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Ditadura

CORPORATIVISMO: MPF encampa perseguições e denuncia novo reitor da UFSC

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Reitor Ubaldo Balthazar, recém-empossado, jursita de conduta ilibada, é o novo perseguido pelos agentes federais em Santa Catarina

Apesar das manifestações generalizadas no país condenando a perseguição a professores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o Ministério Público Federal no estado encampou as intimidações da Superintendência da Polícia Federal. Na tarde desta sexta-feira, o procurador da República, Marco Aurélio Dutra Aydos denunciou o reitor recém-empossado, Ubaldo César Balthazar, 65 anos, e o chefe de gabinete da Reitoria, Áureo Mafra Moraes, 54 anos, por terem permitido manifestação da comunidade universitária com uma faixa que “fere a honra funcional da delegada Érika Mialik Marena”, responsável pela prisão abusiva do reitor que levou o então Luiz Carlos Cancellier ao suicídio.

Dizendo-se “amparado nos elementos de convicção colhidos no inquérito” da PF, o procurador extrapola a mera apresentação da denúncia ao propor a condenação dos réus com uma pena de detenção de “40 dias a oito meses” e uma indenização por danos morais de no mínimo R$ 15 mil para cada réu, estipulada pela ofendida que, segundo ele, “se mostra bem razoável”. Na prática, Balthazar e seu chefe de gabinete são incriminados por não terem proibido à força protesto pacífico da comunidade universitária contra a prisão abusiva e a suspensão dos direitos jurídicos que levaram o reitor Luiz Carlos Cancellier à morte. Na denúncia, o procurador afirma que a faixa “As faces do poder”, com a foto da delegada Érika Marena e de outros agentes federais questionados pelos abusos em cerimônia que comemorava os 57 anos de aniversário da UFSC, ofende a “honra funcional” da atual superintendente da PF de Sergipe. Os Jornalistas Livres apuraram que pelo menos dois procuradores do MPF em Santa Catarina estão insatisfeitos com a intervenção indevida do órgão neste e em outros processos contra professores e dirigentes da UFSC, jornalistas e militantes sociais que criticaram os abusos de poder relacionados à prisão e morte do reitor Luiz Carlos Cancellier. Apesar da conduta de procuradores vedar manifestação político-partidária, Marco Aurélio Aydos participou das manifestações pela interrupção do mandato democrático de Dilma Rousseff e fez campanha em sua página do Facebook pelo impeachment (veja fotos ao final da matéria).

No palco: delegada da Polícia Federal afastada do olho do furacão da famigerada Operação Ouvidos Moucos, em Santa Catarina, mas promovida a superintendente da PF em Sergipe logo após a morte do reitor. Nome da Lava-Jato em Curitiba, protegida pela corporação

A denúncia  do procurador (leia na íntegra) reproduz a acusação da Polícia Federal, que abriu inquérito para investigar o chefe de gabinete e professor do Curso de Jornalismo da UFSC, Áureo Mafra de Moraes, por ter concedido uma entrevista à TV UFSC mantendo a faixa no fundo em que aparecem também os titulares regionais do Ministério Público Federal, o procurador-chefe André Bertuol, a juíza que autorizou o pedido de prisão, Janína Cassol, o superintendente da Controladoria Geral da União, Orlando de Castro e o corregedor geral da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado, que intrigou o reitor na PF acusando-o de tentar obstruir as investigações. O órgão não se deteve com as manifestações no país sobre o caráter abusivo e corporativista da Polícia Federal nas intimidações contra o chefe de gabinete da UFSC, endossando a ação contra ele, como ofereceu denúncia também contra o reitor Ubaldo Balthazar, considerado um jurista de conduta irretocável, que nunca foi repreendido ou processado em sua carreira acadêmica.

