Conecte-se conosco

#EleNão

BOLSONARO COM DOSES DE PSICOPATIA

Publicadoo

em

ARTIGO

Alexandre Santos de Moraes, professor do Instituto de História da Universidade Federal Fluminense

Para que ninguém duvide de seu caráter, Jair Bolsonaro mantém a ofensiva e segue disseminando ódio. O alvo dessa vez foi Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Seu pai, Fernando Santa Cruz, foi exterminado pelos militares durante a vigência do golpe militar de 1964. O presidente fez uma declaração em uma resposta aos posicionamentos da OAB diante do processo de Adélio Bispo, o sujeito com transtornos psiquiátricos que esfaqueou o então candidato na cidade de Juiz de Fora (MG) em setembro de 2018. A OAB nada mais fez do que defender que fosse assegurado o sigilo das conversas entre os advogados e o réu. Trata-se de uma prerrogativa constitucional que segue desagradando Bolsonaro, um político notabilizado pelo desapreço às leis que jurou defender.

Esse foi o estopim para que o presidente da República atacasse Felipe Santa Cruz. No entanto, não foi uma crítica inocente, própria do jogo democrático, ou mesmo a defesa do governo diante de um admitido opositor. O teor do ataque foi absolutamente incondizente com o cargo que Bolsonaro ocupa, e ainda que sua verborragia desenfreada não seja uma novidade, diversos setores das esquerdas e mesmo das direitas reagiram duramente ao palavrório. Até mesmo o governador de São Paulo, João Dória (PSDB), que literalmente vestiu a camisa do atual presidente durante a campanha, decidiu fazer de conta que nunca se envolveu com o candidato que ele ajudou a eleger.

Em carta, Lula considerou se tratar de um “caráter covarde”. O deputado Helder Salomão (PT-ES) caracterizou o discurso como “antidemocrático, desumano e sádico”. Felipe Santa Cruz sinalizou em nota a “crueldade” e “falta de empatia”. Penso que todos estão corretos, mas se acompanharmos com cuidado a declaração, considero que há pitadas nada desprezíveis de psicopatia, o que faz da permanência de Jair no mais alto cargo do Executivo algo cada vez mais insustentável. Vamos às falas.

A primeira manifestação aconteceu em uma entrevista no dia 29 de julho. Para provocar Felipe Santa Cruz, e sem qualquer contexto que justificasse esse estratagema, Bolsonaro recordou a morte de Fernando Santa Cruz numa cínica postura de denunciante: “Se um dia o presidente da OAB quiser saber como seu pai desapareceu no período militar, eu conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade”. De início, Bolsonaro sugere conhecer uma informação sigilosa, como se tivesse gozado de acesso a privilegiado a um dado que seria desconhecido pelo público e que se dispunha a compartilhar com um dos maiores interessados no tema. O cinismo se disfarça de filantropia, como um assassino que se faz amigo para se aproximar da vítima e desferir o golpe fatal. Logo em seguida, na mesma entrevista, diz não se tratar de sua versão e alega: “A minha vivência me fez chegar a essas conclusões”.

Há aí uma contradição deflagrada: se ele chegou, através das próprias vivências, a essas conclusões, trata-se obviamente de uma versão particular. Nas horas subsequentes à declaração, todos desconheciam o que Bolsonaro supostamente sabia a respeito do fato. Teve início a pressão. O que se sabe, que é público e documentado, é que Fernando Santa Cruz militava na Ação Popular Marxista-Leninista (APML) e foi capturado no Rio de Janeiro pelas Forças Armadas em 22 de fevereiro de 1974. Tinha 26 anos, era funcionário público, casado, pai e estudava Direito na Universidade Federal Fluminense (UFF). Essa informação consta no relatório secreto RPB 655, que se fez conhecido através da Comissão Nacional da Verdade, que também ouviu Cláudio Guerra, ex-delegado que declarou que Fernando Santa Cruz foi morto na prisão e que teve seu corpo incinerado na Usina Cambahyba, em Campos (RJ).

