Copa dos Refugiados e Imigrantes: Futebol e união para além da terra

Ocorreu ontem (20) no Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, também conhecido como Estádio do Pacaembu, em São Paulo, a Grande Final da Copa dos Refugiados e Imigrantes – etapa São Paulo. O evento é organizado anualmente pela ONG África do Coração em parceria com a ACNUR – Agência de Refugiados da ONU, a OIM – Organização Internacional para as Migrações, a Caritas Arquidiocesana de São Paulo – CASP, a Prefeitura de São Paulo e outros apoiadores públicos e privados.

As primeiras fases da Copa iniciaram em agosto nas cidades de Brasília, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Recife, Curitiba e São Paulo. A competição envolveu, ao todo, aproximadamente 1.120 atletas, organizados em 46 seleções que agregaram pessoas de 39 nacionalidades em situação de refúgio (solicitantes de refúgio e refugiados reconhecidos) e imigrantes. A final foi disputada entre os times da República Democrática do Congo (RDC) e Níger.

Dessa vez, quem levou a taça de primeiro lugar foi a República Democrática do Congo (RDC) vencendo o Níger, que havia sido campeão na edição anterior do evento, em 2018. O time vencedor ainda irá participar de etapa nacional no Maracanã, no Rio de Janeiro, em novembro deste ano.

Etapa Final da Copa dos Refugiados e Imigrantes no Estádio do Pacaembu | Foto: Lucas Martins (Jornalistas Livres)

Entrevistamos três refugiados e imigrantes que estiveram envolvidos na organização e participação na Copa dos Refugiados e Imigrantes de diferentes maneiras.

Nosso primeiro entrevistado foi Abdulbaset Jarour, refugiado sírio, vice-presidente da ONG África do Coração e Coordenador-Geral da Copa dos Refugiados e Imigrantes.

– Como surgiu a ideia da Copa dos Refugiados e Imigrantes?

A Copa dos Refugiados e Imigrantes surgiu em 2014 com o propósito de chamar atenção da mídia e ajudar na integração dos imigrantes na sociedade brasileira. A ideia de usarmos o futebol foi proposta por um dos imigrantes e acabou sendo apoiada pela ACNUR e pela Caritas de São Paulo. E assim surgiu a ideia, cujo objetivo principal é, primeiramente, realizar integração entre os povos refugiados e imigrantes, mas também integrar os refugiados e imigrantes com o povo da sociedade brasileira, para quebrar todo o olhar preconceituoso e xenofóbico que aumentou muito nos últimos tempos. Também buscamos chamar atenção do setor público para dar protagonismo às nossas falas para ver se conseguimos mudar as leis. Nós também convidamos autoridades para falarmos sobre a nossa situação. Por isso a Copa dos Refugiados não é para refugiados, nem com refugiados, mas dos refugiados e imigrantes. O nosso outro objetivo é chamar atenção do setor privado para superar uma das maiores dificuldades dos migrantes que chegaram aqui no Brasil: muitos deles são formados e vieram para cá com muita vontade de abraçar uma oportunidade para se sensibilizar mais pela causa. O que menos importa é o resultado. Todo mundo sai ganhando e sai feliz daqui. O nosso objetivo é maior do que isso.

– Você acredita que o esporte cria uma relação entre os povos que facilita a sua integração?

O esporte e o lazer são coisas que realizam a integração em todo o mundo. Há vários tipos de esportes que dão esse ânimo e que ajudam a realizar a integração. Usamos o futebol porque é o “rei dos esportes”, o futebol é uma linguagem universal, pelo qual as pessoas se unem. Nele, todo mundo se abraça. Torcedores, pobres, ricos, todas as raças, todas as cores. Por isso o futebol é uma linguagem universal, e por isso usamos essa linguagem. Ainda mais porque que estamos no Brasil, lugar onde o futebol é sagrado e que funciona como uma “escola de futebol”, sendo o país que mais exporta jogadores do mundo. E também, como sempre falo, acredito que há duas coisas que tocam o coração humano: o amor e o futebol. Por isso usamos essa linguagem e graças a essa luta e resistência conseguimos realizar esses objetivos e estamos aqui com esse projeto que cresceu muito depois da sua criação em 2014.

– Conte um pouco sobre a trajetória da Copa dos Refugiados e Imigrantes desde a sua criação.

