Ava Rocha mostrou em 2015 o poder de suas canções e a força que tem a sua voz, suas letras e sua presença como uma artista-mulher-brasileira que se posiciona diante de uma sociedade ainda muito machista. Essa demonstração ocorreu por conta do seu novo álbum Ava Patrya Yndia Yracema, que apareceu nas listas de melhores discos do ano dos sites Miojo Indie e New Yeah Music, além de a cantora ter ganho o prêmio Multishow 2015 nas categorias ‘Melhor hit’ e ‘Artista Revelação’.
No disco a cantora consegue dar vazão aos sentimentos femininos tão além de casamentos, relacionamentos eternos, e imagens de uma mulher ideal que a sociedade patriarcal construiu e ainda objetifica até hoje. A artista traz para a música a força da mulher com “cara de índia/ amazonina/ filha de branca/ filha de preta”, como canta em “Uma”.
Para a artista essa construção política do disco aconteceu de forma orgânica. “São fluxos naturais de uma mulher contemporânea ainda vítima natural do machismo, do capitalismo, do colonialismo, de mil ismos, artista, mãe, latinoamericana, metade brasileira, metade colombiana. Uma mulher criada dentro de uma formação religiosa que passa pelo ateísmo, judaísmo, protestantismo, umbandismo, espiritismo, budismo etc. Então tô impregnada de tudo e devorando tudo também”, conta.
O próprio nome do álbum, que é o nome de batismo da cantora dado pelos pais cineastas Glauber Rocha e Paula Gaitán, já sugere o que Ava quis, ou mirou, com esse trabalho. “Fala de uma índia, de uma mulher, de um território. Yracema anagrama de Améryca. Yracema índia dos lábios de mel. Patrya aqui, ali, em cada lugar. Fragmento e unidade. Ava homem e mulher. Ava rio. Ava nação”, explica a cantora, que acrescenta dizendo que a escolha pelo nome foi, de antemão, as ideias que ela quis transmitir de empoderamento, no sentido de identificar uma singularidade conectada com todo um universo.
A voz de Ava somada com a percussão, as composições (de Domênico Lancelotti, Negro Leo, Pedro Sá, Joana Queiroz, Bruno Di Lullo, Marcelo Callado, Thomas Harres e Gustavo Benjão) e a construção da sonoridade do disco resultam num trabalho sensorial e ritualístico.
Sensorial porque em seu disco Ava transforma a linguagem musical, que é comumente associada ao abstrato, numa relação que vai além da vontade de dançar. Na música que inicia o disco “Boca do céu”, por exemplo, é possível relembrar os banhos de chuva da infância e da brincadeira de abrir a boca para pegar as gotas de água. A música não só permite uma lembrança imagética como uma percepção olfativa do cheiro de terra molhada.
O ritualístico aparece no disco na marcante percussão e pelos instrumentos que contribuem com o som intenso, como o caxixi e o vibrafone. Ava diz que foi incentivada pelo desejo de um som ritualístico construído durante o processo após a conexão com o produtor Jonas Sá, os compositores e os músicos. “Tanto a partir de um desejo como a partir da essência, toda a invenção do disco está na verdade antes disso, começando em mim no caso e nas pessoas que se jogam no abismo da imaginação”, explicou.
Longe que tenha sido uma fórmula calculada e se trate de uma obra fechada, mas Ava traz em seu disco o sentir-se mulher no paladar de lembrar que “doce é o amor”; no tato de que a cela “é o abraço ao me deixar”; na visão “das costas lisas para o mar”; do olfato que ” arrasa teu perfume pelo ar”; e na audição d”esse som cabeça oca, miolo mole”.
Junto com todas as experiências relatadas e as influências de Ava, pode-se dizer que seu último disco há uma atmosfera de uma mulher antropofágica que procura, através da música, realçar seus valores culturais que são reprimidos desde o processo de colonização, que busca (e consegue) mostrar a força das mulheres índias-negras-amarelas-brancas-brasileiras.
Uma resposta
Primeiramente eu queria dizer que a matéria está Deliciosamente escrita, tornando possível palpar a grandiosidade dessa artista antes mesmo de ouví-la uma única vez. O que também não demorou nem um parágrafo, segui a indicação e coloquei o álbum para ouvir e me tornei fã! RS
Obrigada pela dica!!