Jornalistas Livres

Categoria: Geral

  • Presas que estão em período de maternidade enfrentam dificuldades dentro de penitenciárias brasileiras

    Presas que estão em período de maternidade enfrentam dificuldades dentro de penitenciárias brasileiras

    Por Giuliana Saringer

    Do ano 2000 a 2012, a população carcerária nas penitenciárias femininas cresceu 246%, enquanto a masculina teve um aumento de 130%, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Para Michael Mary Nolan, advogada criminalista e presidente do Instituto da Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), “o sistema prisional em si não é um lugar para mulher. Ele é patriarcal, ele é feito para homens”. Por não ser um espaço que contempla totalmente as necessidades especificamente femininas, algumas situações tornam-se mais difíceis dentro da cadeia. Dentre elas, a maternidade.

    Nolan trabalha com mulheres em situação de prisão e afirma que a legislação prevê condições básicas para que as presas possam dar à luz e cuidar dos seus filhos. No entanto, nem sempre é respeitada, já que apenas alguns presídios contam com os pavilhões maternos, como é o caso da Penitenciária Feminina da Capital e da Penitenciária Feminina de Tremembé.  “Se o Estado vai prender e diz que tem precisa respeitar a dignidade humana da pessoa, ter o que ela necessita faz parte disso”, defendeu.

    Viviane Balbuglio, estudante do curso de Direito e funcionária do ITTC, afirmou que as mães que dão à luz no sistema passam por uma situação de hipermaternidade. “As mulheres não têm nenhum tipo de estimulo além de cuidar dos bebês. Elas ficam com os filhos 24 horas por dia por 6 meses e, de um dia para o outro, eles são tirados delas”, esclareceu. Além disso, reforçou sobre o fato de essas mulheres com filhos serem invisibilizadas dentro do presídio. “Elas não têm acompanhamento pós-parto, psicológico e às vezes são obrigadas a tomar anticoncepcional [depois do parto]”, explica.

    “O que a gente pode ver é que o acesso ao ginecologista acaba não existindo. Nós perguntamos se tiveram acompanhamento pré-natal e a maioria, especialmente nos presídios do interior, não tem. As mulheres acabam fazendo apenas um ultrassom durante nove meses de gravidez”, relatou Balbuglio. Nolan também apontou outro problema grave durante o período de maternidade: “A legislação do estado de São Paulo não inclui pediatra para a cadeia.”

    Enquanto cuidam dos filhos, as mulheres passam por um grande impasse, porque não podem trabalhar. A advogada criminalista argumentou que é um período de escolhas difíceis. “Trabalhando, elas têm dinheiro e podem mandar para a família. Ficar 24 horas com o bebê faz com que elas deixem de fazer isso. Além disso, a cada três dias de trabalho ou estudo na cadeia é retirado um dia da pena”, disse. Assim, algumas presas optam por entregar seus bebês antes do prazo determinado, porque podem voltar ao trabalho e conseguem ajudar as famílias fora do presídio.

     

    Sem sala de parto

    As Regras de Bangkok, conjunto de normas que colocam em pauta as necessidades das mulheres presas, aprovadas em 2010 pela Assembleia Geral da ONU, da qual o Brasil faz parte, somadas ao Marco Legal de Atenção da Primeira Infância, sancionado por Dilma Rousseff em 2016, fazem com que as mulheres grávidas fiquem mais amparadas pela lei para terem sua dignidade respeitada. Balbuglio explicou que a legislação impôs, entre outros pontos relevantes, a necessidade de notificar se a presa está grávida ou tem filhos. No caso da gravidez, esse é um grande avanço segundo o ideal do ITTC. “Nós trabalhamos com a hipótese de que toda gravidez é de risco dentro da prisão, mas o judiciário não entende da mesma forma”, argumentou.

    Anos atrás, as presas davam à luz na própria cela ou em hospitais, algemadas. Hoje a prática é diferente, mas ainda muito precária. Para chegarem aos atendimentos médicos hospitalares, precisam ser levadas por uma escolta, que muitas vezes demora para chegar. Nos casos em que o atraso é muito grande, o parto acontece durante a espera e as funcionárias da prisão têm de ajudar durante o procedimento, mesmo sem uma capacitação adequada.

    Depois do parto, as presas são submetidas a regramentos sobre como devem cuidar dos seus filhos e serem mães. “Elas têm sempre o sentimento de culpa, porque a própria penitenciária acaba pressionando para que elas entreguem os filhos, dizendo que estão fazendo mal. Mas a gente tem que pensar que o período de amamentação é essencial para o desenvolvimento da criança, sem contar que esse vínculo vai durar a vida inteira”, a estudante completou.