No sábado (17/8), ao nomear a equipe de gestão da UFSC, o reitor disse que seu sonho era que a universidade perdesse o medo e recuperasse sua liberdade e sua harmonia. Em entrevista exclusiva aos Jornalistas Livres, ele e o chefe de gabinete afirmaram que a UFSC não se intimidaria mais, que lutaria contra os novos abusos de poder contra o reitor e os demais professores afastados da universidade sem provas e se mobilizaria para defender a sua autonomia. “Estamos vivendo um momento de total violação do Estado de Direito e das garantias jurídicas do cidadão”, acrescentou Moraes. Balthazar também anunciou que, no seu devido tempo, a universidade entraria com medidas jurídicas para reaver a honra e a justiça para o reitor Luiz Carlos Cancellier, cujo suicídio vai completar um ano no dia 2 de outubro. Na cerimônia de posse, o presidente da Andifes Reinaldo Centoducatte, ofereceu o apoio incondicional de todas as instituições federais contra a violência sofrida pela UFSC.

Manifestação do dia 18 de dezembro na UFSC que deu origem às investidas da PF , agora agasalhadas pelo MPF

Ao vir à tona na grande mídia e na mídia independente, as perseguições da PF contra o reitor Balthazar, que foi obrigado a depor no inquérito contra seu chefe de gabinete, foram condenadas pela OAB, pela Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior, por dirigentes de diversas entidades e instituições democráticas e até pelo ministro do STF Gilmar Mendes, segundo quem o ministro da Justiça Torquato Jardim deveria tirar satisfações da PF sobre esse tipo de intimidação inaceitável, de quem “não tem o menor cuidado com a honra dos outros”. Todavia, ao respaldar a indignação pública de tantos setores jurídicos e instituições democráticas, o ministro Gilmar Mendes não foi processado nem denunciado pelas suas declarações à imprensa. Faltou coragem?

Segundo informações na Reitoria, a ofensiva do MPF de Santa Catarina já era aguardada, pois o órgão vinha agindo junto com a Polícia Federal para encobrir os crimes de abuso de poder da desastrosa “Operação Ouvidos Moucos”, tendo inclusive feito intimidações pessoais contra a vice-reitora Alacoque Erdmann Lorenzini para revogar a exoneração do corregedor geral. Sobre o novo capítulo desse pesadelo kafkiano, o chefe de gabinete Áureo Moraes confirmou que a intimidação já era esperada: “Estamos tranquilos porque em nenhum momento ofendemos as instituições, a Polícia Federal, o judiciário ou o Ministério Público. Não há o que temer”. Moraes acrescentou que tanto ele quanto o reitor, que viajou para uma formatura no Campus da UFSC de Araranguá, no Sul do Estado, defendem autonomia constitucional da universidade, o fortalecimento da democracia e o respeito à liberdade e ao direito de expressão da comunidade no ambiente universitário. “Não nos cabe censurar as reações em’ protesto aos abusos que sofremos, nem cercear esse tipo de manifestação que partiu da comunidade, e não da reitoria”.

Ministro da Justiça deposto pelo golpe de Estado, Eugênio Aragão: “Ação corporativista, abusiva e desumana”

Em entrevista exclusiva aos Jornalistas Livres, o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão afirmou qualificou a ação proposta pelo procurador como absolutamente sem substância e incabível. Segundo ele, não se pode considerar uma alegação de injúria pessoal, no caso contra a delegada Érika Marena, como uma questão de interesse público, que mereça a mobilização de um órgão como o MPF.  “É CLARAMENTE uma atuação CORPORATIVISTA, ABUSIVA, sem a MÍNIMA CONSIDERAÇÃO PELA DOR DA COMUNIDADE pela perda de Cancellier. É um sinal de DESUMANIDADE e sobretudo de ABUSO DE AUTORIDADE!”

Empossado em 27 de julho pelo novo ministro da Educação, Rossieli Soares, Ubaldo César Balthazar foi eleito em fevereiro deste ano para substitui o reitor morto após sua prisão preventiva em presídio de segurança máxima, quando teve sua reputação devassada por um processo calunioso sobre o roubo de R$ 80 milhões alimentado na mídia e nas páginas oficiais da Polícia Federal. Detido em casa de manhã cedo por 105 policiais, ainda enrolado numa toalha de banho, sem nenhum processo constituído, nem direito à defesa, o também jurista Luiz Carlos Cancellier de Olivo, que nunca respondeu a um processo administrativo sequer, foi banido do cargo de reitor e proibido de se aproximar da universidade. Ele cometeu suicídio no dia 2 de outubro,18 dias após ser preso acorrentado nos pés e algemado nas mãos e ter sido humilhado nu diante dos outros presos. Deixou um bilhete no bolso com os dizeres “Minha morte foi decretada no dia em que fui banido da universidade!!!”. Em outro bilhete destinado somente aos familiares, afirmou que não era mais capaz de suportar a dor pelo processo de perseguição jurídica e midiática a que fora submetido.

