Com todo amor, para os filhos de dona Marisa

Por Flávia Martinelli, dos Jornalistas Livres

Maio aponta no calendário e eu viro fugitiva. Pulo os anúncios das revistas. Por nada no mundo entro em loja feminina. Tento passar longe da TV ou enfrento a programação com o controle remoto na mão. Tenho que ser rápida no gatilho para mudar de canal antes de as propagandas começarem. Os comerciais de Dia das Mães são matadores para quem já perdeu a sua. E a minha teve a ousadia de morrer exatamente no Dia das Mães (por toda a vida ela foi irônica). Faz 11 anos e todo dia ainda é ontem, sim.

Me esforço para não alimentar as dores do luto mas me sinto impotente diante dos apelos emocionais da publicidade e do jornalismo na data comercial mais rentável do ano. Por tudo isso, a propaganda da Lojas Marisa e a capa da revista Veja foram um soco no meu peito.

Sei que publicitários não pensam nos mortos. Defuntos não são consumidores e a grande campanha do ano, de orçamento farto, tem a função de bater recordes de faturamento. Dia das Mães dá mais lucro do que o dos pais, das crianças, das avós, das secretárias, Natal ou de qualquer outra efeméride criada para vincular sentimentos ao consumo. Também sei que em redações de revista é obrigatória uma reportagem sobre as dores e as delícias da maternidade.

Dia das Mães é o desafio dos “criativos”, a insônia dos redatores, o orgasmo dos marketeiros. O que são 12 prestações sem juros diante de todo nosso amor, não é verdade? O surpreendente desse 2017 é a mídia valer-se do ódio para atingir suas metas de vendas.

Como num pesadelo, imagino os brilhantes publicitários da Lojas Marisa ou os jornalistas da Veja na reunião de pauta ou de brainstorm dizendo: “Sensacional, vamos usar a morte da Dona Marisa nesse Dia das Mães! Todo mundo odeia o PT e vamos atingir um imenso público consumidor!”

Imagino a saliva escorrendo de suas bocas, os dentes clareados sorridentes, o olhar brilhante que nem o botox de suas testas aniquila. Na cabeceira da mesa longa e gigante, um pálido Michel Temer estica aqueles dedos compridos e aponta para o presidente da Fiesp acomodado do lado oposto. “Conseguimos.”

Nesse ano não tive fuga. Até mãe morta virou produto do grotesco. Deixo registrada a minha solidariedade aos filhos de Lula e a todas as mães falecidas que, sim, serão sempre dignamente honradas em seu dia sem presente.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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