Na época da prisão de Fernando Santa Cruz, Bolsonaro estava no início de sua carreira militar, pois foi aprovado para a Academia Militar das Agulhas Negras no final de 1973. Não era, portanto, nem mesmo aspirante a oficial. O atual presidente se formou apenas em 1977. Logo em seguida, integrou a Brigada de Infantaria Paraquedista e, em 1979, saiu do Rio de Janeiro para servir no Mato Grosso do Sul, onde permaneceu até 1981. Como é amplamente noticiado, sua carreira militar foi marcada por vários atropelos. Os superiores consideravam-no excessivamente ambicioso. O coronel Carlos Alfredo Pellegrino, como mostram documentos, além de destacar sua agressividade com os camaradas, o via como marcado pela falta de lógica, racionalidade e equilíbrio na apresentação de argumentos. Foi para a reserva aos 33 anos de idade.

É preciso ter tudo isso em mente para não esquecer que Bolsonaro foi um pária durante o período em que serviu ao Exército. Para ter informações seguras sobre Fernando Santa Cruz, era necessário integrar os círculos restritos do DOI-CODI ou de qualquer outro serviço secreto. Mesmo que tenha tido acesso a pessoas envolvidas no sequestro do militante da APML, é improvável que essas informações circulassem em conversas cotidianas no interior das casernas. Também é necessário considerar que Bolsonaro, visto como um sujeito agressivo e irracional, não devia ser alguém que estimulava confidências de pessoas envolvidas em atos ilícitos que os militares se esforçavam para esconder. Logo que a declaração foi feita, considerei que Bolsonaro pudesse ter tido acesso a esses dados apenas recentemente, fornecidos por oficiais que participam do governo. Era improvável, mas não impossível.

No dia seguinte, porém, a ignorância a respeito do desaparecimento de Fernando Santa Cruz se confirmou em uma gravação ao vivo que fez no Facebook. Pressionado, decidiu retomar o assunto, mas não sem outra pitada de psicopatia: decidiu fazê-lo durante um corte de cabelo, como se seu tempo fosse precioso demais para dedicar atenção exclusiva. Foi um símbolo de desprezo, de ausência absoluta de compaixão pelas vítimas da ditadura. Com um tom de voz despretensioso, resolveu revelar o suposto segredo que guardava. Inicia sua fala dizendo que Fernando Santa Cruz integrava a AP de Recife quando veio para o Rio de Janeiro. Nesse momento, lança uma pergunta retórica imediatamente respondida: “Onde obtive essas informações? Com quem conversei na época, ora bolas, tá!”.

É preciso insistir: à época da prisão, Bolsonaro estava no primeiro ou no segundo mês de formação militar na Academia das Agulhas Negras, e não na “fronteira” onde só mais tarde veio a servir. Gaguejando, buscando alguma resposta plausível, Bolsonaro diz que houve um desacordo (não se sabe qual) e a AP do Rio de Janeiro teria decido “sumir” com o militante, e insiste: “Essa é a informação que tive na época”, para reforçar a ladainha de que é “muito fácil culpar os militares”.

A gravação ao vivo tornou o discurso ainda pior, mas não apenas pelo esforço inútil de tentar desonerar os militares de responsabilidade, baboseira que não convence mais ninguém. Para saber de fonte fidedigna que Santa Cruz teria sido morto pelos próprios companheiros da AP, das duas, uma: ou ele conhecia intimamente a organização de esquerda ou teve acesso a quem participou do inquérito militar (supondo que ele tenha existido) que chegou a essa conclusão.

Mesmo em seu mundo de fantasia, que contradiz as informações que constam nos documentos outrora sigilosos da Marinha e da Aeronáutica, a hipótese de que um segredo de caserna foi confiada a um recém-ingressante nas Forças Armadas é indigna até mesmo do mais grosseiro conto da carochinha. Ainda assim, como mau mentiroso, nota-se que Bolsonaro mudou o discurso sobre como tomou conhecimento: no dia 29, atribuiu às conclusões tiradas a partir de sua própria vivência; no dia 30, disse ter recebido informações à época. Mentiu uma, mentiu duas, mentiu três vezes. Mentiu compulsivamente.

Bolsonaro não tem a menor ideia do que se passou com Fernando Santa Cruz. Disso não tenho provas, é claro, apenas convicções, mas tudo indica que foi uma peça retórica fabricada para difamar a esquerda e atacar o presidente da OAB. A ignorância a respeito dos fatos torna a declaração ainda mais grave, pois a reveste de pitadas generosas de psicopatia. Ela mostra que o presidente da República não possui qualquer limite quando o assunto é atacar desafetos. Mente criminosamente e não se constrange nem mesmo em tentar dissimular a própria mentira. Decide, de forma meditada ou não, produzir uma ficção a respeito da morte de um jovem estudante que gerou danos irreparáveis em uma família.