Imagem do início da cerimônia prova que faixa foi acrescentada depois pelos manifestantes à programação oficial. Foto: Raquel Wandelli

 

Leia na íntegra a avaliação do jurista Eugênio Aragão:

“A ação proposta pelo procurador Marco Aurélio de Dutra Ayres é absolutamente sem substância. Na verdade, trata-se ali quando muito de uma injúria porque ali não há atribuição de fato, nem nada. A questão que todo mundo sabe é que Érika Marena foi a grande responsável pela prisão do então reitor Cancellier e isso foi devidamente colocado na imprensa, não tem nenhuma dúvida a respeito disso. A inconformação das pessoas na universidade com essa situação pode eventualmente incorrer em excessos que vão pra injúria. E a injúria diz respeito sobretudo à honra subjetiva. Não é um assunto para se abrir nem inquérito e muito menos o Ministério Público sair querendo fazer denúncia. Isso é algo que se resolveria pela própria Érika Marena, se ela se sentisse ofendida pessoalmente. E além disso ela poderia ela mesma buscar a reparação de danos e não colocar essa reparação dos danos como se fosse uma questão de interesse público para mobilizar o Ministério Público da República. Então o que se tem aqui é claramente uma atuação corporativista, abusiva, que, na verdade não tem a mínima consideração pela dor da comunidade pela perda de Cancellier. É um sinal de desumanidade e sobretudo de abuso, de abuso de autoridade!”. 

(Publicação do MPF de Santa Catarina)

MPF denuncia reitor e chefe de gabinete da UFSC por ofenderem delegada da PF

Justiça Federal de Florianópolis vai examinar as acusações que pedem a condenação por ofensa à honra

CRIMINAL
24 DE AGOSTO DE 2018 ÀS 16H15

Depois de avaliar elementos colhidos em inquérito policial, o procurador da República Marco Aurélio Dutra Aydos, do Ministério Público Federal (MPF) em Santa Catarina, ofereceu denúncia contra o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Ubaldo Cesar Balthazar, e o chefe de gabinete da reitoria, Áureo Mafra de Moraes, por ofenderem a “honra funcional” da delegada da Polícia Federal Érika Mialik Marena. O procurador pede à Justiça Federal que os réus sejam condenados às sanções penais cabíveis e à reparação do dano moral.

O procurador disponibilizou a íntegra da denúncia 5015425-34.2018.404.7200 e não concederá entrevistas sobre o assunto por motivo de segurança institucional.

Assessoria de Comunicação
Ministério Público Federal em SC

 

PROCURADOR FEZ CAMPANHA PELO IMPEACHMENT DE DILMA

“Procurador que denunciou reitor por não censurar manifestação contra PF possui blog com fotos em protestos golpistas”

Publicado em 25 agosto, 2018

Apesar da conduta de procuradores vedar manifestação político partidária, Aydos deu publicidade a sua participação nos atos que interromperam o mandato democrático de Dilma Rousseff

O procurador da República Marco Aurélio Dutra Aydos impediu “manifestantes não identificados” de “ofender a honra funcional da Representante Delegada da Polícia Federal Érika Mialik Marena” através do MPF. Ele é dono de um blog que conta sua própria história e traz imagens de protestos de 2013 contra a PEC 37, que poderia aumentar a atuação da polícia judiciária e foi chamada por promotores de “PEC da Impunidade”, e as manifestações de 2015 que resultaram no golpe contra Dilma Rousseff.

A Corregedoria Nacional do Ministério Público recomenda a vedação da atividade político-partidária, o uso das redes sociais e do e-mail institucional por parte dos promotores de Justiça e procuradores da República. Marco Aydos parece que não segue essa recomendação geral.

