Bolsonaro defeca na Assembleia Geral da ONU – Foto: Alan Santos / Presidência da República
Como era de se esperar, a verborragia indecorosa, o discursivo corrosivo, o grotesco, o inadmissível, o escatológico, o inominável, o irrepresentável foram alguns dos fios que enovelaram a fala de estreia do “presidente da República Federativa do Brasil”, na abertura da Assembleia Geral da ONU, neste 24 de setembro.
Das grosseiras que ele cultivou no solo brasileiro, e que foram irrigadas por diversos setores da população, floresceram tiques autoritários, instintos nazi-fascistas, uma índole anti-indígena, racista e homofóbica, um “liberalismo imoral e um moralismo obsceno”, como disse Jorge Coli, oferecidos para degustação em escala planetária na tradicional Assembleia. Provisoriamente, as lideranças mundiais tiveram que digerir o “indigerível”. Numa espécie de “quem tiver ouvidos para ouvir ouça” (e estômago também), Bolsonaro rasgou literalmente o verbo.
Destaquemos algumas das aberrações: anunciou que não haverá demarcação de terras indígenas, criticou a política que fez a demarcação em passado recente; classificou como falácia a consideração de que a Amazônia é um patrimônio da humanidade e pulmão do mundo; negou a devastação (“A Amazônia não está sendo devastada e nem sendo consumida pelo fogo, como diz a mídia. Não deixem de conhecer o Brasil. Ele é muito diferente do que é estampado pelos jornais.”); comunicou de forma desrespeitosa que “acabou o monopólio do senhor Raoni” (liderança indicada por indigenistas e entidades de direitos humanos ao prêmio Nobel da Paz); atacou organismos de direitos humanos…
Neste diapasão permaneceu pondo em primeiro plano tantas outras de suas obsessões (estas, sim, falaciosas): afirmou combater veementemente a ideologia de gênero que tenta destruir a família brasileira e perverter nossas crianças (se preocupa tanto com família e crianças que até hoje não foi capaz de enviar uma linha sequer de solidariedade à família de Ágatha, brutalmente assassinada no Complexo do Alemão); atacou o politicamente correto; decretou o fim dos sistemas ideológicas que seduziram, tal como o canto da sereia, nossas mentes e corações (sic); defendeu novamente a ditadura militar; declarou que salvou o Brasil do abismo socialista; fez duras críticas à Venezuela e a Cuba…
De Luis XIV a Bolsonaro: o cocô como etiqueta protocolar de Estado
Parece inescapável o paralelo entre a fala de Bolsonaro e a célebre cena do filme O fantasma da liberdade, de Luis Buñuel (1900-1983), tido como um dos mais importantes cineastas surrealistas, um crítico da psicologia moral da burguesia. Ironia, cinismo, refinamento filosófico, fantasmagoria das revoluções são elementos que sempre comparecem na cinematografia de Buñuel e nos fazem pensar, a cada tempo, no nosso tempo.
A cena inverte a liturgia dos atos de comer e defecar: as pessoas sentam-se à volta da mesa em suas privadas e conversam amistosamente; quando sentem a necessidade de fazer as refeições, discretamente dirigem-se ao mordomo e perguntam: — “Por favor, onde fica aquele lugar de…?” e, ato contínuo, evadem-se para um quartinho nos fundos para comer.
Bolsonaro vem defecando sistematicamente na sala sem que apareça um adulto sequer no recinto para dizer-lhe que a sala não é lugar para isso (a não ser que a cena de Buñuel tenha prefigurado uma rotação de perspectiva nesta regra inviolável desde que a privacidade da alcova e dos gabinetes deu às latrinas um lugar de absoluta discrição). O fato de o filme servir como ilustração do que vem acontecendo no mundo dos pronunciamentos políticos (o filósofo esloveno Slavoj Zizek fez semelhante comparação com os discursos de Donald Trump) nos faz pensar mais uma vez e sempre na política das formas.
Tamanho vexame não diz somente da ignorância raivosa, da falta de qualquer polidez de Bolsonaro e do entorno que o assessora, mas revela o núcleo duro das concepções de um governo pensado para não deixar pedra sobre pedra. À ferocidade de um projeto antinacional, antipovo, excludente, ultraliberal, devem corresponder formas discursivas igualmente brutas e violentas. O defecar na sala é a metáfora bem acabada daquilo que um presidente da República não pode fazer. E se ele o faz na frente de todo o mundo é porque tem coragem de ir muito mais além. Eis onde mora o perigo de um discurso sem nenhuma estatura: na fusão entre forma e conteúdo, algo comum nas práticas totalitárias e absolutistas, que indicia e prefigura modos inomináveis de ação.