    A sociedade, segundo Nolan, tende a ser a maior barreira para que as novas leis sejam de fato colocadas em prática. “A legislação diz que as mulheres grávidas ou com crianças de menos de 12 anos sob sua responsabilidade podem ficar em prisão domiciliar. Agora, nosso problema é que o povo não vai aceitar isso. Especialmente porque a maioria das mulheres são presas por questão de drogas. Vamos ver se vai ser aplicado ou não. Vai depender muito da maneira como a mídia apresentar isso”, informou.

    Depois de 30 anos de experiência em penitenciárias femininas, a presidente do ITTC afirmou que estar presa não é sinônimo de não ser uma boa mãe. “A grande maioria das mulheres estão no sistema de prisão porque estavam preocupadas com os filhos. Disso eu não tenho a menor dúvida”, concluiu.

  • Frente Parlamentar em Defesa da Cultura solicita reunião com Prefeito de Campinas.

    Frente Parlamentar em Defesa da Cultura solicita reunião com Prefeito de Campinas.

    A Frente Parlamentar em Defesa da Cultura da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo protocolou no dia 08 de junho uma solicitação de reunião com o Prefeito Jonas Donizete, com a participação de agentes culturais da cidade de Campinas para debater os problemas enfrentados pela cultura no município.
    Artistas, gestores e produtores culturais têm se manifestado reivindicando a criação do Conselho de Políticas Culturais, que está com seu Projeto de Lei parado há quase dois anos. Os trabalhadores também têm criticado a ausência de políticas públicas para cultura no município e a gestão da Secretaria de Cultura, que tem gerado atrasos nos pagamentos e o desmonte dos equipamentos culturais.
    Ofício protocolado pela Frente Parlamentar em Defesa a Cultura.

     

    Ato realizado também no dia 08 de junho, por movimentos culturais de Campinas em protesto ao atual governo municipal, foi uma das manifestações do setor, em que faixas foram penduradas na fachada da Prefeitura com os dizeres: “K.D. o Conselho de Cultura e a merenda?”, “Cortes, calotes, descaso, terceirização. Chega!” e “Jonas faliu Campinas #cultura”, dizeres estes considerados ofensivos contra a Administração Municipal, que no mesmo dia registrou um Boletim de Ocorrência contra os manifestantes. O caso foi registrado no 13º DP como “violação de domicílio”.

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    Ato realizado no dia 08/06/16 em protesto ao governo municipal.
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    Dizeres das faixas considerados ofensivos pela Administração Municipal.

     

  • Lançado o Festival Nacional do MST – pela reforma agrária Popular

    Lançado o Festival Nacional do MST – pela reforma agrária Popular

    Foto: Mídia NINJA
    Foto: Mídia NINJA

    No dia em que a ocupação da Funarte, (Fundação Nacional de Artes) em Minas Gerais, completou um mês de resistência , o MST e vários outros movimentos de trabalhadores rurais, lançaram o Festival Nacional de Artes e Cultura da Reforma Agrária. Foi uma anunciação do que será uma “grande feira” entre os dias 20 e 24 de julho na capital mineira: muito debate, culinária, comercialização de produtos orgânicos, e como não, cultura: poesia e muita música. Isso ficou claro durante o evento, que começou e terminou com intervenções artísticas.

    Foto: Mídia NINJA
    Foto: Mídia NINJA

    A festa acontecia na Funarte, ocupada há 30 dias por movimentos sociais e artistas contra o governo interino de Michel Temer. “30 dias de ocupação que se tornaram uma Vanguarda pela luta contra o golpe”, como disse o coordenador nacional do MST, João Pedro Stedile, o grande convidado da noite.

    Foto: Mídia NINJA
    Foto: Mídia NINJA

    Para o líder do maior movimento pela reforma agrária, o Brasil vive um período grave de crise, mas que é paradigmática, e não só do governo. Ele explicou. A crise é econômica, mas também social, ambiental: “Só vivemos crises parecidas na década de 30, depois em 60, que resultou no golpe. Depois tivemos uma na década de 80, e foi quando perdemos nosso projeto pelo voto de 89”. (Para quem não se lembra ou não ouviu falar, o Lula foi derrotado pelo Fernando Collor de Melo nas eleições para presidente e a Rede Globo foi uma grande responsável, ao editar de maneira grotesca e irresponsável o debate entre os dois candidatos a favor de Collor).

