AS VÁRIAS DIMENSÕES DO RACISMO RELIGIOSO

 

Por Yuri Silva*

O racismo religioso da Prefeitura de Salvador, ao substituir o nome da Festa de Yemanjá em seus materiais de divulgação, usando a nomenclatura de Festa de 2 de Fevereiro em placas de rua, não deve nada à outras formas de manifestação da intolerância religiosa brasileira.

O preconceito contra as religiões de matriz africana se apresenta em várias dimensões na nossa sociedade. Uma delas são os ataques físicos e violentos contra terreiros de candomblé, o que só tem crescido nos últimos anos e já somam mais de 150 casos entre 2013 e 2018 na Bahia, de acordo com dados oficiais divulgados pela imprensa.

A outra dimensão do racismo religioso é uma mais sutil (bem ao estilo engenhoso do racismo brasileiro), quando a preservação das tradições afro-brasileiras são atacadas, ao invés de serem incentivadas, fomentadas e defendidas pelas instituições responsáveis por proteger de forma laica todo o tipo de manifestação cultural e religioso.

O Estado brasileiro, outrora autor de ataques policiais que devastavam terreiros de candomblé na Bahia, destruindo representações religiosas e levando ao cárcere líderes religiosos após muita violência física e psicológica, agora ataca os cultos negros brasileiros de outra forma, renovando o modus operandi do racismo.

Ao esconder a Rainha do Mar, cultuada no dia 2 de fevereiro por milhões de baianos e turistas na orla do Rio Vermelho, em Salvador, a Prefeitura cede aos apelos de uma base política evangélica que ronda a gestão do DEM na capital baiana; ataca a tradição de saudação à orixá das águas salgadas e desrespeita todo um povo.

Desrespeita o povo negro ao tentar reconstruir as celebrações de Iemanjá a partir de outros símbolos e interesses que não aqueles que lhe deram origem e que se relacionam obrigatoriamente com as religiões de matrizes africanas.

É um contrassenso tal postura, para além da intolerância e do racismo religioso evocado acima, se pensarmos que a Festa de Yemanjá é a única das festas populares soteropolitanas, as chamadas festas de largo ou lavagens, que é dedicada exclusivamente a um orixá.

Todas as outras, com exceção dela, têm em sua essência o sincretismo religioso, saudando ao mesmo tempo orixás e santos católicos, numa repetição da estratégia de sobrevivência adotada por nós negros para vivermos em paz nossa religiosidade.

Mas talvez seja esse mesmo o motivo desta decisão que ‘esconde’ Yemanjá das placas de divulgação da festa. Na cabeça dos gestores municipais sentados em seus gabinetes, deve ser muita ousadia uma festa inteira, aderida por todo um povo, para saudar uma entidade cultuada historicamente por pretos e pobres. Muito embora, essa mesma elite administrativa que toma decisões como essa, brancos e ricos encantados pela beleza da religião dos pretos e pobres, continuem indo ao Rio Vermelho fazer pedidos à Orixá.

Sejam quais forem as motivações, para nós do Coletivo de Entidades Negras – CEN, entidade nacional do movimento social negro brasileiro, é inaceitável esse fato.

Por isso, entramos no Ministério Público da Bahia com petição em que tais argumentos são apresentados. Estamos cansados de gritar sem respostas contra a violência do Estado – as agressivas ou as sutis –, mas nem por isso deixaremos de lutar em defesa do nosso povo.

*Yuri Silva, jornalista e coordenador-geral do Coletivo de Entidades Negras – CEN

COMENTÁRIOS

2 respostas

  1. Yuri, que gente de atitude feia, né? É a festa religiosa mais linda do Brasil ! A mais alegre, a mais ingênua, a que demonstra a mais pura fé!
    Os que tanto reclamam deveriam ir lá, participar e ver como serão sempre acolhidos pela bondade desses religiosos!

  2. Sou pastor, acredito nos meus cultos do mesmo jeito que os meus irmãos de matriz africana acreditam no que lhes pertencem em termos de fé. Agir de outra forma é ridículo. Mas na Bahia, pela riqueza dessa manifestação religiosa, retratada em farta literatura secular – vide Jorge Amado -, a coisa é muito mais perigosa e infame. Salvador ainda precisa ser enegrecida, embora seja cidade de muitos negros. Ainda é problema deixar por lá, como sinhozinho, um filhote de ACM, que foi tão respeitado pela negritude tradicional. É preciso que um rei negro aparece e represente os demais, e não que um tarzan, que conhece a floresta mais que os africanos, continue dizendo que sabe entender melhor que os negros, toda a beleza cultural que os filhos da África pintaram naquela terra, um dia com seu sorriso espontâneo e no outro com o jorro rubro de seu secular sofrimento.

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