Pode-se lembrar das formas de apresentação e adoração de figuras como Luis XIV (1638-1715), que sacralizava o próprio poder por meio de sua ostensiva visibilidade; ser visto, contemplado e reverenciado evidenciava e exaltava a supremacia de quem manda e de quem pode. O cerimonial das fezes do rei era uma etiqueta protocolar de Estado que se expôs ao olhar e à adoração de um público numeroso, como bem descreveu Mauricio Paroni de Castro:
Todas manhãs de Versailles principiavam com a disputa e o suborno de funcionários pela honra de segurar uma suave baixela de frescas fezes reais; passavam-na de mãos para ser cheirada e reverenciada como de origem divina. O nobre cocô era alegorizado no século em que o teatro e todas as formas de representação valiam mais que o ouro: valiam o poder. O Rei-Sol se acomodava sobre um buraco estratégico na sua “chaise d’ affaires” (cadeira de negócios). Era tudo público e transparente. Problemas de Estado eram então discutidos. (…). Fazer cocô e o cocô em si eram uma coisa só quando se tratava do Rei de França pela graça de Deus. Loucura? Nem tanto. A encarnação real sob forma divina o autorizava a legislar, governar e julgar sobre o que bem entendesse.
Dos modos de apresentação dos reis-governantes absolutistas às formas contemporâneas dos líderes democráticos e republicanos se colocarem no mundo, muita coisa mudou, principalmente no que tange à prática de defecar. Mas algo neste final de manhã de 24 de setembro me fez pensar, por uns instantes, que parecíamos estar no espetáculo das fezes de Luis XIV. Li e reli no Twitter diversas manifestações de apoio e reverência ao discurso de Bolsonaro na ONU: “Orgulho de ser brasileiro”. “Mitou, novamente”; “Bolsonaro falou a verdade, doa a quem doer”. “Estamos cada vez mais com Bolsonaro, uhuuuu!” “Meu presidente, orgulho da Nação, Brasil, força e coragem!” “Goste-se ou não, Bolsonaro fez um discurso de estadista”…
Embora saibamos que muitas dessas manifestações são irradiadas de bots, não se tem como negar que as fileiras que se formam para defender o capitão nestes espaços são numerosas. Tais exaltações me pareceram a reprise do momento ritualístico em que a plebe passava de mão em mão a baixela abarrotada de cocô do rei para ser cheirada e reverenciada como se divina fosse.
Para não parecer tão anacrônica, logo procurei outra correlação mais atual para tentar argumentar sobre o famigerado discurso de Bolsonaro e imediatamente me dei conta que tal associação não era assim tão fora de esquadro: uma vez que vivemos uma quase autocracia, com uma dinastia comandando o país (não temos uma cadeira presidencial, mas um sofá em que pai e filhos mandam e desmandam), a etiqueta protocolar dos Bolsonaro nos ensina que, a exemplo da forma de governar de Luis XIV, o fazer cocô e o cocô são uma coisa só, que enquanto fala do absurdo, do inaceitável e do inominável, figurações da política assumem a forma do grotesco, autorizando-o a governar e a julgar sobre o que bem entende, e da forma que bem entende.
A quem se aferra a ideia de que Bolsonaro não tem como destruir a combalida democracia por conta do manto institucional que tecemos nos últimos anos, ele dobrou a aposta, foi para ONU e disse com todas as letras que, sob o seu comando, tudo e um pouco mais é possível nos tristes trópicos. Quem dá mais?
A data 25 de outubro ficará marcada para sempre na história do Chile. Em 2019, foi o dia em que mais de 1,2 milhão de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais digno. Um ano depois dessa manifestação, a maior do país, no dia 25 de outubro de 2020 os chilenos decidiram enterrar o último legado da ditadura de Augusto Pinochet: a Constituição de 1980.
Por Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena
No domingo, milhões de chilenos votaram em um plebiscito sobre escrever ou não uma nova Carta Magna, uma medida que nasceu como uma saída política à crise social iniciada em 2019. O resultado foi avassalador: 78,27% da população aprovou a iniciativa, contra 21,73% que a rejeitou.
Além disso, 78,99% dos votantes disse que quer que a nova Constituição seja redigida por uma Convenção Constituinte formada por 155 membros eleitos pela sociedade; versus um 21,01% que expressou que preferia uma Convenção Mista, formada por 172 membros, a metade deles legisladores e o restante constituintes.