    Stedile continuou: “essa crise é semelhante a esses períodos e não é grave. É econômica porque mostra um Estado burguês podre e falido; é social porque 50 mil jovens negros e pobres são mortos por ano e ninguém fala nada. Isso não é pauta da Globo; e é ambiental também. Os mineiros sabem bem, pelo crime de Mariana, que matou pessoas e um rio, de 700km, e fica por isso mesmo. É nessas circunstâncias de crise que a burguesia planeja golpe. Na agricultura temos a situação agravada por causa do agronegócio. Eles estão envenenado a população brasileira. O veneno não consegue produzir alimento com qualidade. Por isso dizemos que a reforma agrária não é mais camponesa, mas sim popular”.

    Foto: Mídia NINJA
    Foto: Mídia NINJA

    Todos ouviam atenciosos a fala de Stedile, que disse que a esquerda tem que fazer uma profunda autocrítica após mais esse golpe contra o povo brasileiro.

    A Funarte MG Ocupada, resistindo 30 dias, decidiu naquele dia também mudar os rumos da luta. Para o movimento, mais que ocupar aquele espaço, é preciso ocupar toda a cidade com luta, e por isso a ocupação não seria mais permanente, e sim uma luta dialogando com toda a cidade: “Conclamamos a todas e a todos que protagonizaram essa luta a construírem conosco o Levante Nacional da Cultura para seguirmos em movimento!Estamos mais fortalecidos para essa grande tarefa. Continuaremos ocupando e resistindo contra o golpe e por nenhum direito a menos!”, diz a nota publicada na página da ocupação.

    Foto: Mídia NINJA
    Foto: Mídia NINJA

    O que temos que mudar ? Para João Pedro Stedile, os companheiros da Funarte nos ajudam: “estamos numa verdadeira trincheira pela Democracia, e a forma mais pedagógica e didática para defender ideias é a cultura.

    Dilma vai voltar. Mas tem que voltar com outra estrutura, próxima ao povo”.

    Foto: Mídia NINJA
    Foto: Mídia NINJA
  • Matheus Chaparini não vai dormir em casa

    Matheus Chaparini não vai dormir em casa

    Enquanto cobria a ocupação da Secretaria da Fazenda, o repórter Matheus Chaparini foi preso pela Brigada Militar (BM) de Porto Alegre. Na manhã desta quarta-feira, 15 de junho, o jornalista saiu de casa para mais um dia de trabalho pelo Jornal JÁ, da capital gaúcha. Pelo excesso de autoritarismo de uma corporação que não tem medido esforços para oprimir e reprimir, Matheus não vai dormir em casa hoje.

    Matheus vai dormir no pior presídio do país, o Presídio Central de Porto Alegre, ao lado de tantas outras vítimas de um Estado que usa sua polícia para lotar presídios com pessoas inocentes ou não. Ainda aqueles que são culpados de algum crime, não merecem essa polícia e essa política de encarceramento.

    Hoje uma das vítimas da polícia que está cada vez mais perdida e perversa nas ruas do país foi Matheus. Um cidadão, por acaso jornalista, que estava onde os militares não queriam. Além disso, estava trabalhando na tentativa de mostrar como agem os soldados do governador. Para eles, ao que tudo indica, exercer o jornalismo livremente é crime.

     

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    Matheus é vítima de uma polícia truculenta que age todos os dias nas favelas, periferias e contra movimentos sociais, pobres, negros e todos aqueles que estão à mercê do Estado. Quantos Matheus dormirão em presídios hoje? Ao lado de Matheus, mais 10 estudantes maiores de idade que estavam na ocupação foram encaminhados a presídios.

    O repórter deve sair amanhã, após uma Audiência Custódia. Ele sairá do presídio com acusações de crimes que, até aqui, nem sabia que se encaixariam na função de repórter que ocupa no Jornal JÁ. Acusado de corrupção de menores, organização criminosa, esbulho possessório, resistência à prisão, desacato de autoridade e dano qualificado ao patrimônio público, Matheus é mais uma vítima da polícia militar do Rio Grande do Sul, mas também poderia ser de São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Brasília, entre outras.

    Como Jornalistas Livres, defendemos o livre exercício da profissão e repudiamos a prisão de Matheus Chaparini. Não podemos aceitar tranquilos o fato de um colega ser preso arbitrariamente. Estamos em defesa de sua liberdade.

