Da Carta Capital* por LEILA ROSA DE ARAÚJO
A sergipana Maria das Graças Carvalho Dantas, 50 anos, está vivendo um momento intenso. Depois que o amigo André publicou na internet que ela havia sido eleita deputada para o Congresso espanhol pela Catalunha, não para de dar entrevistas. Maria foi eleita pelo partido ERC (Esquerda Republicana da Catalunha) entre os 15 deputados da sigla. “O mais engraçado é que voltei do Brasil na semana passada e depois de resolver uns problemas eu nem me lembrei de comentar lá que eu era candidata das listas de ERC.”
Maria das Graças chegou a Barcelona em 1994, já formada em Direito, para se especializar. Estudou Direito Ambiental e trabalhou como empregada doméstica, em cuidados de anciãos e até de passeadora de cães. Mãe do escritor Tiago, 31 anos, de Natália, 22, estudante de Enfermagem, e Vitória, 23 anos, formada em Ciências Políticas, Maria Dantas passou por tudo o que um imigrante sul-americano passa quando decide fincar raízes na Europa. Por tudo isso, integra movimentos sociais que lutam contra o racismo, como Unidade Contra o Fascismo e o Racismo, de mulheres, e de ajuda a refugiados. Maria fala catalão, é articulada, bem informada e quer chegar ao Congresso para dar voz às causas de Marielle Franco.
CartaCapital: Como é que você foi parar nas listas do partido Esquerda Republicana de Catalunha?
Maria Dantas: O partido havia me chamado antes, mas eu não aceitei. Estive militando no partido durante três anos, mas depois deixei para voltar aos movimentos sociais. Não tinha maturidade e achava que minha luta era maior nos movimentos. Chegaram até a me chamar para me apresentar à Prefeitura de Barcelona. Mas aí teve um fato que me fez mudar de ideia. Eu estava sensibilizada por causa da eleição no Brasil e do que acontecia aqui, com Vox tendo ganhado 12 vagas na Andaluzia. Então voltando da manifestação do 8 de Março vi um vídeo dos Jornalistas Livres em homenagem a Marielle Franco. Ela falava comigo. Contava que era cria da Maré, que o (Marcelo) Freixo sempre a convidava para disputar eleição e ela se recusava, mas ela disse que pensou que as coisas só mudariam se no poder tivessem mulheres negras, bichas, lésbicas, gente pobre, todo o mundo. Porque a luta também era dali, não só da rua.
CC: A Marielle foi uma inspiração para você…
MD: Foi por ter visto o vídeo dela que eu decidi entrar nas listas. Quero avisar ao capitão Bolsonaro que a voz da Marielle Franco hoje está dentro do Parlamento Espanhol. Vou fazer de tudo para denunciar as atrocidades e as violações dos direitos humanos que ele fizer no Brasil.
CC: As suas lutas parecem estar muito definidas.
MD: Minhas pautas vão ser a favor dos LGBTi, contra a islamofobia, a favor dos refugiados, contra o machismo, o racismo e a favor dos imigrantes. Tudo o que o Bolsonaro e o Vox representam. Inclusive fiz muitas exigências ao partido, entre elas a de que pudesse apresentar a proposta de extinção da lei de imigração. Eles ficaram espantados. Como é que eu pedia na rua que se queimasse esta lei e depois iria ao Congresso falar de reformas?
CC: Você acha que o ERC vai fazer um acordo para o PSOE governar? O PSOE parece que queria dialogar quando da prisão dos envolvidos no referendo de independência da Catalunha.
MD: Não, eles não queriam dialogar. ERC colocou na mesa o assunto dos políticos presos, que são presos políticos, mas o PSOE se recusou. Foi porque ERC não aprovou o Orçamento do país é que Pedro Sánchez teve que chamar novas eleições. A resposta que ele nos deu é que não dependia dele, mas igual no caso do ex-presidente Lula, dependia, sim. Há dez políticos catalães presos por rebelião, mas dois tribunais internacionais, o alemão e o belga, disseram que não houve rebelião. Carles Puigdemont está na Bélgica e não foi extraditado por isso. Agora, vai ter que ter muita negociação. Mas sabemos que antes das eleições das comunidades autônomas e das europeias não vão decidir nada.
CC: Quais são suas expectativas para o cargo? Como você acha que será ser deputada no Parlamento espanhol?
MD: Vou ficar muito impressionada porque não estou acostumada à dinâmica de lá. Vou entrar com a perspectiva dos movimentos sociais, mas como serei uma representante nacional tenho de seguir a liturgia do cargo. Acho que vou aprender muito. Como ERC tem poucos deputados, nós teremos no máximo dois assessores. Vou ter que me virar muito. Já estive conversando com os movimentos sociais de Madrid para fazer propostas de resoluções.
CC: Você falou do ex-presidente Lula, de ele ser preso político…
MD: É uma posição minha e do partido. Eu entendo que o impeachment da Dilma foi um golpe, fruto de uma orquestração do Judiciário e dos meios de comunicação e a prisão de Lula é totalmente ilegal. Aliás, ERC propôs em 2018, antes das eleições no Brasil, uma resolução que pedia a participação de Lula nas eleições, como afirmou a ONU. Por causa da lentidão do parlamento, a resolução foi aprovada há pouco tempo.
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