A comemoração durou horas. Em Santiago, milhares de pessoas foram a pé, de carro e de bicicleta em caravana até a avenida principal da capital e à praça central (antes conhecida como Praça Itália e agora, pelas manifestações, chamada popularmente de “Praça Dignidade”). Bandeiras do Chile e cartazes com as palavras “adeus, general” (em referência ao Pinochet) eram vistos em várias ruas.
Nova Constituição: chance de o Chile renascer – @delight_lab_oficial
A sensação era de um êxtase coletivo. “Ainda não consigo acreditar no que está acontecendo… Mais do que isso, é impossível dimensionar tudo que conseguimos”, me disse uma manifestante. Em um dos edifícios emblemáticos de Santiago, foi possível ler uma grande projeção com a palavra “Renasce”.
“Para mim, é o começo de uma nova era”, comentou um jovem que estava comemorando os resultados do plebiscito.
Ele tem razão. Apesar de que a Carta Magna “do Pinochet” —escrita pelo advogado constitucionalista e ideólogo da direita chilena Jaime Guzmán—, sofreu alterações durante a democracia, manteve vários dos seus aspectos principais. Ela continuou sendo a base do modelo neoliberal chileno que se adentrou na saúde, educação e sistema de aposentadoria, e também impedia grandes reformas estruturais pela exigência de um quórum de dois terços ou três quintos que, na prática, sempre foi muito difícil de ser alcançado.
O novo ciclo
A decisão de escrever uma nova Carta Magna encerra um ciclo doloroso para milhares de pessoas que foram vítimas da ditadura do Pinochet, uma das mais sangrentas na América Latina, e também para tantas outras que até agora vivem em um país desigual devido, em grande parte, às disposições da atual legislação. O ciclo que começa agora é cheio de esperanças, mas também repleto de desafios.
O presidente Sebastián Piñera, quem em nenhum momento do processo deixou claro qual era o seu voto, disse domingo de noite que o plebiscito “não é o fim, é o começo de um caminho que juntos deveremos percorrer para escrever uma nova Constituição para o Chile. Até agora, a Constituição nos dividiu. A partir de hoje todos devemos colaborar para que a nova Constituição seja o grande marco de unidade, de estabilidade e de futuro do país”.
Ainda são poucas as definições que já foram tomadas sobre como será a assembleia constituinte. Sabemos que, em abril de 2021, os chilenos voltarão às urnas para escolher os 155 cidadãos que serão parte do processo. Sabemos que ela estará formada de forma paritária por homens e mulheres (algo inédito no país). Mas ainda falta uma série de decisões, como se poderão participar do processo pessoas que não estejam associadas a partidos políticos e se o órgão terá assentos reservados para os povos originários.
A assembleia contará com até 12 meses para redigir uma nova Carta Magna, cujas normas deverão ser aprovadas por dois terços dos integrantes. Esta será submetida a outro plebiscito, cuja participação será obrigatória.
Esse ponto é o que desperta mais dúvidas na sociedade. É que o plebiscito do domingo passado foi de caráter voluntário, e acudiram às urnas um total de 7,5 milhões de chilenos dos mais de 14 milhões habilitados para votar. Apesar de ter sido a participação mais alta da sociedade desde 2012, quanto o sufrágio começou a ser optativo no país, a votação do dia 25 de outubro não deixa claro qual será o resultado final se as 6,5 milhões de pessoas que não participaram no domingo votarem em 2022.
Mas, como dizem por aqui, isso é uma decisão para o Chile do futuro. O Chile do presente quer comemorar. E tem motivos de sobra para isso.
O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes – Bárbara Carvajal (@barvajal)
Era uma demanda colocada por alguns setores da sociedade chilena há anos, mas foram os protestos de 2019 os que voltaram exigir a derrubada da Constituição de 1981, imposta pela ditadura militar de Augusto Pinochet. Agora, no domingo 25 de outubro, mais de 14 milhões de chilenos acudirão às urnas em um plebiscito histórico que decidirá se o país “aceita” (aprueba) ou “rejeita” (rechaza) uma nova Carta Magna. A votação foi pensada como um caminho político para aplacar a crise social que o Chile enfrenta.
Os ânimos estão à flor da pele. Nos muros, nas redes sociais, na mídia praticamente não se fala de outra coisa. Não é para menos, já que o plebiscito, inicialmente marcado para o dia 26 de abril, foi atrasado pelo governo devido à pandemia. Além disso, acontecerá somente uma semana depois do primeiro aniversário do chamado “estallido social”, iniciado em 18 de outubro de 2019, quando milhões de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais igualitário. Mas a sociedade chilena -como tantas outras na América Latina e no mundo- está profundamente polarizada e, apesar de as pesquisas dizerem que a maioria votará pelo “aceita”, nada está definido.
Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds
Por um lado, o “apruebo” reúne intenções diversas, que vão desde exigir uma mudança no modelo neoliberal chileno até entregar mais direitos às mulheres, aos índios e às diversidades sexuais.
Alejandra Saez, uma trabalhadora independente, me disse que vai aprovar porque “se necessita uma mudança imediata, apesar de que o resultado chegue com o tempo, tomar a decisão de transformar o sistema já é um grande avanço”. “Quero que as novas regras validem o bem-estar das pessoas e não os cofres dos outros. Que não nos sintamos atacados pelo sistema”, afirmou.
Já o bioquímico Francisco Pereira me explicou que votará “apruebo” porque considera que é necessária uma “mudança drástica na atual Constituição, já que apesar de que outorga direito a serviços básicos, em nenhum momento garante o acesso a esses serviços, deixando muitos recursos principalmente nas mãos do mundo privado. Além disso, foi escrita para um contexto de desenvolvimento de país determinado muito diferente do atual, e é bastante rígida, o que dificulta que ela seja adaptada às atuais necessidades do Chile”.
Nas campanhas eleitorais, também é possível ver que muitos dos que pedem uma nova Constituição querem reformar as instituições encarregadas da segurança pública, já que, em 2019,pelo menos 30 pessoas morreram, milhares ficaram feridas e o Chile foi cenário de graves violações aos direitos humanos no marco dos protestos sociais, segundo Human Rights Watch, a ONU, entre outros. De acordo com o Instituto Nacional de Direitos Humanos, 460 pessoas sofreram lesões oculares durante as manifestações devido ao uso excessivo da força policial. Delas, pelo menos duas ficaram completamente cegas.
Por outro lado, Natalia C. (que pediu não ser identificada) aposta pelo “rechazo” porque considera que “não há necessidade de escrever uma nova Constituição inteira para realizar as reformas que o país precisa”. Nas redes sociais, as pessoas que chamam a votar por essa alternativa também dizem temer que o Chile se transforme em um país “caótico” e/ou “esquerdista”.
Além disso, muitos sinalizam que votar “apruebo” seria dar um aval à destruição de patrimônio que ocorreu no marco das mobilizações sociais. É que o metrô de Santiago, várias igrejas, ruas e estátuas foram parcialmente destruídos e/ou incendiados desde outubro de 2019, mas não há informação detalhada disponível sobre quem foram os responsáveis de cada um desses atos.
Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds
Muitos ainda estão indecisos. O microempresário Javier Baltra comentou que achava melhor votar nulo porque “ambas as opções estão cheias de problemas. Aprovar pode ser sinônimo de um Estado maior, e eu acho isso problemático para a economia. E rejeitar é deixar tudo como está até agora e não sei se isso é uma boa ideia”.
Além de escolher entre as opções “apruebo” ou “rechazo” uma nova Constituição, os chilenos devem votar se desejam que a eventual Carta Magna seja escrita por uma Convenção Constitucional formada por 155 constituintes eleitos ou por uma Convenção Mista de 172 membros (metade legisladores e metade cidadãos eleitos).
A LEI ATUAL
Qualquer pessoa que não conheça a história do Chile provavelmente se surpreenderá ao saber que um país como este tenha ainda uma Constituição que foi escrita na época da ditadura militar. “Nossa, mas é um país tão desenvolvido”; “como assim?”; “sério?” foram alguns dos comentários que recebi de amigos brasileiros quando contei sobre o que está acontecendo agora.
A Constituição atual foi aprovada em um questionado plebiscito realizado no dia11 de setembro de 1980, em plena ditadura do Pinochet, quando milhões de chilenos viviam sob o medo da repressão, sem registros eleitorais e com os partidos políticos dissolvidos. O texto foi escrito pelo advogado constitucionalista Jaime Guzmán, um dos maiores ideólogos da direita chilena, e que foi assassinado por um comando de ultraesquerda em 1991.
Ele foi escolhido por uma comissão designada pela ditadura. Posteriormente, a redação contou com a revisão e o apoio do Conselho de Estado e a Junta Militar, composta pelos máximos chefes do Exército e o diretor da polícia, que exercia como “poder legislativo”. Guzmán criou uma série de regras muito difíceis de alterar para perpetuar seu modelo econômico e político.