  • Impunidade são 12 mil assassinatos por ano com quase ninguém na cadeia

    Impunidade são 12 mil assassinatos por ano com quase ninguém na cadeia

    Quando se completam 10 anos dos Crimes de Maio de 2006 (http://bit.ly/1Q4V0qS), 10 meses da chacina de Osasco (http://bit.ly/1XpCmMs) e pouco mais de 10 dias da morte do menino Ítalo por um policial no bairro do Morumbi em São Paulo (http://bit.ly/1Uzrjdz) e da execução de Brian em Ourinhos (http://bit.ly/28ES8Y5), o regime interino de Michel Temer, atendendo à chamada Bancada da Bala, tira a urgência da tramitação do projeto de lei enviado pela presidenta Dilma e pelo ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão, para endurecer a apuração de homicídios praticados pelas forças de segurança (http://nao.usem.xyz/8668).

    Mães de Maio- São Paulo - maio de 2015
    Mães de Maio- São Paulo – maio de 2015

    A quem interesse não apurar devidamente essas mortes? Infelizmente, boa parte da população, estimulada por uma mídia que alardeia diariamente a violência nas periferias, compra a ideia de que “bandido bom é bandido morto” (http://bit.ly/21mH4t7) sem perceber como essa violência afeta toda a sociedade. Por isso, também, o Brasil é campeão em homicídios no mundo, tem a polícia que mais mata e também a força policial mais vítima de assassinatos (http://bit.ly/1UPir6c). Violência gera violência e a impunidade alimenta esse ciclo. Não é à toa que as PMs são responsáveis, segundo dados oficiais, por 18% de todos os homicídios em São Paulo (http://bit.ly/1UdoxQU). Se extrapolarmos esses dados para os cerca de 60 mil assassinatos por ano no Brasil, teremos quase 12 mil mortos pelas forças de segurança.

    Manifestação contra chacina no Capão Redondo - São Paulo, janeiro de 2013
    Manifestação contra chacina no Capão Redondo – São Paulo, janeiro de 2013

    Outro dado alarmante é apenas 8% dos crimes de morte, excluindo os oficialmente identificados como “decorrentes de ação policial” são esclarecidos. Entre eles estão as inúmeras chacinas que ocorrem regularmente em todo o território nacional. Por todos esses motivos, discutir a violência policial deveria ser um dos temas mais importantes no Brasil. E isso tem sido feito por grupos como o Movimento Independente Mães de Maio (http://www.maesdemaio.com/) que há 10 anos lutam contra a impunidade e pedem a federalização das investigações de mortes em decorrência de ação policial. Os Jornalistas Livres têm acompanhado essa trajetória desde sua fundação, assim como nós da MediaQuatro (http://www.mediaquatro.com/) já há mais de cinco anos.

    Cemitério de Santos onde várias vítimas dos Crimes de maio estão enterradas - dia das mães 2014
    Cemitério de Santos onde várias vítimas dos Crimes de maio estão enterradas – dia das mães 2014

    Assim, convidamos a todos que compreendem a gravidade da situação a divulgar, visitar e colaborar com a exposição Bendito O Fruto (http://www.kickante.com.br/campanhas/apoio-ao-projeto-bendito-o-fruto) que retrata a violência policial e a atuação das Mães de Maio. A abertura acontece hoje, 15 de junho de 2016, às 18:00 no saguão do Bloco 5R da Universidade Federal de Uberlândia, Campus Santa Mônica, como parte da VI Jornada em Defesa do Estado Democrático de Direito e Democracia Social – Cidadania Direitos e Resistência, que ocorre nos auditórios A e B a partir das 19:00. A partir de amanhã até o dia 6 de julho, a mostra estará em exibição no Espaço Cultural do Mercado Municipal de Uberlândia. O objetivo do financiamento coletivo é permitir a realização da mostra em si e um evento de fechamento com debate, catálogo e a presença das Mães de Maio.

    https://www.youtube.com/watch?v=mjCuq6FNUV0

     

     

  • O único caminho para fugir da noite fria

    O único caminho para fugir da noite fria

    Por Gibran Mendes com fotos de Leandro Taques e Isabella Lanave, especial para os Jornalistas Livres

    Uma rua principal, outras seis ou sete transversais e muita, muita lama. Neste local, ao lado do lixão, vivem aproximadamente 1.200 pessoas de 800 famílias em barracos construídos com os próprios punhos. No máximo contaram com a ajuda de vizinhos. Durante a noite, o frio de Curitiba só não é pior que a tensão vivida por essas pessoas. Isso explica-se: a proximidade do despejo. Esse é o cenário e único caminho para fugir da noite fria para quem vive na ocupação Tiradentes. O local fica em um bairro periférico da capital paranaense, nas proximidades da divisa com Araucária, município da região metropolitana.