Atuação do procurador da República Marco Aurélio Dutra Aydos no processo de impeachment em seu blog. Foto: Reprodução/Marcoaydos.wordpress

Seu pai, Eduardo Aydos, pedia o impeachment de Lula desde 2006, em um livro sobre o ex-presidente e seu governo.

 

“NÓS VAMOS LUTAR E RESISTIR CONTRA OS ABUSOS DE PODER”, afirma novo reitor

Cobertura ao vivo da posse da nova gestão da UFSC em 17/08/2018.  Entrevista a reitor Ubaldo César Balthazar, chefe de gabinete Áureo Moraes, presidente da Andifes, Reinaldo Centoducatte, o irmão do reitor, Júlio Cancellier, ex-reitor Álvaro Prata e pró-reitora de Cultura Maria Borges.

Cerimônia de posse da reitoria no sábado (17/8). Entrevista ao reitor e ao chefe de gabinete Áureo Moraes

 

Ditadura

Volkswagen recusa local de memória

Para fugir do passado criminoso, empresa tenta fugir de reparação coletiva que crie um local de memória aos seus operários perseguidos dentro da empresa

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A Volkswagen, empresa automotiva alemã, tenta escapar da criação de uma reparação coletiva e pública, um memorial para os seus operários, vítimas de perseguição, tortura e sequestro dentro da empresa, durante a ditadura civil-militar brasileira. As denúncias contra a empresa foram apresentadas em setembro de 2015, por iniciativa do Fórum de Trabalhadores por Verdade, Justiça e Reparação. Além disso, existem outras acusações sobre a colaboração ativa, assim como denúncias de exploração de mão de obra escrava, leia mais no artigo abaixo.

Por Murilo Leal e Gabriel Dayoub, especial para os Jornalistas Livres

Há 5 anos, a Volkswagen enfrenta um Inquérito Civil Público que a investiga por graves violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura civil-militar brasileira. É o primeiro caso do tipo no Brasil, em que uma empresa é formalmente acusada por crimes em conjunto com o regime autoritário. Após anos de uma difícil negociação, a montadora segue criando novas dificuldades, impedindo a chegada num acordo e sabotando o pilar central da reparação por seus crimes: a constituição de um espaço de memória dos(as) trabalhadores(as).

O Inquérito é uma operação conjunta do Ministério Público Federal, Ministério Público do Estado de São Paulo e Ministério Público do Trabalho. Foi motivado por denúncia apresentada em setembro de 2015, por iniciativa do Fórum de Trabalhadores por Verdade, Justiça e Reparação. A pesquisa, que deu continuidade aos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (2012-2014) e da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo – Rubens Paiva (2012-2015), foi realizada pelo IIEP e teve o apoio unitário de todas as Centrais Sindicais brasileiras, juristas e personalidades da luta por direitos humanos.

Um rastro de crimes da Volkswagen

As investigações comprovaram que as violações cometidas pela empresa faziam parte de um método sistemático de intimidação dos trabalhadores nas fábricas, inibindo sua organização política e em movimentos reivindicatórios. Seu Departamento de Segurança Industrial foi chefiado por 30 anos pelo Coronel Adhemar Rudge, militar com relações estreitas com a repressão política. Prisões de funcionários pela polícia política com a participação direta da empresa foram registradas com dois depoimentos muito contundentes, de Lúcio Bellentani e Heinrich Plagge. No caso de Lúcio, as sessões de tortura se iniciaram no interior da fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo, com a participação do Departamento de Segurança Industrial. Os dois foram sequestrados em 1972, numa onda de capturas que atingiu mais de 10 militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) que trabalhavam na fábrica.

A montadora participou, ainda, como membro mais ativo e espécie de coordenadora, de organismos que reuniam grandes empresas e órgãos da repressão política para trocas de informações. Dentre eles, o mais bem documentado é o Centro Comunitário de Segurança do Vale do Paraíba, região industrial estratégica no interior de São Paulo. Nas diversas atas de reunião encontradas, fica comprovada a participação de grandes empresas, como Caterpillar, Ford, General Motors, Kodak, Rhodia, Villares, Embraer e Petrobras, do Exército, da Aeronáutica e das Polícias Militar, Civil e Federal.