Como ele mesmo disse quando escrevia a Constituição, sua ideia era que, se os adversários chegassem a governar, eles se veriam “obrigados a seguir uma ação não tão distinta ao que alguém como nós gostaria (…) que a margem seja suficientemente reduzida para fazer extremamente difícil o contrário”.
Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds
Para realizar reformas à Carta Magna, Guzmán detalhou que é necessário alcançar um quórum de dois terços ou três quintos, segundo o caso, algo que, na prática, tem sido praticamente impossível de conseguir, porque nem o oficialismo nem a oposição conta com essa quantidade de votos.
Essa Constituição também instaurou um modelo econômico, político e social neoliberal, que se adentrou na educação e na saúde privada e um sistema de aposentadoria conhecido como AFP baseado na poupança individual e que no ano passado entregou aposentadorias pelo valor de 110.000 pesos chilenos (uns US$ 140). Esse sistema, hoje sumamente questionado pela população chilena, foi elogiado pelo Ministro de Economia do Brasil, Paulo Guedes, em várias ocasiões.
Se bem que o texto legal não estabeleça especificamente que a saúde, a educação ou o sistema de aposentadoria devam ser privados, na prática, sim, impõe princípios que limitam a ação do Estado e promove a atividade privada nesses setores. Por exemplo: não existe no Chile nenhuma universidade que seja gratuita.
Segundo analistas, a Constituição atual também é hierárquica e desconecta a cidadania do poder político, porque não inclui muitos mecanismos de participação.
Ao longo da sua história, sofreu duas modificações: a primeira, em 1989, ano do fim da ditadura, quando foi derrogado um artigo que declarava “ilícitos” a grupos que realizassem “violência ou uma concepção da sociedade do Estado ou da ordem jurídica de caráter totalitário ou fundada na luta de classes”. Outra, em 2005, quando depois de um grande acordo político o presidente socialista Ricardo Lagos conseguiu alterar outros aspectos, como que os comandantes em chefe das Forças Armadas passassem a estar subordinados ao poder civil, e a eliminação de senadores designados e vitalícios. Isto permitiu que em 2006 (há 14 anos!) o Senado fosse totalmente conformado por membros de eleição popular.
Agora, se a opção “apruebo” ganhar o plebiscito, o texto não só será modificado: a sociedade poderá dar adeus à chamada “Constituição do Pinochet”. Sem dúvidas, uma decisão histórica.
DECLARAÇÃO DE IMPRENSA DO EX-PRESIDENTE EVO MORALES Buenos Aires, 18 de outubro de 2020
Desde a cidade de Buenos Aires, neste dia histórico, domingo, acompanho nosso povo em seu compromisso com a pátria, com nossa democracia e com o futuro de nossa amada Bolívia, de exercer seu direito ao voto em meio aos acontecimentos em nosso País.
Saúdo o espírito democrático e pacífico com que se desenvolve a votação.
Diante de tantos rumores sobre o que vou fazer, venho declarar que a prioridade é exclusivamente a recuperação da democracia.
Quero pedir a vocês que não caiam em nenhum tipo de provocação. A grande lição que nunca devemos esquecer é que violência só gera violência e que com ela todos perdemos.
Por este motivo, conclamo as Forças Armadas e a Polícia a cumprirem fielmente o seu importante papel constitucional.
Diante da decisão do Tribunal Supremo Eleitoral de suspender o sistema DIREPRE (Divulgação de Resultados Preliminares) para ir diretamente para a apuração oficial, informo que, felizmente, o MAS possui seu próprio sistema de controle eleitoral e que nossos delegados em cada mesa irão monitorar e registrar cada ato eleitoral.
O povo também nos acompanhará nesta tarefa de compromisso com a democracia, como o fez tantas vezes, situação pela qual somos gratos.
É muito importante que todas e todos os bolivianos e partidos políticos esperemos com calma para que cada um dos votos, tanto das cidades como das zonas rurais, seja levado em conta e que o resultado das eleições seja respeitado por todos.
Neste domingo, no campo, nas cidades, no altiplano, nos vales, nas planícies, na Amazônia e no Chaco; em cada canto de nossa amada Bolívia e de diversos países estrangeiros, cada família e cada pessoa participará com alegria e tranquilidade na recuperação da democracia.
É no futuro que todos os bolivianos, inclusive eu, nos dedicaremos à tarefa principal de consolidar a democracia, a paz e a reconstrução econômica na Bolívia. Viva a Bolívia! Evo Morales