    No centro da disputa estão as 800 famílias contra grupos econômicos que pretendem ampliar um lixão destinado a resíduos industriais. Segundo moradores a área já está sendo invadida com este propósito. Em um córrego, que desagua no Rio Barigui, é possível ver espumas que resultam do lixo jogado ali sem nenhum tratamento. O terreno pertence a empresa Stirps Empreendimentos e Participações Ltda. Contudo, o negócio quebrou e tornou-se uma massa falida que agora tenta sublocar o terreno para a Essencis Soluções Ambientais, cujo intuito é transformar o espaço, hoje destinado a moradia destas famílias, em um grande lixão.

    Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres
    Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres

    “A Essencis é repudiada por toda a CIC (bairro de Curitiba) que odeia o lixão. Ele traz muito mal cheio. Isso acontece em todas as comunidades. Inclusive existem vários abaixo assinados contra o lixão porque ele traz urubus, poluição e mau cheiro. Inclusive vilas de Araucária também reclamam”, comenta um dos coordenadores do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Fernando Pereira (foto).

    Apesar de negociações já tenham acontecido, Pereira reclama da falta de interesse do poder público para resolver a situação. Embora nesta quarta-feira (8), após os moradores da Tiradentes terem ocupado a frente da Prefeitura de Curitiba, tenham conseguido uma reunião com chefe do executivo municipal, Gustavo Fruet (PDT) que resultou em algumas promessas, como a formação de um grupo para avaliar as possibilidades para as 800 famílias.

    “A única ação que eles manifestaram (autoridades públicas) foi absolutamente nada. Quando o lixão chegou essas comunidades já estavam aqui e hoje eles culpam as comunidades por estarem aqui. Na verdade, eles desrespeitaram completamente qualquer regulamento de perímetro”, acusa.

    Neste caso, além do córrego, o próprio terreno da ocupação sofre com o despejo de lixo irregular. De acordo com moradores, restos de pneus, vidros e outros materiais são descartados ali e em outros terrenos do entorno. Até mesmo resíduos hospitalares já foram encontrados. “Hoje o aterro funciona em um terreno que não é deles”, garante Pereira.

    Enquanto isso, entre a expectativa de uma casa própria com um valor razoável e a apreensão pela proximidade da reintegração de posse, a ocupação segue com vida própria. Em meio aos cachorros e crianças que correm pelas ruas e vielas da Tiradentes é possível ver vários pequenos comércios. Lá tem de tudo. Desde frutas e legumes até cigarros e outros bens para a venda. É a forma de organização dos habitantes.

    Assembleias são realizadas toda a semana. Pela conta da coordenação já foram mais de 50 desde que o terreno foi ocupado, em 17 de abril de 2015. O local é dividido em setores. Atualmente são cinco, segmentados por letras e cada um deles tem seu próprio coordenador. O objetivo é organizar as atividades e garantir que nada de errado aconteça no local. “Aqui é proibido cortar árvores, principalmente porque sabemos que os juízes são muito sensíveis com as árvores, embora com as pessoas nem tanto”, ironiza Pereira.

    Nas contas dele já foram cerca de 20 atos realizados em diversas sedes do poder público. Câmara de Vereadores, Assembleia Legislativa, Prefeitura, Governo do Estado, nada escapa. “A mobilização faz parte da cultura das pessoas para conseguir resistir”, explica Pereira.

    Foto: Isabella Lanave/R.U.A Foto Coletivo
    Foto: Isabella Lanave/R.U.A Foto Coletivo

    Cultura também é o que não falta na ocupação. Há uma biblioteca, espaço de alfabetização, um cine clube realizado semanalmente e até mesmo cursos, como um de informática. Tudo dentro da ideia central de formação de pessoas.

    Para estas atividades os moradores contam com o apoio de voluntários, como a jornalista Vanda Moraes. “Atuar na periferia é entender que a maior parte das nossas teorias sociais não se aplica na prática e que o trabalho que temos pela frente na construção do Projeto Popular é gigantesco e urgente. Por isso, estar lado a lado com cada família da Ocupação Tiradentes lutando contra essa ameaça de despejo é caminhar, aqui e agora, nesse caminho difícil e necessário, para garantir a dignidade dessas pessoas”, afirma ela que é militante do Levante Popular da Juventude.