Obviamente, não há aqui espaço para qualquer surpresa, e só os muito desavisados consideram essa atitude incompatível com seu histórico pessoal. No entanto, ela confirma o que parece circular nos corredores da Câmara dos Deputados: Bolsonaro não tem condições de ser presidente. Como bêbado que não pode dirigir, Jair não pode governar. Impeachment é pouco, é um caso de interdição.

#EleNão

Nota da ABI – Bolsonaro mente na ONU e envergonha o Brasil

No seu discurso na manhã desta terça-feira na Assembléia Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro contribuiu para que o Brasil caminhe para se tornar um pária internacional.

Publicadoo

em

No seu discurso na manhã desta terça-feira na Assembléia Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro contribuiu para que o Brasil caminhe para se tornar um pária internacional.
Sem qualquer compromisso com a verdade, o presidente afirmou que seu governo pagou um auxílio emergencial no valor de mil dólares para 65 milhões de brasileiros carentes, durante a pandemia. O auxílio foi de 600 reais.
Bolsonaro mentiu
O presidente responsabilizou, ainda, índios e caboclos pelos incêndios na Amazônia e no Pantanal, que alcançam níveis nunca antes vistos no País. Todas as investigações, inclusive de órgãos oficiais, indicam que fazendeiros estão na origem das queimadas.
Como se vê, de novo Bolsonaro mentiu.
O presidente transferiu a responsabilidade para governadores e prefeitos pelos quase 140 mil mortos vítimas do coronavírus. Todo o país é testemunha de sua leviandade, ao classificar a pandemia de “gripezinha” e ir na contramão dos procedimentos defendidos pelas autoridades de Saúde.
Assim, mais uma vez Bolsonaro mentiu.
A ABI, com a autoridade de seus 112 anos de existência em defesa da democracia, dos direitos humanos e da soberania nacional, repudia esse comportamento que vem se tornando recorrente e conclama o povo brasileiro a não aceitar o verdadeiro retrocesso civilizatório que o governo está impondo ao País.
Paulo Jeronimo – Presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)

Continue Lendo

#EleNão

Sem papas na língua. Juliano Medeiros no Dialogando de hoje

Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? Tudo isso e um pouco mais, sem papas na língua, como diz o Pastor Fábio. Vem!

Publicadoo

em

Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? No Programa Dialogando desse domingo (26/07), 18h, o Pastor Fábio recebe Juliano Medeiros, presidente do PSOL para um papo sobre eleições e aprendizados da pandemia que passa por uma das fases mais críticas do momento, onde prefeituras e governos de vários Estados do país programam reabertura de mais uma parcela considerável de setores, enquanto isso, a mídia normaliza as curvas ascendentes do número de infectados pelo Coronavírus.

Outra pergunta que precisa ser respondida é qual é o sentido das eleições serem realizadas ainda neste ano? Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? Tudo isso e um pouco mais, sem papas na língua, como diz o Pastor Fábio. Vem!

Assista, compartilhe. comente e mande perguntas no Facebook.

Juliano Medeiros é um jovem dirigente político da esquerda brasileira e desde janeiro de 2018 ocupa a presidência do Partido Socialismo e Liberdade. Historiador e Mestre em História pela Universidade de Brasília, é Doutor em Ciências Políticas pela mesma instituição.

Co-autor e organizador de Um Mundo a Ganhar e Outros Ensaios (Multifoco, 2013), Um Partido Necessário – 10 anos do PSOL (Fundação Lauro Campos, 2015) e Cinco Mil Dias: o Brasil na era do lulismo (Boitempo, 2017), colabora com sites, jornais e revistas no Brasil e exterior.[2]

Em 2018 coordenou a campanha de Guilherme Boulos à Presidência da República pelo PSOL[3] e, no segundo turno, após decisão do partido, passou a integrar a coordenação da campanha de Fernando Haddad[4]. Desde a vitória de Jair Bolsonaro, participa do Fórum dos Presidentes de Partidos de Oposição[5].

