Denúncia contra Haddad faz democracia valer menos que R$ 14 milhões

O promotor Wilson Tafner. Ele ouviu três delatores premiados e pretende melar a eleição nacional para resguardar R$ 14 milhões da cidade de São Paulo

A Promotoria de Justiça do Patrimônio Público de São Paulo denunciou na última terça-feira (28) por improbidade administrativa o candidato a vice-presidente pelo PT Fernando Haddad, por irregularidades supostamente por ele cometidas enquanto era prefeito de São Paulo, entre 2012 a 2015.

Pena requerida: bloqueio imediato dos bens do ex-prefeito de São Paulo, proibição de exercer qualquer cargo público, perda, por dez anos, dos direitos políticos e de ter qualquer negócio ou relação com qualquer entidade pública, com a interferência esperada no processo eleitoral presidencial brasileiro.

O inquérito e a denúncia à Justiça são de responsabilidade do promotor Wilson Ricardo Coelho Tafner. O texto de acusação é um documento público, disponível para quem quiser ler, inclusive em sites jornalísticos. Basta clicar aqui. São 177 páginas. Tudo o que se expõe nesta reportagem tem como fonte o referido documento.

Tafner deu início a seus trabalhos investigatórios no segundo semestre do ano passado (página 5). Por meio deles, afirma ter desvendado um ato de improbidade travestido em doação para campanha eleitoral. Uma empreiteira teria pago uma conta de R$ 2,6 milhões da campanha de Fernando Haddad para a prefeitura de São Paulo em 2012 buscando obter favores do então prefeito.

 

O ato de improbidade “em potencial”

Também afirma que não é possível definir de forma inquestionável quais foram as vantagens que a empreiteira teria recebido por doar para a campanha de Haddad. Mas, afirma que o ex-prefeito cometeu ato de improbidade de qualquer jeito, porque teria prometido alguma vantagem, e mesmo que no final não a tenha concedido, teria cometido ato de improbidade, só pelo fato do doador ter “potencial possibilidade de ter seus interesses atendidos pelo gestor público”. Está na página 104.

O promotor faz a acusação e nela inclui pedidos cautelares, quer dizer, pede que a Justiça, antes mesmo de se aprofundar no tema do processo e tomar qualquer decisão, já tome determinadas medidas de antemão contra a pessoa investigada, a fim de preservar bens ou direitos que possam estar sendo ameaçados. Então, no caso do promotor Tafner, ele requer que se bloqueie imediatamente os bens do ex-prefeito em R$ 14,1 milhões, que seria o valor que a empresa teria doado para sua campanha esperando receber favores, acrescido de juros, multas, custas processuais, etc. O candidato a vice-presidente Fernando Haddad declarou à Justiça Eleitoral um patrimônio de R$ 428 mil.  

O pedido de bloqueio que faz Tafner é “inaudita altera parte”, termo em latim que, em tradução livre, seria algo como “sem ouvir a outra parte”, sem ouvir o que a defesa tem a dizer antes de executar o bloqueio e, nas palavras do próprio promotor, “inclusive antes da notificação para apresentação de defesa preliminar” (página 172).

Assim, se atendida a pretensão do promotor, haveria interferência no processo eleitoral, na medida em que o candidato a vice-presidente da chapa que lidera todas as pesquisas passaria a ter que fazer campanha com a totalidade de seus bens bloqueados.

Tafner afirma não ignorar esses fatos, pelo contrário. Apesar disso, é um promotor do patrimônio público da capital paulista, e só age em sua defesa. Assim, explica, na página 154, por que é preciso bloquear todos os bens de um candidato a vice-presidente:

“É medida indispensável para assegurar o resultado útil do processo; o devido ressarcimento do erário, da moralidade pública, conspurcada pela prática dos atos ímprobos aqui apontados.” (grifo do autor)

Como afirma Tafner, seu interesse no processo é só defender o patrimônio de São Paulo. Isso não impede, porém, que ele expresse, no processo, sua contrariedade com a insistência do Partido dos Trabalhadores em concorrer em eleições.

“E, ainda, quando o Partido de HADDAD perde a administração federal e ele, a Prefeitura de São Paulo, não havendo quem por ele falasse (…), ele assume o protagonismo de ir às redes sociais e, buscando o que lhe restava de capital político com os militantes, pede, em nome próprio, doações para a quitação das dívidas da campanha de 2.016.

E mesmo ante as delações dos dirigentes da UTC/CONSTRAN, da ODEBRECHT, dos marqueteiros Monica Moura e João Santana sobre como foi feito o financiamento e pagamento de suas dívidas de campanha anterior, novamente, sai como candidato para o mais elevado cargo executivo da nação!

Os grifos são do próprio autor, estão na página 106. Na seguinte, o promotor explica que o fato de Fernando Haddad desconhecer qualquer esquema parecido com aquele por ele narrado pode ter, na verdade, outra significação:

“Sua pretensa cegueira – na verdade, deliberada, dolosa – demonstra que tinha pleno domínio do fato acerca da vantagem indevida que recebeu (no importe da impressionante cifra de DOIS MILHÕES E SEISCENTOS MIL REAIS), da qual era o principal beneficiado, no cargo de Prefeito da maior cidade do país; ou seja, o pagamento de SUA DÍVIDA DE CAMPANHA, por empresa que tinha interesses diretos na sua gestão,!”

As letras maiúsculas são do próprio autor. 