A Volkswagen enfrenta, ainda, fortes questionamentos em relação a seu famoso empreendimento na Amazônia, a Fazenda Vale do Rio Cristalino, iniciado em 1974. Construída com forte incentivo da ditadura brasileira, a Fazenda pretendia estabelecer um novo modelo de exploração pecuária. Foram desmatados 4.000 hectares, num crime ambiental de proporções gigantescas. A empresa valeu-se, ainda, da exploração de mão de obra escrava para sua fazenda “modelo”, como comprovado em 1983 por comissão da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, encabeçada pelo Deputado Expedito Soares (PT-SP). A expedição foi realizada a partir de denúncia do Padre Ricardo Resende, da Comissão Pastoral da Terra, que acompanhou e testemunhou trabalhadores amarrados e jagunços armados na Fazenda [1].

Caso ainda mais nebuloso é o de Franz Paul Stangl. Responsável por chefiar os campos de extermínio de Sobibór e Treblinka na Polônia ocupada pelo III Reich alemão, Stangl conseguiu escapar por uma das muitas rotas de fuga criadas para proteger os grandes criminosos de guerra do nazismo. Após passar pela Síria, chegou ao Brasil em 1951 com documento de refugiado emitido pela Cruz Vermelha. Em 1959, Stangl passou a trabalhar na Volkswagen do Brasil, sempre com seu nome verdadeiro. Embora tivesse um gigantesco aparato de segurança e repressão interno, em conexão direta com o Estado brasileiro, a montadora nega que soubesse do passado sombrio de seu funcionário. Stangl seria localizado graças à ação de Simon Wiesenthal, o “caçador de nazistas”. Foi preso em 1967 e teve sua extradição solicitada pela Áustria, Polônia e República Federal da Alemanha. Em entrevista ao jornalista Marcelo Godoy, José Paulo Bonchristiano, chefe da Divisão Política do Dops de São Paulo e responsável pela prisão do nazista a pedido da Interpol, mencionou o incômodo da empresa durante a captura [2]. A Volkswagen chegou a recomendar um advogado para a defesa de Stangl, que acabaria condenado pelo assassinato de 400 mil pessoas.

Da participação na ditadura à saudação de Bolsonaro

Ainda hoje, figuras importantes da história da Volkswagen não escondem seu apreço por regimes ditatoriais, como registrado no documentário Cúmplices [3], produzido em 2017. É o caso, por exemplo, de Jacy Mendonça, executivo que chefiou a área de Recursos Humanos da montadora, que qualificou a ditadura como “um período extraordinariamente positivo” para as empresas e para o Brasil, “porque havia ordem”. Ou Carl Hahn, presidente do Grupo Volkswagen entre 1982 e 1993, que afirmou que na época não se inquietou com o golpe militar de 1964 e que não se recordava que os dirigentes da Volkswagen tivessem “chorado pelo desaparecimento da democracia”. Sua lembrança coincide com a opinião expressa à época por Werner Shmidt, presidente da empresa no Brasil de 1971 a 1973, que declarou à imprensa alemã: “É claro que a polícia e os militares torturam prisioneiros. Dissidentes políticos (…) são assassinados. Mas uma análise objetiva deveria sempre ter em conta que as coisas simplesmente não avançam sem firmeza. E as coisas estão avançando” [4].

Recentemente, a companhia fez um investimento de R$2,4 bilhões no Brasil, em excelente relação com o atual governo brasileiro. Após a eleição de Jair Bolsonaro – numa campanha marcada pelo saudosismo da ditadura militar, pelo elogio à tortura e pelo anticomunismo – diretores da Volkswagen registraram o apoio da empresa ao “recomeço do Brasil”, posaram para fotos com o governador do Rio de Janeiro, o então bolsonarista Wilson Witzel. O argentino Pablo de Si, presidente da Volkswagen na América Latina, saudou com entusiasmo a chegada da extrema-direita ao poder [5].