    O coletivo está presente na ocupação desde meados de 2015. As atividades foram intensificadas neste ano com programação em todos os finais de semana. “Organizamos, por exemplo, o Sarau de Inauguração da Biblioteca cujo tema foi “13 de Maio não é Dia de Negro” e cujas pautas foram contra o extermínio da juventude negra e contra o racismo sistemático. O sarau também lembrou a luta contra o despejo das 800 famílias que têm a Ocupação como seu local de moradia e de resistência”, relata. Do hip-hop à capoeira, nada relativo a cultura negra escapa. Tudo baseado na pedagogia de Paulo Freire.

    Fagner de Abreu, de 32 anos, mora na ocupação desde o primeiro dia. Fica lá sozinho, explica ele, enquanto desvia das poças de lama no chão. A esposa e a família moram na Lapa. “Estava arrumando a casa para trazer ela com as crianças, mas agora ficou mais complicado. Não dá para trazer eles para cá e depois ir todo mundo para a rua”.

    Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres
    Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres

    Abreu conta que estava em um albergue antes de ir para a ocupação. Por que foi para lá? “Para tentar ter a minha casinha e trazer a minha família. Não tenho condições de sustentar tudo. O aluguel está muito alto e eu vim para cá tentando ter meu espaço, minha liberdade. Queremos pagar, mas em um preço acessível”, lamenta. Para se ter uma ideia, o aluguel de um “fósforo” (casa pequena, do tamanho de uma caixa deste material) na Vila Corbélia, vizinha da ocupação, custa aproximadamente R$ 600.

    Ele atualmente trabalha fazendo bicos. “Mas não com carteira registrada. Quando tem serviço eu pego, faço o que tiver que fazer. Seja pintura, atividade de pedreiro, o que aparecer”, relata. Com o trabalho é possível, também, abstrair. “Estamos nervosos e apreensivos. Saímos para trabalhar e não sabemos se quando voltarmos a nossa casa estará no lugar. Dá muito medo, entendeu? Se eu sair daqui não tenho para onde ir, assim como as 800 famílias que estão aqui. Estamos aqui por que precisamos, ninguém quer morar do lado do lixão, mas não temos para onde ir”, afirmou.

    Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres
    Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres

    Em situação semelhante está a aposentada Maria Maciel, de 60 anos. Ela convidou a equipe de reportagem para conhecer a sua casa de três cômodos. Um banheiro, ao lado do quarto. Por cima da cama um varal improvisado e na entrada uma sala que divide espaço com um pequeno espaço para comércio. O espaço foi construído com suas próprias mãos com ajuda de amigos. “Ao invés do lixão, o local deveria ser de moradia. Nós somos prioridades, os seres humanos”, contesta a aposentada.

    O alvo preferido é o governador Beto Richa (PSDB), cuja a Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar) pouco ou nada fez para buscar soluções para as 800 famílias. “Se estamos aqui é porque faltou planejamento de casas. Ele (Richa) poderia ter feito um planejamento para nos acolher e não mandar uma ordem de despejo para a polícia vir bater”, disse dona Maria que é viúva, mãe de três filhos adultos e criados, por isso, segundo ela, mora sozinha.

    A partir das 9h até às 20h fica ocupada com seu pequeno comércio. Vende um pouco de tudo, segundo ela. “Mas vende bem”, garante. Na prateleira é possível observar cigarros, doces e outros tipos de alimentos industrializados.

    Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres
    Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres

    Enquanto convivem com o medo do despejo, as famílias da ocupação Tiradentes vão avançando e conquistando apoio. Na saída, a equipe de reportagem encontrou uma das pessoas que estão do lado dos moradores. José Aparecido Ferreira, de 57 anos, olhava curioso para os repórteres.

    De papo fácil, ele revelou que faz mudanças na ocupação e por isso passa o dia todo ali. “Moro no Tatuquara e venho ajudar. O pessoal aí tá sem lugar para ir. Então precisa arrumar um terreno para eles, né? É um pessoal humilde, gente trabalhadora e que precisa de uma casa. É só arrumar um terreno que eles dão um jeitinho. Se tiver casa melhor ainda”, projeta.

    José Aparecido diz entender o drama vivido pelas famílias e apoia a ocupação. “Está difícil. Eu acho errado tirar o povo daqui para colocar um lixão. Ninguém quer nada de graça. Hoje está difícil pagar, mas com uma parcelinha baixa o pessoal consegue. Eu já tenho a minha casa, mas apoio esse pessoal porque todo mundo precisa de um lugar para morar”, contou antes da despedida.