 

O promotor trabalha em nome do interesse do patrimônio público paulistano, mas não se furta ao direito de dizer o que acha do fato de o PT querer concorrer em eleições

 

O crime, a vítima, o réu

A tese de improbidade sustentada pelo promotor tem origem em outro processo, que corre na Justiça federal. O promotor paulista solicitou e o obteve o empréstimo dos autos (depoimentos, documentos, perícias) desse processo para, somando às suas próprias diligências, abrir uma nova ação judicial dentro de sua competência, ou seja, defesa do patrimônio da cidade de São Paulo.

O inquérito original tratava de questões eleitorais. Baseado em delações premiadas do empreiteiro Ricardo Pessoa e de um diretor de sua empreiteira, a UTC Engenharia, investigava doações e contas eleitorais de campanhas do Partido dos Trabalhadores.

Quando abriu seu inquérito local, Tafner requereu aos delatores premiados da empreiteira e a um operador financeiro que completassem seus depoimentos abordando os assuntos que a promotoria paulista estava tratando. São eles, Ricardo Pessoa, o diretor da UTC  Walmir Santana e o doleiro delator originário da Operação Lava Jato, Alberto Yousseff.

Ele ouviu suas testemunhas no último dia 9 (página 10). A oitiva dessas três testemunhas, três delatores premiados, é a única contribuição do promotor paulista ao processo. Todo o resto vem da ação eleitoral. Os testemunhos colhidos no dia 9 deste mês, então, levaram o promotor a ter convicção suficiente para, em duas semanas, formatar e escrever uma denúncia de 177 páginas, que inclui o pedido de bloqueio integral dos bens de um candidato a vice-presidente da República. É tal a urgência em proteger o erário paulista.

O que disseram os delatores premiados? O que o promotor já desconfiava: que, sim, conforme a denúncia, a empreiteira pagara uma conta de campanha de Haddad de R$ 2,6 milhões para, com isso, obter vantagens ilícitas em contratos com a prefeitura de São Paulo.

Não consta nas 177 páginas da denúncia, porém, quais seriam as vantagens que foram obtidas. O promotor, então, elenca possibilidades. A principal delas é uma obra contratada pela gestão Kassab de um terminal rodoviário em Itaquera, na zona leste de São Paulo, de R$ 415 milhões, ou, nas palavras do promotor, “QUASE MEIO BILHÃO DE REAIS” (página 42). A UTC tinha participação minoritária no consórcio que tocava a obra, que estava enfrentando contestações judiciais. Assim, diz o promotor, o ato de improbidade de Haddad teria “feito andar aquela obra de R$ 415 milhões”, mesmo que sob contestações judiciais, como contrapartida à empreiteira pelo pagamento de sua conta de campanha de R$ 2,6 milhões.

Não há na denúncia, contudo, nada nem perto de indicar que o ex-prefeito tenha engendrado qualquer esforço ou cometido qualquer tipo de ato nesse sentido.

De qualquer forma, como afirma o promotor, basta que exista o potencial de ajudar a empreiteira por meio de um ato ilícito para que se possa considerar consumado o ato de improbidade.

Assim, só um elemento é a fonte da acusação do Ministério Público: os delatores premiados. Resumindo o que consta nas páginas do promotor:

  • Ricardo Pessoa diz que seu diretor financeiro pagou ao doleiro Alberto Yousseff a quantia de R$ 2,6 milhões, para que este repassasse a um dono de uma gráfica, em pagamento a um serviço prestado à campanha de Haddad. Ele não sabe que serviço é esse. Ele afirma que nunca conversou com Haddad sobre qualquer acordo de pagamento de contas eleitorais, nem de favorecimento nesta ou naquela obra. Ele diz que quem lhe informou que aquele dinheiro era para pagar uma conta da campanha de Haddad é um ex-deputado estadual do PT. Ele diz que aceita pagar porque espera manter boas relações com o PT e com a prefeitura de São Paulo, porque tem muitas obras acontecendo na cidade, e ele tem interesse em obter contratos nesse mercado. Ele não sabe dizer se chegou efetivamente a obter qualquer tipo de vantagem para sua empresa graças a esse pagamento. Também não pode afirmar que o dinheiro foi efetivamente destinado ao pagamento da conta de Haddad, conforme lhe havia dito o ex-deputado estadual.
  • O diretor Walmir Santana confirma tudo o que diz seu empregador, e informa que era ele quem efetuava os pagamentos dos R$ 2,6 milhões que iam parar com Alberto Yousseff. Que fazia estes pagamentos a um terceiro que afirmava que estava ali em nome dos interesses de Fernando Haddad.
  • Alberto Yousseff confirma integralmente a versão e diz que o dinheiro entrava na chamada “caixa-geral de propina do governo federal”, que o PT mantinha com todos os empreiteiros, e que o ex-tesoureiro João Vaccari Neto lhe disse que especialmente aquele dinheiro iria pagar conta da campanha de Haddad.

Quem também já tinha falado a respeito do episódio é o dono da gráfica em questão, que teria recebido o dinheiro por serviços prestados à campanha de Haddad. Afirmou que nunca recebeu qualquer quantia por parte de Alberto Yousseff ou quem quer que seja em pagamento a serviços para a campanha de Fernando Haddad. Ele já tinha dado este testemunho no processo eleitoral do qual Tafner emprestou os autos. Nesta ação contra o ex-prefeito, o promotor preferiu não ouvi-lo.

É este o resumo das 177 páginas da ação de improbidade contra o ex-prefeito Fernando Haddad, do PT.

Vale a leitura.  

COMENTÁRIOS

POSTS RELACIONADOS

Os significados políticos da transição

A tal “judicialização da política” que começou a desestabilizar os governos petistas, que derrubou Dilma e levou Lula à cadeia, agora joga a favor do PT