Denúncia do MP-SP tenta ligar movimentos por moradia com organização criminosa
Por Fernanda Valente, do CONJUR
O Ministério Público de São Paulo quer transformar uma exceção nos movimentos por moradia em regra. Uma denúncia assinada pelo promotor Cássio Conserino, no dia 11 de julho, diz que 19 lideranças têm ligação com o Primeiro Comando da Capital (PCC). O embasamento são interceptações telefônicas e depoimentos “de inúmeras vítimas protegidas” que narram terem sido coagidas ou ameaçadas por membros dos movimentos.
A denúncia foi apresentada depois da prisão preventiva de quatro integrantes dos movimentos, acusados de organização criminosa e de extorquir famílias que ocupam os prédios no centro de São Paulo. O inquérito está na 6ª Vara Criminal da Barra Funda e tramita em sigilo, por determinação da juíza Erika Soares de Azevedo Mascarenhas.
No cerne da discussão está o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo Paissandu, em maio de 2018. À época, a Polícia Civil instaurou um inquérito para investigar as irregularidades no prédio, como denúncias de que os líderes obrigavam famílias a pagar taxas mensais para morar na ocupação e que, em caso de inadimplência, seriam expulsas com a ajuda do PCC.
O que o Ministério Público faz agora é usar o inquérito policial para estender as acusações a diversos movimentos sem individualizar as condutas. Com isso, não é possível distinguir se as ocupações revertem o dinheiro recolhido em benefício dos imóveis ocupados.
“Temos os chefes de cada movimento, cada um batizado com um nome diferente, mas com o mesmo móbil, explorar sob o pretexto de ceder moradia a pessoas de diminuto poder econômico”, diz o promotor. Segundo ele, o grupo se associou para “obter direta e indiretamente vantagens de cunho econômico, mediante a prática de incontáveis extorsões”.
Conserino pede a imediata interdição de todos os prédios e a realocação dos moradores em abrigos, ainda que a justiça criminal não tenha competência para isso.
Coloração política
O delegado André Figueiredo, responsável pelo inquérito que levou às prisões, disse ter provas documentais, interceptações telefônicas, depoimentos e cartas anônimas que relatam as ameaças. Em junho, quando o Departamento de Investigações Criminais (Deic) pôde cumprir os mandados de prisão temporária, foi citado como pontapé da investigação o recebimento de uma carta (digitada) que denunciava a extorsão e detalhava os valores cobrados. Escrita a mão, uma advertência: “isso ocorre em todos os prédios invadidos”.
Anexada na denúncia, a carta pode ser considerada uma prova fraca já que seu conteúdo aparece em diversas páginas da internet e não dá pra verificar sua autoria. Como mostrou o site Jornalistas Livres, o provável autor do texto é Victor Grinbaum, que se apresenta como jornalista e já foi banido das redes sociais por publicações fraudulentas.
Também chama atenção a tentativa de estampar que os movimentos agem com motivação partidária. Conserino afirma que algumas das lideranças são filiadas ao Partido dos Trabalhadores, que obrigavam os moradores da ocupação a votar na legenda ou seriam expulsos.
“Eram compelidas a votar em integrantes do Partido dos Trabalhadores, mudar o título eleitoral para o centro de São Paulo, participar de invasões a novos prédios e, por fim, participar de atos em apoio ao ex-presidente Lula e a ex-presidente Dilma”, diz a denúncia.
O promotor, no entanto, não aponta o número de cadastro ou data da possível filiação das pessoas. Ele também desconsidera, ou não sabe, que o domicílio eleitoral é uma exigência para que se possa dar entrada nos programas habitacionais.
Busca e apreensão
Em outro tópico, a denúncia considera uma busca e apreensão feita na ocupação Marconi, onde foi apreendido um livro que trazia na capa “Filiação PT – OK”. Para o promotor essa é uma indicação da “possível associação entre tais movimentos, política e criminalidade organizada”.
Além disso, Conserino vê um panfleto do Movimento de Moradia Para Todos (MMPT) como um documento “revelador” que “retrata a estabilidade e organização dos grupos criminosos”. No caso, o panfleto apreendido informa que o interessado em morar na ocupação deve apresentar RG, CPF, título de eleitor, comprovante de residência e fotos 3×4.
Os mandados de prisão expedidos em junho alcançavam diversos líderes, dentre eles Carmen da Silva e seus filhos, Sidney Ferreira da Silva e Janice Ferreira da Silva, conhecida como Preta Ferreira, membros do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), que gere a ocupação 9 de julho.
Recentemente, a ministra Maria Thereza de Assis Moura, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça, negou o pedido de Habeas Corpus deles. A ministra entendeu que iria suprimir instâncias, já que o HC anterior ainda não teve o mérito julgado pelo TJ de São Paulo.
De acordo com os advogados Ariel de Castro Alves e Francisco Lúcio França, que representam o movimento, o MP está acusando Carmen pela segunda vez com fatos já apontados em outra investigação. Em janeiro, ela foi absolvida, sob entendimento de que as provas não eram suficientes para uma condenação.
Em um dos depoimentos colhidos no Deic, é narrado que o processo foi movido contra Carmen depois que alguns integrantes do movimento ficaram fora de um financiamento do programa Minha Casa Minha Vida, que previa a reforma do Hotel Cambridge, no centro da capital. O imóvel, alvo de uma batalha na justiça, foi desapropriado pela Prefeitura em 2011. Em 2015, o MSTC, que ocupava o imóvel, conseguiu edital de chamamento do programa. Com o financiamento da Caixa Econômica Federal e sob administração do movimento, o antigo hotel está em obras e vai virar uma moradia popular regularizada pela Prefeitura.
“As denúncias são requentadas, assim como as mesmas testemunhas do processo anterior foram novamente ouvidas no Deic. Inclusive algumas que eram ligadas ao crime organizado e queriam levar traficantes para vender drogas nas ocupações e a Carmen não permitiu”, dizem os advogados, que alegam que as prisões são ilegais.
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