No fim de março, a Sabesp informou que reduziria seus investimentos em esgoto (http://goo.gl/MKsBRx). Em 10/05, o presidente da empresa avisou que, como a Arsesp não aprovara o reajuste na tarifa de 22,7%, tendo autorizado somente um aumento de 15,2%, a Sabesp seria obrigada a cortar gastos que não fossem relacionados à urgente produção de água (http://goo.gl/DvzGYk).
Não surpreende, portanto, que em 22/06 a empresa tenha anunciado a suspensão de obras de tratamento e coleta de esgoto por 120 dias (http://goo.gl/5XoFc3).
Não surpreende, mas desanima: obras para a despoluição do rio Tietê contratadas em agosto do ano passado não tiveram início até agora. Além disso, é possível que as paralisações gerem demissões no setor da construção civil (http://goo.gl/5XoFc3).
E a falta de investimentos da Sabesp em esgoto vai além (ou, melhor dizendo, aquém) da atual crise hídrica: em São Bernardo do Campo, a empresa prometia aumentar o índice de tratamento de esgoto da cidade para 90% em 2014; desde 2013, esse índice está estacionado em 26%, segundo a Cetesb (http://goo.gl/cbMlSi).
Agora com licença que eu vou subir no caixote:
Com a paralisação das obras, a Sabesp quer nos fazer crer que é preciso optar entre investimentos em água ou esgoto — assim como o secretário de recursos hídricos já quis nos fazer crer que era necessário optar entre água na torneira ou respeito à legislação ambiental (http://goo.gl/mKYXFq).
O que as autoridades não dizem é que estas são falsas escolhas. O desrespeito ao meio ambiente é uma das causas diretas desta crise — resta apenas 21,5% de vegetação nativa nos mananciais que formam o Cantareira, o que muito provavelmente vem contribuindo para a queda nas vazões afluentes (https://goo.gl/5gkcHJ — i.e. não faltou apenas chuva; faltou, principalmente, vegetação nos mananciais para segurar a água que chegou); e o despejo de esgoto industrial e residencial na Billings impede-nos, hoje, de usar plenamente a represa (http://goo.gl/kU4GhX) como fonte de abastecimento.
Mas agora é preciso trazer água para SP a qualquer custo — ainda que esse custo seja justamente a perpetuação de um modelo de gestão de recursos hídricos (onde se polui a água que está perto e se busca água limpa cada vez mais longe, enquanto mal se reduz o desperdício de água –http://goo.gl/cLIHse) que nos trouxe à atual crise.
Seção Falta d’Água
Um lugar-comum do jornalismo diz que notícia não é quando o cachorro morde o homem e sim quando o homem morde o cachorro.
Na semana que passou, não encontrei uma única notícia sequer especificamente sobre falta d’água em São Paulo. Nem em grandes jornais. Nem em jornais locais. Nem na televisão. Nem na mídia alternativa. Nada.
De duas uma, portanto:
a) Geraldo Alckmin está coberto de razão: não falta água em São Paulo;
b) A falta d’água está mordendo nossas pernas.
Vai ver a falta d’água is the new normal: tornou-se parte da paisagem e deixou de ser notícia. De qualquer forma, a escassez de notícias sobre um assunto que afastou investidores do Brasil tanto quanto o ultra-noticiado caso da Lava-Jato (http://goo.gl/GoJywR) mostra que a crise não é só de abastecimento ou ecológica: é também, muito claramente, uma crise de informação. Precisamente onde está faltando água na região metropolitana de São Paulo, e com que frequência? Hoje, não temos uma resposta confiável para essas perguntas.
O que li de notícias sobre o abastecimento de água na RMSP esta semana foi o seguinte: a Sabesp remanejou o abastecimento de São Caetano; a cidade agora passou a ser abastecida também pelo Alto Tietê (o que é condizente com o projeto de reduzir a dependência da RMSP do Cantareira… infelizmente, o Alto Tietê também está em situação grave –http://goo.gl/jLsgKa). Li também que Santo André — abastecida pelo Semasa, empresa municipal que compra água da Sabesp por atacado — implantará um rodízio a partir de setembro, já que a Sabesp passará a fornecer menos água (http://goo.gl/ESWXdW). Li, por fim, que Santo André deve implementar um bônus para quem reduzir o consumo de água (http://goo.gl/98C2md), no que sou obrigada a dizer que — caramba, môs fios, demorô.
