigual devido, em grande parte, às disposições da atual legislação. O ciclo que começa agora é cheio de esperanças, mas também repleto de desafios.

O presidente Sebastián Piñera, quem em nenhum momento do processo deixou claro qual era o seu voto, disse domingo de noite que o plebiscito “não é o fim, é o começo de um caminho que juntos deveremos percorrer para escrever uma nova Constituição para o Chile. Até agora, a Constituição nos dividiu. A partir de hoje todos devemos colaborar para que a nova Constituição seja o grande marco de unidade, de estabilidade e de futuro do país”.

Ainda são poucas as definições que já foram tomadas sobre como será a assembleia constituinte. Sabemos que, em abril de 2021, os chilenos voltarão às urnas para escolher os 155 cidadãos que serão parte do processo. Sabemos que ela estará formada de forma paritária por homens e mulheres (algo inédito no país). Mas ainda falta uma série de decisões, como se poderão participar do processo pessoas que não estejam associadas a partidos políticos e se o órgão terá assentos reservados para os povos originários.

A assembleia contará com até 12 meses para redigir uma nova Carta Magna, cujas normas deverão ser aprovadas por dois terços dos integrantes. Esta será submetida a outro plebiscito, cuja participação será obrigatória.

Esse ponto é o que desperta mais dúvidas na sociedade. É que o plebiscito do domingo passado foi de caráter voluntário, e acudiram às urnas um total de 7,5 milhões de chilenos dos mais de 14 milhões habilitados para votar. Apesar de ter sido a participação mais alta da sociedade desde 2012, quanto o sufrágio começou a ser optativo no país, a votação do dia 25 de outubro não deixa claro qual será o resultado final se as 6,5 milhões de pessoas que não participaram no domingo votarem em 2022.

Mas, como dizem por aqui, isso é uma decisão para o Chile do futuro. O Chile do presente quer comemorar. E tem motivos de sobra para isso.

O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes - Bárbara Carvajal (@barvajal)
O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes – Bárbara Carvajal (@barvajal)

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Chile

Chilenos se preparam para um plebiscito histórico sobre manter ou dar adeus à “Constituição do Pinochet”

Chilenos estão ansiosos para o plebiscito, adiado desde abril por conta da pandemia

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Era uma demanda colocada por alguns setores da sociedade chilena há anos, mas foram os protestos de 2019 os que voltaram exigir a derrubada da Constituição de 1981, imposta pela ditadura militar de Augusto Pinochet. Agora, no domingo 25 de outubro, mais de 14 milhões de chilenos acudirão às urnas em um plebiscito histórico que decidirá se o país “aceita” (aprueba) ou “rejeita” (rechaza) uma nova Carta Magna. A votação foi pensada como um caminho político para aplacar a crise social que o Chile enfrenta.

Por: Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

Os ânimos estão à flor da pele. Nos muros, nas redes sociais, na mídia praticamente não se fala de outra coisa. Não é para menos, já que o plebiscito, inicialmente marcado para o dia 26 de abril, foi atrasado pelo governo devido à pandemia. Além disso, acontecerá somente uma semana depois do primeiro aniversário do chamado “estallido social”, iniciado em 18 de outubro de 2019, quando milhões de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais igualitário. Mas a sociedade chilena -como tantas outras na América Latina e no mundo- está profundamente polarizada e, apesar de as pesquisas dizerem que a maioria votará pelo “aceita”, nada está definido.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Por um lado, o “apruebo” reúne intenções diversas, que vão desde exigir uma mudança no modelo neoliberal chileno até entregar mais direitos às mulheres, aos índios e às diversidades sexuais.

Alejandra Saez, uma trabalhadora independente, me disse que vai aprovar porque “se necessita uma mudança imediata, apesar de que o resultado chegue com o tempo, tomar a decisão de transformar o sistema já é um grande avanço”. “Quero que as novas regras validem o bem-estar das pessoas e não os cofres dos outros. Que não nos sintamos atacados pelo sistema”, afirmou.