A reparação necessária

O Inquérito Civil Público que investiga a empresa foi instaurado em setembro de 2015, coincidindo com o escândalo do Dieselgate, que colocou a Volkswagen na mira da opinião pública mundial. Após uma fase de desprezo pelo procedimento, a pressão pública obrigou a companhia a iniciar uma negociação com as autoridades brasileiras. Para a tentativa de uma reparação pelos crimes cometidos, foram elencados pontos caros à Justiça de Transição.

Entre os diversos pontos levantados, destacamos a constituição de um espaço de memória, dedicado à luta da classe trabalhadora contra a ditadura e à participação empresarial no golpe de 1964 e em violações de direitos humanos durante o regime. A tentativa de constituir esse local – que vem sendo sistematicamente sabotada pela empresa – faz parte de um compromisso firmado entre as Centrais Sindicais brasileiras e todos os que participaram do GT Ditadura e repressão aos trabalhadores e ao movimento sindical (GT-13) da Comissão Nacional da Verdade, como registrado nas recomendações do grupo à CNV. Sela, ainda, a compreensão comum construída: o golpe de 1964 não foi uma quartelada, mas uma ação de classe que contou com a participação ativa do empresariado nacional e transnacional e suas organizações, rebaixando os padrões de vida da classe trabalhadora, destruindo suas organizações e maximizando lucros. Daí a centralidade do registro da classe trabalhadora como sujeito da resistência e como alvo da ditadura civil-militar.

Como afirmaram Adriano Diogo*, Rosa Cardoso** e Sebastião Neto*** em manifesto distribuído em 13 de março de 2020, durante o seminário que marcou os 5 anos da Comissão Verdade do Estado de São Paulo – Rubens Paiva:

ação padrão das empresas é agir para apagar a seus crimes. Por todo o mundo, corporações sempre mobilizam seu poder financeiro para apagar seus crimes e não serem mais perturbados. Não aceitaremos esse tipo de chantagem. Garantir um local de referência – que possa ser visitado e conhecido e, também, atuar na produção e difusão de conhecimento – é reafirmar que nossa memória não está a venda.


Murilo Leal é professor do Departamento de História da Unifesp-Osasco e integrante do Projeto memória da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo.

Gabriel Dayoub é pesquisador do IIEP e integrante do Projeto memória da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo.

* Presidente da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo – Rubens Paiva (2012-2015)

** Integrante da Comissão Nacional da Verdade (2012-2014) e coordenadora do Grupo de Trabalho Ditadura e repressão aos trabalhadores e ao movimento sindical (GT-13)

*** Secretário-executivo do GT-13 da CNV (2013-2014) e coordenador do IIEP


Referências:

[1] https://www.brasildefato.com.br/2019/08/21/ditadura-e-volkswagen-promoveram-o-maior-incendio-da-historia-nos-anos-1970

[2] https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,o-dops-sabia-da-presenca-de-mengele-no-brasil,1028459

[3] https://www.youtube.com/watch?v=1iWmAmvNMNg

[4] A declaração foi lembrada pelo historiador Antoine Acker no artigo “‘The Brand that Knows our Land’: Volkswagen’s “Brazilianization” in the “Economic Miracle”, 1968-1973”. Disponível em: https://www.cairn.info/revue-mondes1-2014-1-page-197.htm?contenu=auteurs

[5] Ver o importante artigo de Acker “A responsabilidade histórica da Volkswagen no Brasil de Bolsonaro”, disponível em: https://www.cartacapital.com.br/opiniao/a-responsabilidade-historica-da-volkswagen-no-brasil-de-bolsonaro/

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Brasília

Agora com a ajuda do genro de Silvio Santos, brasileiros são levados ao matadouro

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A muvuca que o vírus gosta: Doria "libera" comércio para a Covid-19

Por Ricardo Melo*

O Brasil está no fundo do poço. Não pretendia gastar muito tempo com Bolsonaro, um facínora orgulhoso de sua condição.

Mas não pode passar sem registro seu ato mais recente: criar um ministério para o genro de Silvio Santos, o tal Fabio Faria.

Para quem não se lembra, Fabio Faria é aquele mesmo, deputado pilhado pagando passagens com verba parlamentar para namoradas como Adriane Galisteu e família.

