Por Raimundo Bonfim*, especial para os Jornalistas Livres
O que causou o golpe?
Nunca é demais lembrar que o golpe que derrubou a presidenta Dilma em 2016 foi tramado a partir dos interesses de grupos econômicos internacionais, com o objetivo de se apropriarem das riquezas nacionais, em especial petróleo, energia elétrica, minérios, água, biodiversidade e terra.
Os interesses das multinacionais encontraram eco no Brasil. Aqui contaram com amplo apoio empresarial, midiático, judiciário, parlamentar – que recorreram ao mote do combate à corrupção, à crise econômica e à falta de base parlamentar para iniciar o processo de impeachment.
Mas, para justificar o golpe faltava um elemento fundamental: o apoio das ruas. É interessante notar que nenhuma entidade ou movimento social representativo da sociedade topou participar da farsa. Então, inventaram os chamados movimentos pró-impeachment, completamente artificiais, como o MBL, Vem pra Rua, Revoltados Online e outros. A mídia golpista convocava os protestos, e esses “movimentos” assumiam o protagonismo nos carros de som, durante as manifestações.
O impeachment sem crime de responsabilidade não poderia mesmo trazer calmaria para o cenário político, pelo contrário, era previsível o acirramento político. Foi o que ocorreu desde 12 de maio de 2016, quando a presidenta foi afastada.
Desde então, o que se vê é que as principais raposas que lideram o impeachment, toda semana figuram na lista de corruptos, em especial na delação da Odebrecht, onde já surgiram os nomes de Michel Temer, Paulo Skaf (o homem do pato), Aécio Neves, Geraldo Alckmin (o santo), José Serra (o careca), Gilberto Kassab, Rodrigo Maia, Eduardo Cunha, Romero Jucá, Renan Calheiros, entre outros.
Cadê os paneleiros? Sumiram. Eles não são contra a corrupção? Só se manifestam quando é denunciado alguém do PT. Kim Kataguiri, o moralista de araque que liderava as manifestações, segundo ele contra a corrupção e pelo impeachment, quando o réu Renan Calheiros foi afastado da presidência do Senado saiu em sua defesa! É muita hipocrisia. Fascista e golpista não passarão!
O governo do golpe desfechado com o apoio de amplos setores indignados com a corrupção é –paradoxalmente– um lamaçal só. Cincos ministros já caíram por envolvimento em corrupção. Romero Jucá, que foi flagrado em vídeo tramando o fim da Operação Lava Jato para “estancar a sangria do governo”, foi premiado com o cargo de líder do governo Temer no Senado.
Ninguém tem dúvida de que Eduardo Cunha é um corrupto, mas a perda de seu mandato e a sua prisão foi uma forma de tentar engambelar a opinião pública de que o combate a corrupção é para valer, não tem seletividade.
Os vários setores continuam com o golpe em curso. A Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário, apesar das provas cabais e incontestáveis contra graúdos do PSDB e PMDB… bem, até o momento, nenhum cardeal desses partidos está preso.
Por outro lado, continua sem trégua a perseguição ao ex-presidente Lula, transformado em réu pela quinta vez. O Doutor Sergio Moro viola a Constituição e o Processo Penal, praticando condução coercitiva e gravação e divulgação de vídeos de forma ilegal e arbitrária, com total respaldo do STF – que acaba de ser desmoralizado ao patrocinar –à luz do sol– um acordo para salvar o réu Renan Calheiros.
Agenda contra os pobres
O Parlamento, isto é, o Congresso Nacional aprovou a PEC 55 – que congelará por 20 anos os investimentos nas áreas sociais, em especial saúde, educação, assistência social. Um retrocesso sem precedente na história do País.
É a chamada de PEC do teto de gasto, mas só congela os investimentos voltados para o andar de baixo. Nem de longe toca na questão do juros, sonegação fiscal e taxação das grandes fortunas. Além disso, a Câmara dos Deputados já aprovou a desastrosa reforma do ensino médio, apesar da heroica resistência dos secundaristas –que ocuparam mais de 1.200 escolas e 300 universidades por todo o País.
O pacote de maldade não chegou ao fim. O setor empresarial não satisfeito com a PEC 55 continua emparedando o governo Temer para que ele pague por completo o que foi acordado em troca do impeachment. A mídia golpista pressiona pela aprovação das reformas da previdência e trabalhistas – a machadada final na cabeça da classe trabalhadora.
Passados sete meses de golpe, o povo começa a se dar conta de que, longe de combater a corrupção, recuperar a economia e gerar empregos, o bando que tomou de assalto o governo da presidenta Dilma, está retirando direitos, cortando recursos das áreas sociais e levando o País ao caos e à convulsão social.
A promessa de trazer de volta a confiança dos investidores para recuperar a economia e gerar emprego virou um pesadelo para os trabalhadores.
A economia está em frangalhos. Todos os ramos estão se deteriorando. A indústria transita da recessão para a depressão. A estimativa é fechar 2016 com retração econômica de 3,4%. O BNDES reduziu seu desembolso em 35%.
Os investimentos caíram 29%. O resultado é que, segundo IBGE, o desemprego soma 12 milhões de desempregados. Em 2017 pode chegar a 13% da população, aproximadamente 15 milhões de desempregados.
Vários estados e municípios quebrados, sem condições de pagar até mesmo o 13º salário do funcionalismo, expõem a fratura aberta: já se vêem cenas de protesto, desespero e revolta em milhares de pais e mães de famílias que ficaram sem receber seu salário, justamente no final de ano, quando mais precisam.