Seção Nível dos Reservatórios
O Cantareira segue em -9,3%, com chuvas dentro da média e previsão de estabilidade pelos próximos 30 dias (https://goo.gl/E3MM7g). O Alto Tietê, porém, continua caindo (http://goo.gl/7k0N3i).
Lembrando sempre que, a partir de setembro, a Sabesp terá que reduzir de 13,5m3/s para 10m/3 s a captação do Cantareira, por determinação de ANA e DAEE (http://goo.gl/zf3ZN0). A Sabesp pretende suprir essa diminuição de 3,5m3/s com a obra que irá trazer 4m3/s da Billings para o Alto Tietê — os tais 3,5m3/s que deixarão de ser captados do Cantareira passarão, assim, a ser fornecidos por um Alto Tietê turbinado. Ou pelo menos esse é o plano.
A Bloomberg publicou uma matéria de título bombástico, “Sabesp considera fim do Cantareira em pior do cenário”, segundo a qual “Sem os projetos, e se as chuvas ficarem no nível do ano passado ou abaixo sele, a Sabesp projeta que seu reservatório principal — conhecido como Cantareira — poderá secar até agosto” (http://goo.gl/2OJ6KR). Para além do erro factual de que o Cantareira não é um reservatório e sim um sistema, é preciso deixar claro que, em 2015, está chovendo muito mais no Cantareira do que no ano passado.
A atual situação do Cantareira é completamente diferente do que era no começo do ano — quando havia, de fato, um risco bastante concreto de esgotamento total em poucos meses. Vamos lembrar esta entrevista do recém-empossado presidente da Sabesp para a Globo, em 14/01/15 (http://goo.gl/ePyqP9):
“[Tramontina:] — Ontem, o diretor da Secretaria de Pesquisa e Planejamento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastre do Ministério de Ciência e Tecnologia nos informou que: se continuar chovendo como está, em março o Cantareira seca. Seca?
[Kelman:] É possível que sim. Quer dizer; se continuar assim, é possível. Por isso que nós estamos fechando.” (Kelman prossegue explicando que a Sabesp passou a retirar menos água do Cantareira.) (http://goo.gl/ePyqP9)”
Ou seja: em janeiro, a previsão era de que, se nada mudasse, o Cantareira de fato secaria em dois meses. Só que mudou: não apenas as chuvas voltaram aos patamares normais (ou um pouco abaixo da média) como também a Sabesp, com um ano de atraso, “fechou a torneira” (i.e. reduziu as captações), justamente para evitar o colapso.
Na boa? A situação já é pavorosa o suficiente. Como lembra o Valor, estamos entrando no inverno com menos água no Cantareira do que tínhamos no ano passado (http://goo.gl/K1Gm47). Nosso principal problema, neste momento, não é uma remotíssima possibilidade de que o Cantareira “seque” em agosto, considerando como “secagem” o fim dos dois volumes mortos. (Aliás, não sei nem se isso seria tecnicamente possível, mesmo que não chova uma gota nos próximos 60 dias: afinal, a Sabesp só está autorizada a captar quantidades bem limitadas do Cantareira este ano, diferentemente do que ocorria na mesma época no ano passado.)
Nosso principal problema — ou pelo menos aquele que considero mais urgente — é que, até pelo menos duas semanas atrás (http://goo.gl/xaHGH1), havia relatos de pessoas passando mais de 3 dias sem água na RMSP — e, de lá para cá, os relatos sumiram (sem que as captações dos sistemas que abastecem essas pessoas tenham magicamente aumentado); não sabemos precisamente quantos estão nessa situação (ou em situação ainda pior); e nem a Sabesp, nem o governo do estado nem o comitê de crise em exercício previu qualquer alternativa de abastecimento para esses casos.
