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Como provar que Lula é inocente para quem não quer acreditar

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Por Maria Júlia Morenno

Por que Lula foi condenado?

Porque atribuíram a ele um tríplex que nunca o pertenceu. O juiz Sérgio Moro e o TRF-4 consideraram que o apartamento seria pagamento por corrupção e uma forma de lavar dinheiro.

Os juízes estão errados?

Sim. Estão errados.

A condenação é injusta?

Sim. Lula é 100% inocente. Ele não cometeu nenhum crime.

 

Mas vi por aí que tem recibo, vídeo de visita ao prédio e tudo o mais…

Não há nenhuma prova. Vamos discutir cada uma dessas alegações.

Tá bom, vou começar. Qual a relação do Lula com o apartamento no Guarujá?

Em 2005, dona Marisa comprou uma cota para adquirir um apartamento no edifício Solaris, o ap. 141. E ela pagou as prestações normais até 2009, quando a construtora original, a Bancoop, faliu.

E aí?

Aí a OAS assumiu a construção.

OAS, aquela enrolada na Lava-Jato por causa da roubalheira na Petrobrás?

Não. A OAS da Petrobrás é a Construtora OAS. A do prédio é a OAS Empreendimentos. São caixas separados de um mesmo grupo.

Hum. E o que aconteceu?

A OAS propôs para ele e para a Marisa um apartamento maior, o número 164-A. O tal tríplex.

Taí: corrupção!

De jeito nenhum. Ficou combinado entre Lula e Leo Pinheiro – então presidente da empresa – que a OAS poderia fazer a reforma sem compromisso. Se Lula e Marisa gostassem, comprariam pelo preço de mercado.

Ahá! Então o Lula visitou mesmo o prédio?

Visitou, sim. Com o Leo Pinheiro. Ele nunca negou isso. Tem vídeo e tudo.

Mas como o presidente da construtora se presta ao papel de corretor?

O cliente potencial era um ex-presidente da República. É praxe no mercado colocar o executivo mais graúdo no trato com autoridades e ex-autoridades.

E a Marisa foi mais de uma vez?

Sim. Ela foi duas vezes.

Por quê?

Porque ela não havia gostado do apartamento. O Leo Pinheiro perguntou como ela acharia que ficaria melhor. Ela deu palpites, sempre sem compromisso.

Mas a OAS não estava fazendo isso a troco de nada.

Claro que não. A construtora queria influenciar o presidente, manter boas relações. Novamente, esse tipo de assédio é comum no mundo dos negócios.

Assédio, não! É corrupção!

Não. Primeiro porque não havia obrigação de compra, mas se o casal Lula quisesse comprar, pagaria o preço de mercado. Segundo – e principal: quem se corrompe tem de dar algo em troca.

Aposto que o Lula deu.

Não deu, não. Quem diz isso não sou eu, é o próprio Sérgio Moro. Ele reconhece que um eventual dinheiro da OAS não foi usado no tríplex.

Como assim? O Moro reconhece que não houve corrupção?

Está lá na sentença dele: “Este Juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-presidente”.

Peraí, não pode ser! Tem várias provas de que ele o Lula recebeu o tríplex por corrupção.

Vamos examinar essas “provas”. Mas podemos concordar numa coisa pelo menos? O Lula nunca foi o dono de fato do imóvel.

Certo, mas geralmente os corruptos usam laranjas.

Mas no caso a dona era a própria OAS. E o imóvel foi usado como garantia da construtora numa outra operação. Você não faz isso com um imóvel que não é seu ou que está reservado para outra pessoa.

Qual o número do tríplex?

Ap. 164-A.

E do apartamento em que eles tinham cotas?

Ap. 141.

Agora eu te peguei! Tem uma prova que é o recibo rasurado de um pagamento da Marisa para a construtora que faliu, a Bancoop.

O recibo não está assinado.

Não importa! Estava escrito “164-A” e alguém escreveu por cima “141”. Como você explica isso?

O funcionário da Bancoop preencheu errado, o que invalidou o recibo.

 

Mentira!

É verdade. De novo, não sou eu quem está dizendo. É a Polícia Federal. A perícia da PF comprova que a rasura foi feita quando as três vias estavam no mesmo documento.

Mas se o recibo estava incorreto, o funcionário precisa ter feito outro! A Marisa tinha esse recibo?

Sim.

 

Sério?

Sério. Está nos autos do processo para quem quiser consultar.

 

Só que tem uma outra prova: a declaração no imposto de renda do Lula das cotas do ap. 141. Isso é lavagem de dinheiro!

Lavagem como?

Ué, se ofereceram o tríplex, que era o ap. 164-A, não podiam ter declarado o ap. 141!

Ele nunca tive o ap. 164-A. Como poderia declarar o que nunca teve? Não custa lembrar: o tríplex foi uma oferta do Leo Pinheiro sem garantia de compra. Lula e Marisa decidiram não comprar.