Membro do tal centrão, agora “colega de trabalho” do sogro decrépito e capacho de qualquer governo, Fabio Faria une o inútil ao desagradável aos olhos do povo: engrossa a gangue do capitão no Congresso e fortalece os laços com o dono de uma emissora já conhecida como Sistema Bolsonaro de Televisão. Sim, o SBT, que entrou para a história ao tirar do ar um telejornal de horário nobre para não se indispor com seu patrão do Planalto.

A patiFaria corre solta.

Falemos dos governadores e prefeitos que tentaram posar de equilibrados de olho em dividendos eleitorais.

Não durou muito tempo. Um exemplo. João Dória, o Bolsodória, e seu assecla Bruno Covas vinham fazendo discursos ¨humanitários” até outro dia. Seu repertório esgotou-se tão rápido quanto sua sinceridade.

São Paulo, assim como o Brasil, vive um momento de ascenso da pandemia. O número de vítimas cresce sem parar. Qualquer aspirante a médico sabe que é hora de reforçar as poucas medidas de defesa à disposição. A única à mão enquanto não se descobre uma vacina é manter as pessoas isoladas e dar a elas condições de sobreviver.

O que faz Bolsodória? O contrário. Libera geral. Manda abrir tudo obedecendo ao comando de seus tubarões do Lide de sempre. As fotos estampadas nas redes mostram multidões circulando pelas ruas indefesas diante do apetite do coronavírus e dos senhores das bolsas de valores.

No Rio, a mesma coisa. Assim como Bolsodória, Witzel segue na prática os mantras de quem o elegeu: “E daí”. Ou: “todos vão morrer mesmo. É o destino”. Enquanto isso, faz o que parecia inacreditável. Alimenta uma máquina de corrupção à custa do sofrimento de milhares de brasileiros. Contrata a construção de hospitais a preços hiper super faturados que nunca saíram do papel. Assim acontece em vários outros estados. “Governantes” valem-se da morte do povo para engordar seus cofres particulares.

Tentei evitar, mas tenho que falar de Bolsonaro novamente. Depois de tentar esconder as mortes e roubar o Bolsa Família, ele e seu capanga preferido, Paulo Guedes, estudam ampliar o prazo da esmola aos desvalidos. Como? Em vez dos trocados de 600 reais que até hoje não chegaram a milhões que morrem de fome, fala-se em… 300 reais!! Faça vc mesmo os cálculos para ver o tamanho do disparate.

O destino dos países, mais do que nunca, depende da juventude, do povo trabalhador e de governantes responsáveis (a esse respeito, pesquisem no google o nome Jacinda Ardern, da Nova Zelândia. uma sugestão: https://www.brasil247.com/oasis/jacinda-ardern-quando-a-coragem-restaura-a-politica).

Chega. Não, não pague as dívidas, apenas as indispensáveis que podem te deixar sem luz, água, gás. Peça ajuda aos poucos advogados honestos, cada vez mais raros, é verdade. Procure a parte sadia da OAB. Recorra às organizações populares, aos sindicatos ainda dignos deste nome e, sobretudo, aos coletivos de jornalistas que se libertaram da mídia oficial. Ignore o palavrório dos políticos cínicos, hipócritas e ladrões, seja qual for o partido. E, se puder, fique em casa.

O Brasil depende dos brasileiros dignos desse nome.

 

*Ricardo Melo, jornalista, foi editor-executivo do Diário de S. Paulo, chefe de redação do Jornal da Tarde (quando ganhou o Prêmio Esso de criação gráfica) e editor da revista Brasil Investe do jornal Valor Econômico, além de repórter especial da Revista Exame e colunista do jornal Folha de S. Paulo. Na televisão, trabalhou como chefe de redação do SBT e como diretor-executivo do Jornal da Band (Rede Bandeirantes) e editor-chefe do Jornal da Globo (Rede Globo). Presidiu a EBC por indicação da presidenta Dilma Rousseff.