Já o bioquímico Francisco Pereira me explicou que votará “apruebo” porque considera que é necessária uma “mudança drástica na atual Constituição, já que apesar de que outorga direito a serviços básicos, em nenhum momento garante o acesso a esses serviços, deixando muitos recursos principalmente nas mãos do mundo privado. Além disso, foi escrita para um contexto de desenvolvimento de país determinado muito diferente do atual, e é bastante rígida, o que dificulta que ela seja adaptada às atuais necessidades do Chile”.

Nas campanhas eleitorais, também é possível ver que muitos dos que pedem uma nova Constituição querem reformar as instituições encarregadas da segurança pública, já que, em 2019, pelo menos 30 pessoas morreram, milhares ficaram feridas e o Chile foi cenário de graves violações aos direitos humanos no marco dos protestos sociais, segundo Human Rights Watch, a ONU, entre outros. De acordo com o Instituto Nacional de Direitos Humanos, 460 pessoas sofreram lesões oculares durante as manifestações devido ao uso excessivo da força policial. Delas, pelo menos duas ficaram completamente cegas.

Por outro lado, Natalia C. (que pediu não ser identificada) aposta pelo “rechazo” porque considera que “não há necessidade de escrever uma nova Constituição inteira para realizar as reformas que o país precisa”. Nas redes sociais, as pessoas que chamam a votar por essa alternativa também dizem temer que o Chile se transforme em um país “caótico” e/ou “esquerdista”.

Além disso, muitos sinalizam que votar “apruebo” seria dar um aval à destruição de patrimônio que ocorreu no marco das mobilizações sociais. É que o metrô de Santiago, várias igrejas, ruas e estátuas foram parcialmente destruídos e/ou incendiados desde outubro de 2019, mas não há informação detalhada disponível sobre quem foram os responsáveis de cada um desses atos.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Muitos ainda estão indecisos. O microempresário Javier Baltra comentou que achava melhor votar nulo porque “ambas as opções estão cheias de problemas. Aprovar pode ser sinônimo de um Estado maior, e eu acho isso problemático para a economia. E rejeitar é deixar tudo como está até agora e não sei se isso é uma boa ideia”.

Além de escolher entre as opções “apruebo” ou “rechazo” uma nova Constituição, os chilenos devem votar se desejam que a eventual Carta Magna seja escrita por uma Convenção Constitucional formada por 155 constituintes eleitos ou por uma Convenção Mista de 172 membros (metade legisladores e metade cidadãos eleitos).


A LEI ATUAL


Qualquer pessoa que não conheça a história do Chile provavelmente se surpreenderá ao saber que um país como este tenha ainda uma Constituição que foi escrita na época da ditadura militar. “Nossa, mas é um país tão desenvolvido”; “como assim?”; “sério?” foram alguns dos comentários que recebi de amigos brasileiros quando contei sobre o que está acontecendo agora.


A Constituição atual foi aprovada em um questionado plebiscito realizado no dia 11 de setembro de 1980, em plena ditadura do Pinochet, quando milhões de chilenos viviam sob o medo da repressão, sem registros eleitorais e com os partidos políticos dissolvidos.
O texto foi escrito pelo advogado constitucionalista Jaime Guzmán, um dos maiores ideólogos da direita chilena, e que foi assassinado por um comando de ultraesquerda em 1991.

Ele foi escolhido por uma comissão designada pela ditadura. Posteriormente, a redação contou com a revisão e o apoio do Conselho de Estado e a Junta Militar, composta pelos máximos chefes do Exército e o diretor da polícia, que exercia como “poder legislativo”. Guzmán criou uma série de regras muito difíceis de alterar para perpetuar seu modelo econômico e político.

Como ele mesmo disse quando escrevia a Constituição, sua ideia era que, se os adversários chegassem a governar, eles se veriam “obrigados a seguir uma ação não tão distinta ao que alguém como nós gostaria (…) que a margem seja suficientemente reduzida para fazer extremamente difícil o contrário”.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Para realizar reformas à Carta Magna, Guzmán detalhou que é necessário alcançar um quórum de dois terços ou três quintos, segundo o caso, algo que, na prática, tem sido praticamente impossível de conseguir, porque nem o oficialismo nem a oposição conta com essa quantidade de votos.