Mas se o ap. 141 era da Marisa e do Lula, porque a OAS o vendeu em 2014? Te deixei sem saída, hein!

Porque quando a Bancoop faliu, a Marisa perdeu o prazo para confirmar a possa e pagar o resto para a OAS. O apartamento ficou disponível e a grana dela e do Lula ficou com a construtora. Em 2016, como te falei, eles pediram o dinheiro de volta.

Cara, não é possível que o Lula seja inocente… Tem o depoimento do Leo Pinheiro!

É uma delação premiada. Muitos juristas concordam que é muito, muito complicado considerar uma delação premiada como prova. O delator tem interesse direto em contar algo que o ajude a se safar. Mesmo que seja uma invenção. Ainda mais no caso do Leo Pinheiro, que mudou de opinião enquanto estava preso.

Como assim?

Mesmo quando foi preso pela primeira vez, em novembro de 2014, ele reconheceu que não havia qualquer envolvimento do ex-presidente. Cinco meses depois ele foi solto por decisão do STF e no ano seguinte sua delação foi recusada. Ele foi preso novamente e, sem Lula na delação, a pena de Leo Pinheiro foi aumentada em 10 anos. Foi só depois de sete meses na prisão, condenado a cumprir mais 26 anos que Leo Pinheiro se dobrou e resolveu incriminar Lula para obter uma redução de pena.

E obteve?

Sim. E muito: inacreditáveis 23 anos de redução e foi imediatamente colocado em regime aberto. Um grande negócio, hein! Com Moro, diminuiu de 16 anos (de 26 anos e 7 meses para 10 anos e 8 meses). No TRF-4, a segunda instância do processo, caiu mais 7 anos: para apenas 3 anos e seis meses, o que o levou automaticamente para o regime semi-aberto.

Disso eu não sabia… Mas como terminou a história do apartamento?

A reforma ficou pronta e o Leo Pinheiro avisou o casal Lula e Marisa. Eles não gostaram e não ficaram com o apartamento. Em 2016, eles pediram o dinheiro de volta para a OAS.

E quem é o dono do apartamento hoje?

A OAS sempre foi a dona, mas empenhou o apartamento como garantia de dívidas. Os credores cobraram e Moro decidiu leiloar. Ainda assim, destacou na decisão:

“O imóvel será vendido em leilão público e o produto da venda será depositado em conta judicial, com os valores sendo destinados, após o trânsito em julgado, à vitima no caso de confirmação do confisco ou devolvidos à OAS Empreendimentos ou ao ex-Presidente no caso de não ser confirmado o confisco.” 

Ou seja, pra você ver a bizarrice, o dinheiro do leilão ou vai para o Lula ou para o Leo Pinheiro. Seria cômico se não fosse trágico. É absurdamente injusto.

Só isso?

Só.

 

 

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15 Comments

15 Comments

  1. realista@hotmail.com

    22/03/18 at 2:58

    VOCÊ SE ESQUECEU DE MENCIONAR A REFORMA MILIONÁRIA QUE A OAS FEZ NO TRIPLEX, PARA ADEQUA-LO AO GOSTO DO CASAL LULA. POR QUE GASTARIAM CERCA DE 700 MIL REAIS A MAIS ? O TRIPLEX NÃO É DO LULA, MAS ERA PARA SER. O ESCÂNDALO INFELIZMENTE VEIO ANTES E ELE DESISTIU DO NEGÓCIO. VIU QUE IA DAR MERDA, COMO ACABOU DANDO. ONDE LULA TINHA DINHEIRO PRA COMPRAR UM TRIPLEX TÃO CARO, RECEBENDO APENAS OS RENDIMENTOS DO SALÁRIO DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA POR OITO ANOS ? COMO CONSEGUIU ENRIQUECER TÃO RÁPIDO ? LULA TRABALHANDO A VIDA INTEIRA TINHA DINHEIRO PRA COMPRAR UM APARTAMENTO ALI ? E BANCAR AS DESPESAS DE CONDOMINIO E ETC ? SE A JUSTIÇA ESTIVESSE ERRADA, OS ADVOGADOS DE LULA TERIAM REVERTIDO A DECISÃO UNANIME DA JUSTIÇA ATÉ A SEGUNDA INSTÂNCIA, NÃO ACHA ? OU VOCÊ ACHA QUE ELE É UM INJUSTIÇADO PERSEGUIDO POLÍTICO ? NÃO SEJAMOS INGÊNUOS ! E O PRÓPRIO DONO DA OAS DELATOU O LULA. LULA SERÁ PRESO ATÉ DIA 27.

  2. carlos

    24/04/18 at 0:39

    Porra nenhuma. Lula é Gezuis.

  3. Fabio

    14/05/18 at 17:15

    Lula Livre! Estou com Lula e não abro mão. NÃO HÁ PROVA!