Durante mais de uma década Juliano Medeiros foi dirigente da corrente interna Ação Popular Socialista – Corrente Comunista do PSOL. Em Junho de 2019, a APS-CC se fundiu com o Coletivo Rosa Zumbi e mais oito coletivos regionais para fundar a Primavera Socialista, atualmente maior tendência do PSOL, da qual Juliano também é dirigente.[6]

Fábio Bezerril Cardoso é Pastor, cientista social, ativista social e Cofundador & Coordenador da Escola Comum e atualmente apresenta o Programa Dialogando, todos os domingos, às 18h. É um dos pastores progressistas que têm lutado pela defesa dos povos periféricos e costuma não ter papas na língua para falar sobre a realidade desses lugares. A produção é de Katia Passos, com arte de Sato do Brasil.

Conheça mais sobre a atuação do Pastor Fábio https://www.facebook.com/fabio.bezerrilhttps://www.facebook.com/fabio.bezerril

Continue Lendo

#EleNão

Hilário Ab Reta Awe Predzaw e a história de um povo, historicamente, moído pelo ódio ou indiferença

Publicadoo

em

Por Diane Valdez, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, militante do Movimento de Meninos(as) de Rua e Comitê de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno

 

 

Hilário Ab Reta Awe Predzaw, 43 anos, morador da Aldeia Xavante N. S. de Guadalupe, em Barra do Garças, Mato Grosso, morreu na madrugada de 18 de junho de 2020, vítima do descaso governamental que permitiu a chegada do Coronavírus em sua comunidade. Era aluno do 5º período do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. Sua tia morreu há pouco mais de uma semana vítima do mesmo descaso, a mãe e seus dois irmãos, seguem contaminado pelo vírus, assim como outros Xavantes e outras pessoas de etnias indígenas de todo o Brasil.

Hilário entrou na UFG, pelo sistema de cota para indígenas, no ano de 2018. Chegou com o já conhecido atraso histórico de acesso dos povos originários no ensino superior, ainda que a UFG seja uma das universidades públicas que tem buscado cumprir com o direito de povos indígenas ao ensino universal, o acesso e a permanência ainda sofrem de fragilidade.

A trajetória de Hilário, na UFG, não se limitou às dificuldades ocasionadas pela pobreza, como muitos de nossas/os alunas/os enfrentam. A academia era um outro mundo, distante de sua comunidade, não só em quilômetros, como também em movimentos culturais, sociais e políticos. Talvez essa distância, o fazia um aluno reservado e observador, sem abrir mão da seriedade e interesse pelo conhecimento.

Era umas das lideranças de seu povo, portanto, sabia da responsabilidade que assumia frente a comunidade, ele seria um professor, um educador de seu chão, de sua gente. Hilário trabalhava em uma escola, com o formato de um Tatu Bola, na sua aldeia, trabalhava na área de serviços gerais, em breve voltaria como Professor!

No primeiro ano de curso, Hilário, na desconfiança de seu silêncio indígena, que não significava submissão, tentava se inserir no mundo acadêmico. Veio um tempo, que largou tudo e voltou para a aldeia, não por opção dele, mas por opção deste desgoverno que é incansável na destruição de direitos dos povos originários.

O Ministério da Educação e Cultura, suspendeu todas as bolsas de permanência para a população indígena e quilombola. Um grupo de alunas e professoras se juntaram, arrecadaram dinheiro e o trouxeram de volta para a Faculdade. Foi feita uma mobilização de docentes e discentes sensibilizados e a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da UFG, cumprindo seu importante papel, disponibilizou uma bolsa e outros auxílios emergenciais.

Nessa ocasião, quando perguntado sobre o porquê de não falar nada dos problemas para colegas, e voltar para sua comunidade, Hilário disse que achava que ninguém sentiria falta dele.

No segundo ano, trouxe seu curumim para estudar em Goiânia, começou a trabalhar como intérprete na escola, acompanhando seu filho na dificuldade com a lingua. Era visível seu orgulho de exercer a função de intérprete. Lutou e enfrentou as diferenças que separavam as culturas e, como muitos, guerreou como seus ancestrais, para não perder seu lugar de legítima conquista.

No início da Pandemia, que começou junto com o semestre letivo, Hilário resistiu em voltar para sua comunidade, tinha medo das aulas retornarem e ele não estar presente na Faculdade, isso aponta o lugar que a UFG ocupava em sua vida. Quando percebeu que seu povo não estava acreditando na letalidade do vírus, retornou para alertar todos sobre o perigo. A UFG, cumprindo seu papel de instituição pública, providenciou o transporte para seu retorno no Mato Grosso.