A Copa foi criada em 2014, e em 2016 ela foi realizada pela primeira vez fora do Estado de São Paulo, indo para Porto Alegre. O jogo aconteceu no dia 26 de março, dia do aniversário da cidade de Porto Alegre, e foi realizado na Arena Histórica do Grêmio. Em 2018, a Copa foi para três Estados: Rio de Janeiro, Porto Alegre e São Paulo. E, esse ano, a Copa chegou a seis lugares diferentes: Distrito Federal, Recife, Curitiba, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. Ano que vem, nosso plano é fazer com que a Copa vá para nove Estados brasileiros: Santa Catarina, Minas Gerais e Mato Grosso. A Copa não é um crescimento só nacional, mas internacional, porque quem carrega o título não é de dinheiro, nem taça de ouro, mas um título humano, de pessoas que deixaram sua terra e recomeçaram com uma nova vida aqui no Brasil.

 

Abdulbaset Jarour, coordenador-geral da Copa dos Refugiados e Imigrantes, no Estádio do Pacaembu | Foto: Lucas Martins (Jornalistas Livres)

– Como refugiado, o que um evento como esse significa para você?

Como refugiado, estou aqui muito feliz de fazer parte dessa história porque essa Copa não é apenas um campeonato, é mais do que um jogo de futebol. Para mim é uma felicidade conseguir trazer os refugiados e imigrantes para pisar em grandes estádios aqui no Brasil. Um dos jogadores, em seu país de origem, era jogador de futebol de carreira, e é muito gratificante trazer de volta esse sorriso de uma pessoa que se sente como um órfão da terra. Isso, para mim, é algo que me deixa muito feliz, de fazer parte dessa história e também de ser um dos organizadores, ser liderança ativista e defensor pela causa dos refugiados e imigrantes.

– Você gostaria de deixar alguma mensagem, como refugiado, para o povo brasileiro?

Minha religião é o amor, minha raça é a humanidade, minha pátria é o mundo. Sou cidadão do mundo e somos todos filhos de uma mesma terra. Então, reserve um minuto para ouvir uma pessoa que teve que deixar a sua terra – seja pela desigualdade social, pelas perseguições, pela violência ou pela guerra. E vamos apoiar. Se não vai ajudar, também não vá atrapalhar. Então apoie nossa causa porque é uma causa que merece o nosso apoio. Deus criou este planeta sem fronteiras, criou a diversidade entre nós, como seres humanos. Também precisamos lembrar que o povo brasileiro é formado por pessoas que fugiram da fome, de guerras, da escravidão e também devem ter respeito com os povos indígenas da terra brasileira. Por isso essa causa tem tudo a ver com o povo brasileiro que deve acolhê-la, assim como o nosso projeto.

 

 

Nosso próximo entrevistado foi Matuka David, que está no Brasil há 5 anos e jogou na Copa dos Refugiados e Imigrantes como goleiro do time da República Democrática do Congo (RDC) – seleção vencedora da edição de 2019. 

Matuka David recebendo a medalha de campeão como goleiro da seleção da República Democrática do Congo | Foto: Lucas Martins (Jornalistas Livres)

– Como está sendo participar da Copa?

Estou muito feliz de estar aqui. Se a gente veio foi pra ganhar, né? A gente ganhou esse jogo de 2×0.

– Como foi a sua preparação para os jogos da Copa?

A preparação foi difícil. Quando estávamos nos preparando a Copa, a gente estava sempre aprendendo. A gente até perdeu alguns jogos na preparação, mas falamos pra nós mesmos: “Agora a gente pode perder, mas na hora da Copa a gente não pode não!”

– Você acha que esse evento facilita a sua integração com outros refugiados e com o povo brasileiro?

Sim! Graças a Deus, né. Está ajudando bastante. 

– Há quanto tempo você joga futebol?

Eu jogo futebol há 4/5 anos, desde que cheguei no Brasil.

– Quem é o seu goleiro favorito?

Eu gosto muito do Cássio, goleiro do Corinthians.

– Você gostaria de deixar alguma mensagem para o povo brasileiro?

Gostaria de agradecer muito o povo brasileiro. Estamos muito bem aqui, fomos bem recebidos.

 

Nosso terceiro entrevistado, Yacouba Conde, está no Brasil há dois anos e meio e é capitão da seleção da Gâmbia.