Essa Constituição também instaurou um modelo econômico, político e social neoliberal, que se adentrou na educação e na saúde privada e um sistema de aposentadoria conhecido como AFP baseado na poupança individual e que no ano passado entregou aposentadorias pelo valor de 110.000 pesos chilenos (uns US$ 140). Esse sistema, hoje sumamente questionado pela população chilena, foi elogiado pelo Ministro de Economia do Brasil, Paulo Guedes, em várias ocasiões.

Se bem que o texto legal não estabeleça especificamente que a saúde, a educação ou o sistema de aposentadoria devam ser privados, na prática, sim, impõe princípios que limitam a ação do Estado e promove a atividade privada nesses setores. Por exemplo: não existe no Chile nenhuma universidade que seja gratuita.

Segundo analistas, a Constituição atual também é hierárquica e desconecta a cidadania do poder político, porque não inclui muitos mecanismos de participação.

Ao longo da sua história, sofreu duas modificações: a primeira, em 1989, ano do fim da ditadura, quando foi derrogado um artigo que declarava “ilícitos” a grupos que realizassem “violência ou uma concepção da sociedade do Estado ou da ordem jurídica de caráter totalitário ou fundada na luta de classes”. Outra, em 2005, quando depois de um grande acordo político o presidente socialista Ricardo Lagos conseguiu alterar outros aspectos, como que os comandantes em chefe das Forças Armadas passassem a estar subordinados ao poder civil, e a eliminação de senadores designados e vitalícios. Isto permitiu que em 2006 (há 14 anos!) o Senado fosse totalmente conformado por membros de eleição popular.

Agora, se a opção “apruebo” ganhar o plebiscito, o texto não só será modificado: a sociedade poderá dar adeus à chamada “Constituição do Pinochet”. Sem dúvidas, uma decisão histórica.

Veja também: Chileno preso no RIR: desembargador reconhece ilegalidade da prisão

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Bolívia

Veja a tradução da declaração de Evo Morales

Declaração de Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, dada em 18 de outubro, dia da eleição presidencial após o golpe.

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DECLARAÇÃO DE IMPRENSA DO EX-PRESIDENTE EVO MORALES
Buenos Aires, 18 de outubro de 2020

  1. Desde a cidade de Buenos Aires, neste dia histórico, domingo, acompanho nosso povo em seu compromisso com a pátria, com nossa democracia e com o futuro de nossa amada Bolívia, de exercer seu direito ao voto em meio aos acontecimentos em nosso País.
  2. Saúdo o espírito democrático e pacífico com que se desenvolve a votação.
  3. Diante de tantos rumores sobre o que vou fazer, venho declarar que a prioridade é exclusivamente a recuperação da democracia.
  4. Quero pedir a vocês que não caiam em nenhum tipo de provocação. A grande lição que nunca devemos esquecer é que violência só gera violência e que com ela todos perdemos.
  5. Por este motivo, conclamo as Forças Armadas e a Polícia a cumprirem fielmente o seu importante papel constitucional.
  6. Diante da decisão do Tribunal Supremo Eleitoral de suspender o sistema DIREPRE (Divulgação de Resultados Preliminares) para ir diretamente para a apuração oficial, informo que, felizmente, o MAS possui seu próprio sistema de controle eleitoral e que nossos delegados em cada mesa irão monitorar e registrar cada ato eleitoral.
  7. O povo também nos acompanhará nesta tarefa de compromisso com a democracia, como o fez tantas vezes, situação pela qual somos gratos.
  8. É muito importante que todas e todos os bolivianos e partidos políticos esperemos com calma para que cada um dos votos, tanto das cidades como das zonas rurais, seja levado em conta e que o resultado das eleições seja respeitado por todos.
  9. Neste domingo, no campo, nas cidades, no altiplano, nos vales, nas planícies, na Amazônia e no Chaco; em cada canto de nossa amada Bolívia e de diversos países estrangeiros, cada família e cada pessoa participará com alegria e tranquilidade na recuperação da democracia.
  10. É no futuro que todos os bolivianos, inclusive eu, nos dedicaremos à tarefa principal de consolidar a democracia, a paz e a reconstrução econômica na Bolívia.
    Viva a Bolívia!
    Evo Morales

Tradução: Ricardo Gozzi /Jornalistas Livres

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