O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) marcou para a próxima quarta-feira, 17 de outubro, a audiência de julgamento da apelação da defesa do coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra pela tortura e assassinato do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, em julho de 1971. O coronel foi condenado em primeira instância mas recorreu.
O crime ocorreu nas dependências do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna), centro de tortura comandado por Ustra entre outubro de 1969 e dezembro de 1973.
Em 2008, em outro processo, Ustra foi declarado torturador pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em ação movida pela família Teles. Em 2012, a Justiça negou o recurso do coronel reformado e manteve a decisão. Ustra morreu em 2015.
O Coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, o mesmo que continua sendo homenageado pelo candidato Jair Bolsonaro, quando foi major do Exército e comandante do DOI-Codi, entre setembro de 1970 a janeiro de 1974, usava os codinomes de “Dr. Tibiriçá” ou “Dr. Silva” para suas ações criminosas.
A Comissão Nacional da Verdade registrou pelo menos 502 casos de tortura e mais de 40 assassinatos ocorridos no DOI-Codi sob o comando do Ustra, incluindo a tortura sofrida Dilma Roussef entre outros. A Comissão disponibilizou um canal no Youtube em que é possível assistir uma série de depoimentos, inclusive a do torturador (clique para acessar).
A luta das famílias
A ação judicial movida por estas duas famílias (Teles e Merlino), tem um sentido especial de justiça e reparação moral e política, e é uma iniciativa pioneira e inusitada no Brasil, o único país da América Latina que não tem nenhum torturador da época da ditadura militar condenado.
Luiz Eduardo da Rocha Merlino, foi sequestrado em sua casa em Santos, em 15 de Junho de 1971, e torturado por 24 horas seguidas e abandonado numa solitária. Morreu em decorrência da omissão e dos graves ferimentos que sofreu por tortura. Conheça mais sobre a história de Merlino e a luta por justiça no site coletivomerlino.org .
Assista à vídeo-biografia, onde Celso Frateschi relata em primeira pessoa como foi a morte de Merlino. Acesso o link do relatório final produzido pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo da Verdade Rubens Paiva.
A série de vídeo-biografias tem uma playlist específica,
Tortura e Assassinato
Trechos da matéria de Tatiana Merlino e André Caramante disponível no site.
Caixão lacrado
A notícia da morte de Merlino chegou à família por meio de um telefonema ao seu cunhado, Adalberto Dias de Almeida, que era delegado da Polícia Civil. Adalberto e tios de Merlino foram ao IML (Instituto Médico Legal) de São Paulo onde foram informados de que lá não havia nenhum morto com esse nome. Usando da sua condição de delegado, Adalberto foi em busca do corpo do cunhado. Abrindo uma por uma as portas das geladeiras, localizou o corpo de Luiz Eduardo com marcas evidentes de tortura e sem identificação. O corpo foi entregue à família num caixão lacrado.
A versão que foi dada à família foi a de que Merlino teria se suicidado ao jogar-se embaixo de um caminhão na BR-116, na altura de Jacupiranga, quando estava sendo transportado para Porto Alegre para a identificação de militantes. Tal versão consta do laudo necroscópico assinado por Abeylard Orsini e Isaac Abramovitch. O veículo que o teria atropelado nunca foi identificado e tampouco foi realizada uma ocorrência no local do fato.
40 anos de luta por verdade e justiça
A família de Merlino luta há 40 anos por justiça, ainda em 1979, a mãe do jornalista, Iracema da Rocha Merlino, já falecida, moveu uma ação declaratória na área cível, mas foi rejeitada, sob a alegação de prescrição.
Em 2008, a família moveu uma nova ação declaratória na área cível, que não pretendia nenhuma indenização pecuniária, apenas o reconhecimento moral de que ele foi morto em decorrência das terríveis torturas que sofreu nas dependências do DOI-CODI de São Paulo, mas o processo foi extinto na primeira instância, não chegando sequer a ser julgado em seu mérito.
Através de seus advogados Fábio Konder Comparato, Claudineu de Melo e Aníbal Castro de Souza, os familiares de Merlino recorreram ao Superior Tribunal de Justiça, mas o relator do caso não considerou o recurso e arquivou o processo em março de 2010.
Em 2010, os advogados dos familiares de Merlino entraram com uma nova ação, ainda na área cível, desta vez por danos morais, contra o coronel Ustra. Também neste caso os advogados do coronel encaminharam ao Tribunal de Justiça de São Paulo um recurso (“agravo de instrumento”), tentando bloquear o seguimento do processo. Porém não obtiveram sucesso. E finalmente, em 27 de julho de 2011 a juíza Claudia de Lima Menge ouviu as seis testemunhas arroladas pelos familiares de Merlino.
O coronel Ustra havia indicado como suas testemunhas de defesa algumas pessoas que deveriam depor por carta precatória em seus estados, pois nenhuma residia em São Paulo, algumas delas declinaram da convocação, como o senador José Sarney, por exemplo. Por fim uma única testemunha falou em sua defesa, depondo em Brasília: o general Paulo Chagas declarou não ter notícia de nenhum ato de tortura praticado pelo coronel Ustra e também que o Exército brasileiro nunca tinha dado nenhuma ordem escrita para torturar presos. A juíza proferiu a sentença de condenação na primeira instância, para que o coronel Brilhante Ustra pagasse uma indenização à família de Merlino.
Com trechos do relatório da Comissão da Verdade do Estado e São Paulo Rubens Paiva , do site Memórias da Ditadura e do site www.coletivomerlino.org