 

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Censura

Militares fazem o que sabem de melhor: esconder os mortos

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Imagine uma epidemia que se alastra rapidamente e mata entre 10% e 20% dos infectados. Imagine que essa epidemia mata principalmente crianças e em especial as da periferia, com menor acesso ao saneamento básico e à saúde. Agora, imagine que por três anos os meios de comunicação sejam censurados nas reportagens sobre a epidemia, que os médicos sejam proibidos de dar entrevistas e que o Ministério da Saúde, controlado por militares, não divulgue os números corretos sobre a doença e as mortes. Isso já aconteceu no Brasil, e não faz tanto tempo assim.

Entre 1971 e 1974, pelo menos 60 mil pessoas de sete estados brasileiros (40 mil só em São Paulo, o epicentro da epidemia) foram infectadas pela bactéria causadora da meningite. Até hoje é impossível precisar quantos morreram. Mas para impedir o que achavam ser uma histeria dos médicos, os militares decidiram esconder esses fatos, e os mortos, da população. Centenas, talvez milhares de crianças, aliás, foram enterradas na mesma vala comum clandestina do cemitério de Perus, na capital paulista, onde eram jogados os corpos de dissidentes políticos torturados e mortos pelo Doi Codi.

Um ótimo vídeo curto sobre a epidemia de meningite e a maquiagem de dados da ditadura militar está disponível no canal Meteoro.doc. Ontem, o canal publicou um novo vídeo, tratando especificamente da atual maquiagem de dados e da disputa de narrativas entre o novo governo militar, que teoricamente ainda não é uma ditadura, e os meios de comunicação para se informar ou desinformar a população.

O tratamento governamental da epidemia de meningite dos anos 1970 só vai mudar em 1974, com um novo general no poder e a aquisição pelo governo de 80 milhões de doses da vacina. Sim, já havia vacina para a meningite e o governo sabia que se tivesse feito uma campanha de vacinação anos antes, teria poupado milhares de vidas. Mas pra que admitir um genocídio se podia dizer que havia um “milagre econômico”? É como disse a ex-secretária da Cultura, Regina SemArte: é muito peso carregar essa fileira de mortos.

Telegrama da Polícia Federal ordenando a censura nos dados sobre a epidemia de meningite. Fonte: Twitter do historiador Lucas Pedretti @lpedret. Como os telegramas não tinham pontuação, usavam a sigla VG para vírgula e PT para ponto final.

Assim, em julho de 1974, com a admissão oficial de que havia uma epidemia, o jornalista Clovis Rossi, então trabalhando no jornal O Estado de São Paulo, preparou uma grande reportagem de capa, intitulada Epidemia de Silêncio, na qual dizia: “Desde que, há dois anos aproximadamente, começaram a aumentar em ritmo alarmante os casos de meningite em São Paulo, as autoridades cuidaram de ocultar fatos, negar informações, reduzir os números referentes à doença a proporções incompatíveis com a realidade — ou seja, levando, deliberadamente, a desinformação à população e abrindo caminho para que boatos ocupassem rapidamente o lugar que deveria ser preenchido per fatos. Fatos que as autoridades tinham a obrigação, por todos os títulos de esclarecer ampla e totalmente”. Leia a matéria completa aqui.

Mas, claro, militares não gostam que digam quais são suas obrigações e publiquem que estão desinformando a população. Assim, a matéria de Rossi foi censurada e em seu lugar o Estadão publicou um trecho do poema Os Lusíadas, de Luís de Camões.

Por causa da Lei da Anistia, de 1979, os militares jamais foram responsabilizados criminalmente pelas mortes na pandemia e nem pelas torturas, mortes, desaparecimentos e ocultação de cadáveres de dissidentes políticos. Mas talvez a história não se repita com a pandemia de coronavírus. Ontem, o Supremo Tribunal Federal, atendendo a uma ação dos partidos Psol, PCdoB e Rede Sustentabilidade, determinou a divulgação diária das informações sobre os dados de Covid-19 até às 19h30, pelo Ministério da Saúde. E também ontem, o Tribunal Penal Internacional de Haia, na Holanda, decidiu analisar a denúncia do PDT de genocídio promovido pelo Governo Bolsonaro. Esse é um caso raro, já que normalmente o TPI só julga ex-governantes acusados de crimes contra a humanidade.

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