– Como está sendo participar da Copa para você?

A Copa está sendo uma grande oportunidade para nós mostrarmos que nós também podemos jogar com qualidade e podemos trazer nossas habilidades para o campeonato brasileiro. Mas, infelizmente, eles não dão essas oportunidades para nós. Então essa Copa dos Refugiados representa um campeonato para a gente.

– Você tem vontade de seguir uma carreira no futebol aqui no Brasil?

Yacouba Conde, capitão da seleção da Gâmbia | Foto: Lucas Martins (Jornalistas Livres)

Claro que tenho. No ano passado eu fui eleito o melhor jogador da Copa dos Refugiados e aí eu tive a oportunidade de ser chamado para jogar no time de futebol do Corinthians. Mas, infelizmente, por questões de documentação, eu não consegui assinar o contrato e perdi a vaga. Até hoje estou correndo atrás disso para ir atrás do meu sonho.

– Desde quando você joga futebol?

Desde que eu nasci. Eu cresci jogando futebol. Eu sou jogador polivalente: jogo tanto de zagueiro, como na lateral, e outras posições.

– Como que foi a sua preparação como capitão do time?

Não foi fácil não, porque tem alguns jogadores que moram longe e às vezes temos que pagar as passagens deles. E também para vir treinar nós temos que pagar o campo.. Aí não foi fácil, mas graças a Deus deu tudo certo.

– Como refugiado, o que um evento como esse significa para você?

Significa muito para mim. Eu acho que é o único evento que nós temos para nos expressar, para encontrar os nossos amigos, porque nós não temos mais lugar para nos encontrarmos e trocarmos uma ideia. 

– Você acha que um evento como esse ajuda na sua integração com os outros refugiados e imigrantes?

É exatamente isso.

– Você gostaria de deixar alguma mensagem para o povo brasileiro?

Não julguem o livro pela capa. Temos que abrir o livro e ler para conhecer. Não é porque nós somos pretos, ou sei lá o que, não significa que não temos qualidade para mostrar e oferecer. Acho que a gente precisa só é de oportunidade.

 

Nosso quarto e último entrevistado foi Azuka Okoru, de 24 anos, jogador da seleção do Níger que já está no Brasil há 4 anos e 7 meses. Foi campeão da edição de 2018 da Copa dos Refugiados e Imigrantes e vice-campeão em 2019.

– O que você sentiu ao participar da Copa?

Nós já participamos da Copa no ano passado e fomos campeões. Mas esse ano a gente chegou no final mas não ganhou. Mas tudo bem, é assim mesmo. Só Deus sabe o porquê. Nós jogamos muito bem, mas o outro time tem que ganhar porque eles jogam melhor do que a gente. Quem joga melhor é que ganha.

Azuka, jogador da seleção do Níger | Foto: Lucas Martins (Jornalistas Livres)

– Como é jogar no Pacaembu, um estádio histórico?

É muito bom jogar aqui. O estádio é grande e quando a gente joga aqui, a gente descobre se sabe ou não jogar bola. Porque quando a gente joga em um campo pequeno, você sente que sabe jogar muito, porque o campo é pequeno. Mas quando a gente chega aqui, você some. Mas é muito bom, o Pacaembu é muito bom pra jogar bola.

– Você acha que, aqui no Brasil, o esporte pode facilitar sua integração com os outros refugiados e imigrantes?

Sim, sim, sim. É muito bom. Esporte é bom e o Brasil é o país do esporte. É por isso que eu estou aqui, e gosto muito do Brasil. Meu sonho era vir aqui pro Brasil pra jogar bola.

– Como refugiado, o que essa Copa significa para você?

Essa Copa significa uma oportunidade para conhecer outras pessoas de vários países. É muito bom, todo mundo gosta para jogar. Todo mundo gosta porque estamos conhecendo outras pessoas, que você nunca tinha visto antes.

Etapa Final da Copa dos Refugiados e Imigrantes no Estádio do Pacaembu | Foto: Lucas Martins (Jornalistas Livres)

COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. Decepção, por que a comunidade Boliviana em sao paulo representa uma das comunidades mais marcantes dos últimos anhos e não participou do torneio, sendo que procuramos os organizadores e não convidaram aquí en São Paulo, espero isto mude no futuro……

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