Privatização x remunicipalização
Uma ótima reportagem do El País mostra que 235 cidades em todo o mundo remunicipalizaram seus serviços de água nos últimos 15 anos, incluindo Paris, Berlim e Buenos Aires (http://goo.gl/fUMNFH). O caso de Paris é bem interessante: com o serviço privado, a tarifa aumentou 265% de 1985 a 2009 (sendo que o custo de vida aumentou apenas 70,5% no mesmo período); em compensação, as perdas caíram de 22% para 3,5% — uma queda (em média) de 0,74% por ano, portanto. Só consegui encontrar a evolução das perdas na RMSP de 2000 a 2011: em 11 anos, o índice geral de perdas foi de 30,8% a 27,1% — queda (em média) de 0,33% ao ano (http://goo.gl/WeyvQs). (Ressalvo, porém, que seria importante conhecer os dados exclusivamente de perdas físicas da Sabesp — e desde 1995, que foi quando a empresa se tornou de economia mista.)
Já em Berlim, depois da privatização “as empresas descumpriram várias das promessas dos seus herméticos contratos, reduziram os investimentos, descuidaram a qualidade do serviço e encareceram a conta”, segundo o El País. Qualquer semelhança com o caso de Itu é a mais pura coincidência: a prefeitura decretou uma intervenção de 180 dias sobre a empresa privada responsável pelo abastecimento da cidade alegando descumprimento do contrato de concessão (http://goo.gl/ktPMkg). O interventor da Águas de Itu está elaborando um cronograma para a conclusão de uma obra de abastecimento que deveria ter sido feita pela empresa privada (http://goo.gl/qiFvWS).
Na contramão desses casos, a cidade de Sumaré concedeu os serviços de água e esgoto para a Odebrecht Ambiental, esperando reduzir as perdas e aumentar o tratamento de esgoto (http://goo.gl/0QFMvE). Já a cidade de Taubaté pode vir a licitar os serviços de saneamento atualmente concedidos à Sabesp, pois a empresa ainda não pagou a contrapartida ao município pela assinatura do contrato (http://goo.gl/Y0kzAy).
Seção Economia de Água
Vejamos agora duas maneiras diferentes de dar a mesma notícia:
Folha de São Paulo: “Com adesão recorde, 83% dos clientes economizam água em maio em SP” (http://goo.gl/dUjtpO). Compare com o título do comunicado divulgado pela Sabesp: “Programa de bônus atinge em maio adesão recorde de 83%” (http://goo.gl/KwB28S).
O Estado de S. Paulo: “Economia de água na Grande SP fica estagnada em maio” (http://goo.gl/wQmwA5). Em vez de praticamente reproduzir o título do comunicado da Sabesp, o Estadão deu um passo além: enfatizou no título que o volume de água economizado manteve-se estável em 6,2m3/s de abril para maio.
Seção Boas Notícias
A Aliança pela Água lançou um novo site (http://goo.gl/hRSjfu), o Sala de Crise (http://goo.gl/3y7ESS), que reúne uma série de informações e recursos bem legais: dá para denunciar falta d’água, acessar uma agenda unificada de eventos relacionados à crise hídrica, acessar documentos produzidos pela Aliança, etc.
Está rolando uma campanha de financiamento de um coletor de água de banho, para que ele possa ser produzido em escala industrial e comercializado a um preço acessível (http://goo.gl/KtXumO);
O ministro do STJ Luiz Fux quer que o acordo entre SP, RJ, MG e ES para a transposição do Paraíba do Sul tenha “metas de recuperação e conservação da vegetação nativa em rios, nascentes e reservatórios” (http://goo.gl/0LlLuq). É um pouco triste que o Judiciário tenha que insistir numa medida que deveria partir dos próprios estados, mas enfim, tá valendo.
*Este e todos os boletins passados estão disponíveis no boletimdafaltadagua.tumblr.com