Mais de 20 estados da federação não conseguiram fechar as contas em 2016. O Rio de Janeiro cortou até o aluguel social de famílias sem teto e o programa bom prato voltado para os mais pobres, um sintoma do agravamento da crise econômica e social pela qual atravessamos.
Sem legitimidade e sem tirar o país da crise, Michel Temer intima a base governista a votar, com urgência, o restante das medidas prometidas durante o golpe, tentando sinalizar para os segmentos que a sustentam (incluindo o capital e a mídia golpista), que o governo tem apoio para se sustentar até 2018, ante o fantasma da cassação de seu mandato pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Diante do ilegítimo governo Temer e do golpe contra os direitos, em 2016, procuramos aglutinar a esquerda e os movimentos sociais para oferecer a resistência popular nas ruas, mesmo em ano eleitoral.
Em nossas mobilizações e ações procuramos expor à classe trabalhadora e à sociedade de um modo geral o caráter neoliberal e conservador das medidas adotadas pelo governo golpista. As grandes mobilizações unitárias das Frente Brasil Popular e Povo Sem Medo, mobilizações do movimento secundarista, dos professores, dos servidores públicos em vários estados, tornaram-se marcas da resistência popular em 2016.
Explodem também manifestações em todo o País, em defesa da educação, contra o desmonte do SUS, por habitação popular, reforma agrária e outras reinvindicações justas.
Cresce no País o questionamento e a denúncia da ilegitimidade do governo usurpador e a resistência aos ataques aos direitos sociais, através das mais variadas formas de lutas.
O governo federal em conluio com os a maior parte dos estaduais, com raras exceções, numa tentativa de sufocar as manifestações, tem usado a extrema repressão policial.
Em sete meses de governo umas das principais marcas de Temer é a repressão seletiva às manifestações contra o impeachment e a retirada de direitos, além da criminalização dos movimentos sociais que não se rendem ao golpe e se insurgem contra o retrocesso social.
E qual nossa tarefa para 2017?
Em 2016, apesar de avaliarmos que conseguimos cumprir um papel fundamental na resistência, claramente isso não foi suficiente para impedir o avanço da agenda contra a classe trabalhadora.
Para 2017, temos que ir além da mobilização da militância e da vanguarda da classe. É imperioso dar um passo a mais. É preciso envolver a classe para alterarmos a correlação de forças – condição sine qua non para a derrota do governo Temer.
Os índices de popularidade de Temer estão muito baixos. E caem sem parar. A Frente Brasil Popular, reunida nos dias 7 e 8 de dezembro, deliberou por impulsionar o Fora Temer e encampar a bandeira das Diretas Já, ou seja, eleição direta para presidente da República.
Em 2017, é nossa tarefa aumentar as mobilizações e a resistência contra a retirada dos direitos, em especial contra o desmonte da legislação trabalhista, mas também colocar claramente a discussão sobre a antecipação das eleições para presidente e o fim do mandato desse presidente ilegítimo.
Setores que deram o golpe já discutem qual é a saída, ante o envolvimento em corrupção do próprio presidente, e no caso de a crise inviabilizar a permanência de Temer. Mas esses setores apostam em eleição indireta, o que jogaria o País numa crise de paralisia sem saída.
Defendemos eleição direta para que se restaure a soberania do voto popular. O Brasil precisa de um presidente que estanque a agenda de ataques aos direitos sociais e recoloque o País na rota do crescimento econômico, geração de emprego, distribuição de renda e investimentos na infraestrutura e nas áreas sociais.
Se o golpista não renunciar, nem tiver seu mandato cassado pelo TSE, ainda terá de enfrentar um pedido de impeachment protocolado no dia 8 de dezembro por 17 lideranças de movimentos sociais. Assinei o pedido de impeachment.
Para 2017, a Central de Movimentos Populares (CMP) e a FBP continuarão denunciando o estado de exceção, antipopular, antinacional e antidemocrático, que restringe o direito de defesa, ameaça as liberdades, persegue lideranças políticas, líderes de movimentos sociais e o ex-presidente Lula.
Mas é preciso dar um passo à frente.
Diante da maior derrota da esquerda e da ascensão da direita nas eleições municipais de 2016, além do esgotamento do projeto neodesenvolvimentista dos últimos 13 anos, é chegada a hora de colocarmos parte de nossas energias na formulação de um projeto popular para o Brasil, que dê prioridade ao desenvolvimento, à distribuição de renda, ao enfrentamento das desigualdades sociais, à Democracia.
Também é inadiável a defesa de uma Reforma Política para reformar o Estado Brasileiro. Nesse sentido é necessário desde já que iniciemos a agitação e propaganda em defesa de uma Constituinte Exclusiva, pois não podemos nos iludir sobre a absoluta impossibilidade de o atual congresso nacional fazer uma Reforma Política que atenda aos interesses e às reivindicações da classe trabalhadora.
A complexidade e a velocidade dos acontecimentos em 2016 nos dá a sensação de termos enfrentado um terremoto. Mas não resta dúvida que em 2017 temos que nos preparar para resistir a um tsunami. E o único jeito de fazê-lo é com unidade e luta. Nas ruas.
*Raimundo Bonfim é coordenador geral da CMP (Central de Movimentos Populares) e integrante da coordenação nacional da FBP (Frente Brasil Popular).