  4. Eloiza

    18/07/18 at 9:53

    Ótimo texto! É fácil apontar o dedo e condenar alguém lendo resumo de notícia…é o mal do povo brasileiro…não conheço ninguém que, tenha assistido os depoimentos ou, lido a condenação…mas juízes tem um monte. A questão nem é o Sr Lula, é a justiça que queremos para cada cidadão. Eu assisti vários depoimentos na íntegra, li vários documentos e de fato não tem prova, está estranho demais. Um juiz que, na hora de ouvir um delator se mostra superrr concentrado, interessado e, conduz a resposta do expoente para ouvir o que quer e, na hora de testemunha níveis, faz cara de tédio, impaciente….isso não é justiça, é circo. Um circo que, está acabando com o Brasil…Ahh mas, o povo, juiz de plantão já tem alguém para culpar anos a fio…

  5. Edivaldo Dornelas

    24/12/18 at 11:34

    Realista, não tem reforma milionária, o MTST invadiu o triplex e gravou imagens mostrando que não tinha nada. O site UOL também foi lá e mostrou o interior e não tem quase nada, até a o acabamento mais básico está pela metade. No processo se fala inúmeras vezes de uma reforma que não existe. Pior como foi dito o imóvel deixou de estar disponível quando a OAS o colocou como garantia para transação financeira. Outra coisa, Moro na sentença condenatória não aponta qual foi o ato praticado por Lula que beneficiasse a OAS indevidamente, é incrível ! Está lá preto no branco: Lula é culpado por “Ato administrativo INDETERMINADO” , ou seja é algo que não sabe o que é! Ressumidamente Moro condenou Lula por algo que ele não é capaz de dizer o que é tendo como benefício a promessa de uma posse futura de um imóvel. Queria saber quem é que faz algo pra alguém, uma ilegalidade portanto um favorsão, pela promessa de receber algo anos mais tarde! https://www.youtube.com/watch?v=mdIC9gPg8-k

  6. Mário soares

    07/06/19 at 16:41

    Um dia essa perseguição terá um fim e Lula sairá de cabeça erguida . Em relação a quem o percegue o final será vergonhoso aí veremos o fim da era ” Mito “.

  7. Maria Pereira Machado

    07/06/19 at 22:11

    Eu sempre tive certeza que LULA eh inocente! Isso tudo ke aconteceu seria pra desmontar os planos da esquerda! Derrubar o PT tirar a Dilma e prender o maior líder politico das pesquisas eleitorais brasileiro, td trucado Kkkk desdo começo,essa lavajato foi montada só pra destruir todo trabalho suor dedicação e honradez, que os verdadeiros filhos de Deus plantou com sofrimentos e sangue desamados!

    • Raisse Herculano

      05/09/20 at 17:50

      Nunca tive dúvida da inocência de Lula.Esse esquema sujo foi montado pra impedir a candidatura pra eleição. E a única maneira de deter Lula séria a sua prisão. Como também manchar o seu nome e sua história e sendo a assim,acabariam com a construção de uma verdadeira Democracia,nascida com o povo trabalhador…

  8. Maria Pereira Machado

    07/06/19 at 22:17

    A mentira tem verbos curtas kkkk só dura enquanto à verdade não chega! A verdade eh à dona da razão!

  9. eduardo alves barbosa

    06/10/19 at 11:37

    nos vimos as fotos da reforma que fizeram no apartamento que o juiz moro não quis que a defesa fosse averiguar ,mas o ap foi invadido e dele se viu um fogão velho e uma piscina pequena e suja ,o máximo que fizeram foi passar um pano para tirar a poeira ,TUDO PARA PRENDER O ÚNICO PRESIDENTE QUE FEZ NOSSA PÁTRIA RESPEITADA E BEM SUCEDIDA FINANCEIRAMENTE ,MUITOS EMPRESÁRIOS PROGREDIRAM E ENRIQUECERAM ,MAS ALGUNS SE VOLTARAM CONTRA ELE POR ACREDITAR EM MENTIRAS DA DIREITA .

  10. LulaLivre... em 2050

    27/10/19 at 14:11

    O pior cego e a pior mula são aqueles que não querem enxergar e acreditar, respectivamente!

  11. ricardo

    11/11/19 at 10:14

    lula vai aguentar daqui a 4 anos?

  12. Sandra Ávila

    13/09/20 at 23:32

    Tem um ponto principal, o Lula não era mais presidente, na época da acusação que Moro alega, sendo assim não tinha mais cargo público e não era mais presidente, como pode alegar que é corrupção???

  13. Abel Jorge da silva

    14/09/20 at 6:12

    A perseguicao disproporcional e covarde ao melhor presidente do brasil.

  14. Abel Jorge da silva

    14/09/20 at 6:15

    A maior covardia politica dos ultmos tempos….

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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