Em maio, informou para duas amigas, que sua comunidade precisava de cobertores, pois fazia muito frio, e seu povo estava adoecendo. Elas mobilizaram, imediatamente, uma Vakinha On Line, onde arrecadou-se pouco mais de três mil reais, no entanto, como o total da arrecadação demora para ser liberado, emprestaram dinheiro e compraram os cobertores de forma mais hábil, enviando-os dia seguinte.

Os sintomas que atingia a comunidade, febre, falta de ar etc. já indicavam que era Coronavírus, no entanto, isso não foi motivo de interesse governamental, que poderia ter evitado o alastramento do vírus.

Ao apresentar os sintomas da doença, Hilário mostrou-se resistente em ir para o hospital, tinha dificuldade de aceitar o tratamento “dos brancos”. Acreditava nos rituais de seu povo, no tratamento natural que conhecia há tempos. Por outro lado, a histórica resistência dele, fazia todo sentido, pois sabemos como os povos indígenas são tratados neste país tão indígena que não se reconhece como indígena. Foi convencido a ir para o hospital e, na última conversa com as amigas em chamada por vídeo, estava muito escuro, e a família arrumou uma lanterna para as meninas verem o rosto dele, que disse para elas, em lágrimas, que estava somente suado, quando perguntado se estava com medo, disse que sim, que estava com muito medo…

A ida para o hospital foi acompanhado de longe pelas amigas, falavam sempre com a Assistente Social que afirmava que Hilário estava se recuperando, que receberia alta a qualquer momento. Nessa madrugada, ao pedirem informações sobre o amigo no hospital, alguém disse que alguém havia morrido, mas não sabia o nome. O nome de mais um número morto é Hilário Ab Reta Awe Predzaw, que deixou a mulher, filhos e todo seu povo Xavante.

O acesso dos povos indígenas ao ensino superior é recente, no entanto, é marcado por extrema coragem e resistência, pois o mundo acadêmico não é de todo um espaço acolhedor. Ainda que a dureza prevaleça na universidade, Hilário encontrou solidariedade e amizade na Faculdade de Educação, ainda que não seja uma solidariedade coletiva, foi construído uma rede de apoio, tanto de alunas/os, como também de docentes, isso pode ter aliviado sua dura estrada longe de seu chão.

Hilário não morreu porque “chegou a hora dele”, morreu por não ter o direito de ser mais um indígena, digno de necessários cuidados. Hilário, era um homem parte do “povo indígena”, um povo invisibilizado, injustiçado, espezinhado, humilhado e, odiado por este desgoverno.

Um povo com suas terras ameaçadas e roubadas pelo latifúndio, mortos por pistoleiros do agronegócio, ironizado e menosprezado por representantes deste desgoverno, ignorado por gente nativa que se acha descendente de europeus, machucados por todos que acham que universidade não é lugar de indígenas.

Não sei falar de fé, nem de ‘destino’, nem de coragem para aliviar o cansaço de um tempo incansavelmente dolorido. Ironicamente, para não dizer, funestamente, o tal ministro da educação, que afirmou odiar a expressão “povos indígenas”, ampliando seu descaso com a educação, revogou hoje [H OJ E], (19/06) a portaria assinada pelo ex-ministro de educação, Aluísio Mercadante, que estabelecia a política de cotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência em cursos de pós-graduação. Hilário, estaria fora da pós-graduação, se dependesse deste ser desumano.

Quando lanternas começaram a iluminar caminhos de direitos para esta população, no interior de nossas universidades públicas, ainda que timidamente, um furacão de perversidade em formato de governo, dá pontapés e pisa, moendo, as possibilidades de justiça. Feito bandeirantes, grupos genocidas a frente das decisões da nação, estimulam a morte em todos os formatos. Deixar que o coronavírus atue, sem controle, é a proposta de morte atual para os povos originários.

Como Hilário, temos medo, muito medo, mas agarremos as lanternas, e assumimos nosso lugar na defesa dos povos indígenas, não os condenando a escuridão, como muitos fazem.

Hilário Ab Reta Awe Predzaw presente!

Este texto foi escrito com informações coletadas com as alunas, companheiras de Hilário, da turma do quinto período de Pedagogia da Faculdade de Educação/UFG, Dorany Mendes Rosa e Raysa Carvalho.

A elas e a toda turma, meu carinho e solidariedade.

Continue Lendo

Trending